“Se tem uma coisa que nós não queremos aqui na América do Sul é guerra. Nós não precisamos de guerra, nós não precisamos de conflito”, afirmou o presidente em pronunciamento na abertura da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva relatou as negociações e criticou as imposições da União Européia para fechar o acordo com o Mercosul.
“Nós herdamos uma versão desse acordo dos governos passados, que vocês conhecem. A versão era inaceitável. Porque nos tratava como se nós fossemos seres inferiores. Eu diria até que nos tratavam como se nós fossemos países colonizados ainda. Com falta de respeito, inclusive ameaçando”, disse Lula em pronunciamento na abertura da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (7 de dezembro).
Lula declarou que os europeus mudaram a versão, mas continuaram inflexíveis na questão das compras governamentais. “Eu falei que era inaceitável as palavras colocadas naquela carta adicional que eles mandaram para nós”, disse. “Depois, eles mudaram aquela carta, mas eles não mudaram nada na questão industrial”.
“Ou seja, nós não temos o direito de ser um país um pouco desenvolvido. Todo mundo sabia que a questão das compras governamentais é muito importante para um país se desenvolver e não dá para a gente abrir do jeito que eles queriam que a gente abrisse”, observou Lula.
A UE queria impor que as empresas dos países do bloco participassem em pé de igualdade em licitações governamentais em todos os integrantes pertencentes ao Mercosul. Segundo Lula, as licitações podem beneficiar o crescimento de pequenas e médias empresas nacionais e a concorrência europeia traria dificuldades para elas.
Lula disse que após contestar os termos da proposta de acordo da UE fizeram um novo texto “mais equilibrado”. “Mas, mesmo assim, eu acho que é insuficiente. As resistências da Europa ainda são muito grandes. São muito grandes”, disse Lula.
“Eu estranho a falta de flexibilidade deles em entender que nós ainda temos muita coisa para crescer, temos o desejo de nos industrializar. E que nós só precisamos de flexibilizar, de eles comprarem alguma coisa nossa com maior valor agregado”, destacou. “Mas eles ainda não estão sensíveis para isso”.
VENEZUELA
O presidente também abordou a crise provocada pela reivindicação venezuelana sobre o território de Essequibo, pertencente à Guiana.
“Todos vocês acompanham, conhecem um pouco da história e nós estamos acompanhando, com crescente preocupação, o desdobramento relacionado à questão do Essequibo. O Mercosul não pode ficar alheio a essa situação”, disse, anunciando uma declaração dos países do Mercosul sobre o tema.
“Se tem uma coisa que nós não queremos aqui na América do Sul é guerra. Nós não precisamos de guerra, nós não precisamos de conflito. O que nós precisamos é construir a paz, porque somente com muita paz a gente pode desenvolver o nosso país, a gente pode gerar riqueza e a gente pode melhorar a vida do povo brasileiro”.
BOLÍVIA
O presidente ainda saudou a integração da Bolívia ao Mercosul. A entrada da Bolívia “é uma conquista muito importante para o Mercosul”, disse Lula. “Eu acho que o Mercosul passará a contar, agora, com 283 milhões de pessoas e um PIB de US$ 4,8 trilhões. Não é um PIB qualquer, gente. É um PIB importante”, destacou.
“Com a entrada da Bolívia, a gente ganha, além de um país, um território importante, um país que tem gás, um país que tem materiais críticos, muitos minérios críticos, que tem um monte de coisa, tem uma cultura extraordinária. Tem uma cultura exuberante e vai fazer parte do nosso querido Mercosul, agora como membro nato”, completou.
Leia o discurso na Íntegra:
Companheiros e companheiras presentes nessa reunião. Eu quero começar cumprimentando o companheiro Santiago Peña, presidente da República do Paraguai. O companheiro Luis Lacalle Pou, presidente da República Oriental do Uruguai. O companheiro Alberto Fernández, presidente da República da Argentina. Nosso mais novo membro, companheiro Luis Alberto Arce, presidente do Estado Nacional da Bolívia. Meu querido companheiro Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro de Estado do Desenvolvimento, Comércio e Indústria. Na verdade, foi uma coisa premeditada para vocês ficarem mais tempo no Brasil. Então, como eu sei que vocês querem aproveitar o Rio de Janeiro e dar um mergulho, quem sabe, no final da tarde ou no começo da noite, nós, então, resolvemos atrasar um pouquinho a reunião. Não, o atraso não foi por conta disso. O atraso foi por problemas outros.
Bem, essa é uma reunião de despedida, mas também é uma reunião de chegada. Nós temos a despedida do companheiro Alberto Fernández, da Argentina, que, dia 10, deixará a presidência da Argentina, mas tem a chegada de um novo presidente da Argentina. E vai ler, como se fosse o secretário-geral, tudo que aconteceu nesse período. Aí nós vamos abrir a palavra para que cada companheiro possa falar. Eu estava pensando em 10 minutos, acho que é um tempo bom para que cada companheiro pudesse fazer uso da palavra. Obviamente que, pela importância do cargo de cada um de vocês, de presidente dos países que vocês representam, eu não posso limitar o tempo de vocês. Pode falar um pouco mais que haverá muita tolerância aqui.
Bem, primeiro, eu quero dizer para vocês da minha alegria de receber todos vocês aqui no Brasil. Haverá um tempo em que nós vamos decidir que o Mercosul será a reunião mais demorada, para que a gente não resolva tudo em um único dia, que a gente possa ficar três ou quatro dias em um país, para a gente poder conhecer melhor as pessoas e o país.
Vocês estão no lugar que é a primeira vez que eu entro aqui. Isso aqui fez parte de uma parceria nossa com o governo do Rio de Janeiro, sobretudo com a prefeitura. E esse Museu do Amanhã é uma coisa extraordinária, está feito já há alguns anos e é a primeira vez que eu entro aqui, eu não tinha noção de que era tão bonito. É muito bonito. Eu espero poder visitar antes de deixar o Rio de Janeiro.
E nós vamos ter que discutir que Mercosul nós queremos. Eu acho que, de quando em quando, nós, que somos passageiros nos cargos que nós participamos, nós temos que discutir o que que a gente pode deixar de conquista ou de expectativa para quem venha depois de nós. E qual é o legado que a gente vai deixar no trabalho que nós exercemos aqui. Cada um de vocês, quando exercer a presidência, vai exercer com muita vontade de fazer muita coisa. E, depois, a gente se dá conta de que nem tudo que a gente quer acontece do jeito que a gente quer. Mas um dado concreto é que nós continuamos avançando. Eu estou sempre muito otimista e eu, sinceramente, tenho como lema não desistir nunca, porque não existe nada que seja impossível a gente concretizar, mesmo essa tentativa de um acordo com a União Europeia, que está durando há vinte e três anos, mas a gente tem que continuar tentando fazer um acordo com a União Europeia.
Nós temos vários temas importantes para tratar no dia de hoje. E eu queria abordar alguns deles.
Eu vou puxar um assunto aqui que é a situação do incentivo. A situação entre a Venezuela e a Guiana.
O contexto internacional e o papel do Mercosul.
A adesão da Bolívia ao bloco, que finalmente foi aprovada pela Câmara e pelo Senado no Brasil.
A novidade das negociações comerciais com Singapura. E vamos também discutir o que aconteceu no acordo com a União Europeia.
A novidade também é a retomada da Cúpula Social, porque, desde 2016, a Cúpula Social não se reunia e ela voltou a se reunir para esse encontro. E, na parte da tarde, nós vamos ter quatro apresentações representando a Cúpula Social.
E a Declaração Especial sobre a Democracia, Integridade de Formação e Ambientes Digitais. Essa era uma coisa que eu até, Mauro, não sei se já foi pensado, mas é uma coisa que o Mercosul precisaria se debruçar e, inclusive, quem sabe, criar um grupo especial para discutir a chamada inteligência artificial. Quem sabe a gente pudesse, a partir da nova presidência, ter um grupo para discutir um assunto de tamanha envergadura e de tamanha importância para o futuro do nosso país.
Essa Cúpula, ela começa sobre a égide de dois marcos importantes. O primeiro é a estreia do presidente Santiago Peña, que vem se somando aos esforços pela integração. O segundo, a presença do companheiro Luis Arce, que representa o mais novo membro do bloco. A nota triste, como eu falei no começo, a nota triste é hoje a despedida do companheiro Alberto Fernández.
Eu, embora esteja, pessoalmente, triste com a partida do nosso querido Alberto Fernández, porque nós temos uma relação de amizade muito importante e eu nunca esqueço o gesto do companheiro Alberto Fernández indo me visitar na sede da Polícia Federal, em 2018. Esse gesto, Alberto, eu nunca vou esquecer. E eu guardarei ele para o resto das nossas vidas.
Bem, o companheiro Alberto, que encerra sua gestão nos próximos dias, certamente, foi um dos grandes amigos do Brasil. Aliás, desde que eu me conheço por gente e que eu tenho relação com a Argentina. Eu lembro, desde o primeiro presidente que eu conheci, que foi Alfonsín, o presidente do Brasil sempre teve uma belíssima relação com a Argentina. Mesmo quando o Menem era presidente, o Fernando Henrique Cardoso era presidente e os dois disputavam, entre si, quem era que tinha mais amizade com os Estados Unidos. A relação do Brasil sempre foi boa com a Argentina. Então, Alberto, é com muita tristeza, mas eu sei o papel importante que você jogou, o papel muito importante que você jogou nesse seu período de governo. Lamentavelmente, eu acho que você merecia melhor sorte, a economia poderia ter melhor sorte, mas aconteceu o infortúnio, inclusive da pandemia e de uma seca, que muita gente aqui foi prejudicada.
A gente deve te agradecer pela forma corajosa que procurou preservar o legado da Celac e o legado da Unasul. Nós sempre tivemos em você a certeza de que a gente estava diante de um homem de bem, um homem honesto, um homem digno e um homem que tinha como compromisso maior a defesa dos interesses do querido povo argentino. Por isso, a tua despedida é uma despedida triste. Para mim, que sou teu amigo pessoal. Mas eu espero que a gente continue com a nossa relação de amizade, porque eu queria dizer aos companheiros que eu não tenho amizades com vocês apenas porque vocês são presidentes. Se algum de vocês deixar a presidência e eu encontrar, em qualquer lugar do mundo, eu vou tratar com o mesmo respeito, com o mesmo carinho, que eu trato vocês com mandato. Porque a minha relação é com o presidente, mas é, sobretudo, a relação humana. Eu gosto de gente. Gosto de tratar as pessoas bem e gosto que a minha amizade seja eterna e para sempre. Não é uma amizade de mandato. Queria que vocês soubessem que assim vai ser minha relação. Você bem já sabe como é que é, o nosso querido presidente do Uruguai sabe da relação, sabe que eu tive, inclusive com o Sanguinetti, tive com o Tabaré, com o Pepe Mujica e, da mesma forma, eu tenho certeza que vai ser a nossa relação. Depois que terminar o seu mandato, não sei quantas reeleições você vai disputar, que eu te encontrar em qualquer lugar do Rio de Janeiro, eu vou te convidar para a gente pegar uma prancha e, quem sabe, dar uma surfada em alguma praia brasileira.
Bem, eu queria tocar um assunto que eu acho que é importante tocar, porque não tem explicação para a imprensa a gente fazer uma reunião e não discutir um assunto que eu não quero aprofundar no assunto, mas apenas que tenha sido notado aqui. É a questão do Essequibo. Todos vocês acompanham, conhecem um pouco da história e nós estamos acompanhando, com crescente preocupação, o desdobramento relacionado à questão do Essequibo. O Mercosul não pode ficar alheio a essa situação. Eu, por isso, eu quero submeter à consideração de vocês a minuta de declaração dos estados parte do Mercosul sobre essa controvérsia acordada pelos nossos chanceleres.
Recordo a declaração adotada no último dia 22 de novembro, na reunião de diálogo entre ministro da Defesa e das Relações Exteriores da América do Sul, em Brasília, que reafirma a região como uma zona de paz e de cooperação. Não queremos que esse tema contamine a retomada do processo de integração regional ou constitua ameaça à paz e à estabilidade. Enfatizo a importância de que as instâncias da Celac, a Unasul, estejam plenamente utilizadas para o encaminhamento pacífico dessa questão.
Sugiro que o companheiro Ralph Gonsalves, presidente de turno da Celac, possa tratar do tema com as duas partes. Caso considerado útil, o Brasil e o Itamaraty estará à disposição para sediar qualquer e quantas reuniões forem necessárias.
Dito isso, eu gostaria de dizer que nós vamos tratar, com muito carinho, porque se tem uma coisa que nós não queremos aqui na América do Sul é guerra. Nós não precisamos de guerra, nós não precisamos de conflito. O que nós precisamos é construir a paz, porque somente com muita paz a gente pode desenvolver o nosso país, a gente pode gerar riqueza e a gente pode melhorar a vida do povo brasileiro. Se vocês estiverem de acordo, essa nota que tinha sido feita pelos nossos chanceleres e ministro da Defesa poderia ser aprovada aqui e a gente dar ela como lida.
O segundo ponto que eu gostaria de discutir é o contexto internacional e o papel do Mercosul. Eu retornei da COP-28, em Dubai, movido pelo sentimento de grande urgência diante da questão climática. Aliás, eu queria dizer para vocês, uruguaios, paraguaios, argentinos, que, antes de viajar, eu fiz uma reunião para discutir todos os biomas brasileiros. E, meu caro Lacalle, qual foi a minha surpresa? Que eu aprendi, nessa reunião, que os pampas é um bioma. E que, portanto, eu levei os pampas na minha discussão, junto com os outros cinco biomas brasileiros, para que a gente possa fazer a discussão em nível internacional. Pela importância que nós temos nessa questão do clima. Acho que nós temos muito a ensinar ao mundo em se tratando de discutir essa famosa transição energética que se apresenta e essa questão climática.
O mundo se aproxima, muito rapidamente, de um cenário catastrófico. Acho que vocês todos sabem que, trinta anos atrás, a gente tratava essa questão ambiental com certo desprezo. Era uma questão de intelectuais, era uma questão de acadêmicos, ou seja, a gente nunca deu a importância. Agora, a natureza está nos chamando a atenção. Dê importância, porque as coisas vão acontecer cada vez mais rápido, cada vez mais forte, se vocês não respeitarem. E nós, seres humanos, que somos considerados a parte inteligente do mundo animal, somos o único capaz de destruir o nosso habitat natural. Então, eu acho que essa responsabilidade com o meio ambiente é uma coisa extraordinária e nós sabemos o que a nossa região já está sofrendo com a mudança climática. Eu nunca imaginei ver os rios mais caudalosos do mundo secos. E nunca imaginei a quantidade de ciclone que teve no Rio Grande do Sul e Santa Catarina nos últimos tempos. Ou seja, e tem acontecido em todos os outros países e nós, então, temos um compromisso muito sério.
Enchentes e enchentes, e secas levaram à morte e destruição muita gente, muitas comunidades do nosso país. Nós somos o continente com a maior floresta tropical, as maiores reservas de águas e de biodiversidade do mundo. Abrigamos duas das cinco maiores hidrográficas do planeta: a amazônica e o Prata. O Mercosul é um espaço estratégico de coordenação, também, para temas globais. Em dois anos, o Brasil vai sediar a COP 30 e eu espero que todos vocês estejam participando ativamente, que é a primeira vez na história que a Amazônia vai falar dela própria. A Amazônia é muito citada no mundo hoje, não tem um debate que você vai, em qualquer lugar do planeta, que as pessoas falam da Amazônia. E, portanto, vai ser a primeira vez que a Amazônia vai falar por ela mesma. O projeto que nos levará à COP de Belém, no Pará, passa pela presidência do Brasil do G20, que assumi no último dia 1º de dezembro. Eu, agora, é importante que vocês me tratem, porque eu agora sou presidente do G20, e nós vamos fazer, possivelmente, a mais importante reunião e eu quero contar com o apoio e a participação de vocês, porque nós vamos ter dezenas e dezenas de reuniões, de muitos ministérios, de muitos temas, e vocês sabem que todos os companheiros do Mercosul e da América do Sul serão nossos convidados na construção do sucesso da realização dessa situação.
Vocês sabem que o nosso lema é “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”. A nossa presidência tem três linhas de ação para estruturar os trabalhos do grupo. A primeira: inclusão social e combate à fome e à pobreza. Segundo: transição energética e o desenvolvimento sustentável. E, terceiro, a reforma da governança global. Esse, meus queridos companheiros e companheiro Peña, que já trabalhou no Fundo Monetário Internacional, essa é uma questão que me agonia há muito tempo, desde o primeiro mandato, e nós precisamos trabalhar com muita seriedade. Primeiro, a representação geopolítica da ONU não pode ser a mesma de 45. É preciso mudar. É preciso mudar, inclusive, a forma de representação. Eu tenho dito para as pessoas que quem estiver participando do Conselho de Segurança da ONU, como membro permanente, não representa a si próprio e ao seu país. Tem que representar o continente que ele participa. Portanto, é preciso mais trabalho, mais reunião, para mais representatividade. Porque, se não tivermos isso, nós não conseguimos colocar em prática nada que nós decidirmos na COP. Você faz uma COP maravilhosa, participam centenas de milhares de pessoas, se aprova um monte de documento e ninguém executa. E, no ano seguinte, uma nova COP e, no outro ano, uma nova COP. Ou seja, é preciso que, na questão ambiental, a gente tenha decisões que sejam implementadas quase que obrigatoriamente, por todos os países. Sempre levando em conta que não são os países menores que têm que pagar a conta, quem tem que pagar a conta são os países industrializados que, há duzentos anos, poluíam o planeta. Não é um país que começou a se industrializar agora. Então, nós vamos precisar muito de vocês.
A questão do sistema de Bretton Woods, sobretudo o FMI, o Banco Mundial, precisa mudar a sua característica, a sua função. Eles não podem ser bancos sufocantes, porque, na verdade, eles não emprestam recurso, eles, na verdade, emprestam uma corda para que a pessoa que precisou do dinheiro se enforque. Porque não leva em conta a situação de cada país. Só queria lembrar a vocês que, quando eu peguei esse país aqui, a gente tinha uma dívida de U$ 30 bilhões e, todo ano, todo ano, companheiro Arce, você que é economista, todo ano, descia um casal de economistas do FMI, aqui no Brasil, um país com duzentos milhões de habitantes, desciam dois economistas para vir fiscalizar as contas do Brasil e dizer o que a gente tinha que fazer, como é que a gente ia investir o nosso dinheiro. Hoje, graças a Deus, o Brasil resolveu esse problema, o Brasil não deve ao FMI, o Brasil é credor do FMI, porque emprestamos R$ 15 bilhões para o FMI. E o Brasil se dotou de uma reserva que nos garante uma boa tranquilidade para suportar até uma praga de gafanhoto como aquela que passou pelo Brasil nos últimos quatro anos, sem que a nossa economia tivesse abalo.
Então, nós vamos discutir, nós vamos precisar da sabedoria dos economistas, dos ministros da Economia de cada país da América do Sul, do Mercosul, porque nós precisamos tentar apresentar uma proposta. Uma proposta de como é que vai funcionar os bancos de financiamento. A África hoje, e nosso amigo Peña conhece bem porque ficou em Guiné-Bissau por um tempo, a dívida da África me parece que é US$ 860 bilhões. Se não houver uma mudança, aqueles países nunca terão chance. E o que nós estamos vendo acontecer? A cada mês aparece um golpe de estado, aparece uma tentativa de golpe. Se a gente não fortalecer o regime democrático, eu acho que nada mais a gente vai conseguir. Então, é muito importante. Eu queria que vocês já se sentissem convidados a participar do nosso G20 aqui no Brasil.
Gostaria que vocês soubessem que nós vamos precisar de vocês na construção do G20. E gostaria que vocês soubessem que nós queremos convidar vocês para participar, também, da nossa reunião dos BRICS, que será em 2025. Portanto, nós estamos com agenda internacional muito grande e, se tudo der certo, a gente vai fazer, ainda, a Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 2027. Espero que a gente não passe o vexame da Copa do Mundo de 2014, quando apanhamos de 7 a 1 da Alemanha. Sinceramente, não precisava maior vergonha.
Bem, temos aqui o nosso companheiro Luis Arce, que a entrada dele, para nós, é uma conquista muito importante para o Mercosul. Eu acho que o Mercosul passará a contar, agora, com 283 milhões de pessoas e um PIB de US$ 4,8 trilhões. Não é um PIB qualquer, gente. É um PIB importante. Daí porque eu tenho, há muitos anos, há muitas décadas, a consciência de que qualquer que sejam os presidentes que governarem os nossos países, nós temos que ter a ideia de que, juntos, nós somos mais fortes. Separados nós somos mais fracos. Essa é uma convicção que eu tenho desde antes de virar presidente, da primeira vez.
Portanto, vocês sabem que, com a entrada da Bolívia, a gente ganha, além de um país, um território importante, um país que tenha gás, um país que tem materiais críticos, muitos minérios críticos, que tem um monte de coisa, tem uma cultura extraordinária. Tem uma cultura exuberante e vai fazer parte do nosso querido Mercosul, agora como membro nato. Tem algumas coisinhas para cumprir, ele sabe que ainda tem que cumprir, mas eu acho que também.
A outra é que com a integração da Bolívia, nós estamos, efetivamente, nos aproximando de realizar o sonho da integração entre Atlântico e Pacífico. Nós estamos, neste instante, vai ser apresentado para os ministros do Transporte, de Planejamento, de todos os países. A nossa ministra Simone Tebet vai apresentar um programa de estruturação de ligação dos nossos países, do nosso continente. São ferrovias, são rodovias, são hidrovias. E aeroportos. Ela está com um programa que vai apresentar hoje, Simone? Ou? É. E a novidade, que eu não posso falar agora, só de tarde, é que nós vamos ter uma boa quantia de dinheiro para a gente poder cumprir esse sonho, finalmente, da nossa integração física. É muito importante. Se vocês estiverem por aqui, quem sabe a gente possa participar juntos desse anúncio, hoje à tarde, em uma reunião que vai estar o BNDES, vai estar a Caixa, a FONPLATA e o BID.
Bem, antes de passar a palavra ao Mauro, as questões comerciais, as negociações comerciais da União Europeia e Singapura. Bem, vocês sabem porque alguma coisa saiu na imprensa do esforço que nós fizemos para tentar concluir esse acordo na minha presidência. Confesso a vocês que eu tinha um sonho de que, na minha presidência e na presidência do companheiro Pedro Sánchez, que é o presidente político da União Europeia, a gente pudesse concluir. Inclusive, tinha feito convite para ele vir aqui e, inclusive, convidei a Ursula von der Leyen para que viesse aqui, para a gente fazer a conclusão do acordo da forma majestosa que eu achei que poderia ser feito. E que eu achava que a gente merecia. Eu achava que a gente merecia. Eu já participei de muitas reuniões e, toda vez que eu participo, eu nunca saio desanimado.
Eu saio com a ideia de que, na próxima, a gente consegue fazer. E eu conversei, acho que nunca antes na história do Mercosul, se conversou com tanta gente. Eu conversei com quase todos os presidentes da União Europeia, eu conversei com os negociadores da União Europeia. Eu conversei com os presidentes dos países baixos, com todos eles. Tentando mostrar a necessidade da gente fazer esse acordo. Conversei, inclusive, lá em Dubai, com a Ursula von der Leyen, conversei com o Macron, fiz um apelo pro Macron, um apelo para ele deixar de ser tão protecionista, porque não é o caso do Macron. Eu já tinha conversado com o Chirac, já tinha conversado com o Sarkozy, já tinha conversado com o François Hollande. Todos eles são protecionistas em se tratando dos produtos agrícolas deles. Não levam em conta que nós temos direito a participar desse sol. De um mercado extraordinário que nos ajudaria. Mas, de qualquer forma, não deu certo.
Bem, nós herdamos uma versão desse acordo dos governos passados, que vocês conhecem. A versão era inaceitável. Porque nos tratava como se nós fossemos seres inferiores. Eu diria até que nos tratavam como se nós fossemos países colonizados ainda. Com falta de respeito, inclusive ameaçando. Isso eu fui na Espanha, conversar com o Pedro Sánchez, e eu falei que era inaceitável as palavras colocadas naquela carta adicional que eles mandaram para nós. Depois, eles mudaram aquela carta, mas eles não mudam nada na questão industrial. Ou seja, nós não temos o direito de ser um país um pouco desenvolvido. Todo mundo sabia que a questão das compras governamentais é muito importante para um país se desenvolver e não dá para a gente abrir do jeito que eles queriam que a gente abrisse.
E eu acho que foi feito alguns avanços. Na última reunião, eu disse à Ursula von der Leyen que ela colocasse o negociador dela junto com o Mauro para que, na reunião que vocês estivessem ontem, a gente pudesse ter alguma novidade para ver se a gente conseguia aprovar.
Bem, nós já conhecíamos um pouco a posição da Argentina, que era pública. Nós já conhecíamos a posição do Macron, que fez questão de dar uma entrevista para a imprensa dizendo que não tinha como fazer acordo, aquele negócio todo. E eu ainda continuei falando que eu acreditava que era possível fazer o acordo. Porque eu acreditava de que, na reunião, pudesse acontecer alguma novidade. O Olaf Scholz, eu estive com ele e ele me disse que ia conversar com o Macron para ver se conseguia flexibilizar o coração do francês, mas ele não deu retorno, significa que ele também não conseguiu.
Nós vamos aqui, o Mauro vai fazer um relatório para nós. Eu acho que o texto que nós temos agora é mais equilibrado do que o que estava no outro governo. Mas, mesmo assim, eu acho que é insuficiente. As resistências da Europa ainda são muito grandes. São muito grandes. Eu estranho a falta de flexibilidade deles em entender que nós ainda temos muita coisa para crescer, temos o desejo de nos industrializar. E que nós só precisamos de flexibilizar, de eles comprarem alguma coisa nossa com maior valor agregado. Mas eles ainda não estão sensíveis para isso. Eu acho, querido companheiro Peña, quando você assumir a presidência, não desista nunca, cara. Não desista. Teime, teime, brigue, converse. Porque é assim mesmo.
A União Europeia só precisa reconhecer a credibilidade dos dados dos nossos sistemas nacionais de monitoramento e certificação do desmatamento. Eu não vou ficar prestando contas às coisas que a gente faz para qualquer um. Nós tratamos a questão ambiental com muita seriedade, muita seriedade. Eu tenho um compromisso público de que nós vamos chegar, em 2030, com desmatamento zero. É um compromisso público que eu tenho e nós vamos cumprir. Só neste ano, nós já diminuímos o desmatamento em 49,7%. Só em dez meses. Significa que nós vamos ser muito duros. Aliás, por falar em ser duro, Pena, eu queria te dar os parabéns pelo comportamento da sua polícia federal, junto com a Polícia Federal brasileira, e junto também com os americanos, para destruir a maior quadrilha de contrabando de armas que eu tive conhecimento na nossa querida América do Sul. Então, estou te dando aqui os parabéns pelo trabalho da sua polícia federal.
Bem, nós vamos ter, ainda, um acordo com Singapura, que eu não sei se vocês vão estar aqui, se a assinatura vai ser com todo mundo.
Mas eu acho que é um sinal muito importante esse acordo de livre comércio entre Mercosul e Singapura. É o primeiro acordo desta natureza firmado pelo Mercosul, desde 2011. Significa que é um estímulo para a gente continuar acreditando que as coisas vão dar certo. Trata-se do primeiro acordo de livre comércio firmado pelo Mercosul com países da Ásia, uma das regiões mais dinâmicas do comércio internacional. O acordo tem um potencial de estimular a atração de investimentos. Em 2022, conforme informações da UNCTAD, Singapura foi o décimo primeiro investidor global. Então, eu acho que é um passo importante. E, depois, nós vamos ter a Cúpula Social. A Cúpula Social se reuniu aqui, são mais de 300 pessoas que participaram, e eles tinham deixado de funcionar de 2016 até agora. Nós recuperamos. Eu espero, Peña, que você possa continuar recuperando, porque essa gente representa o que a gente tem de vivo na nossa sociedade. Que vão nos ajudar, porque são os trabalhadores, são as pessoas da saúde. Então é bom a gente tratá-los com muito carinho. Nós vamos ter a fala de quatro membros deles aqui. Cinco minutos cada um vai falar.
E, depois, a questão, nosso sexto ponto aqui, é a declaração especial sobre a democracia e integridade de informação em ambientes digitais. Esse é um assunto que eu não sei como é que está sendo tratado, internamente, dentro de cada país. Mas essa questão digital é uma coisa muito séria, que eu não acredito em solução individual para nenhum país, acho que terá que ser uma decisão global. A declaração de presidentes sobre democracia e integridade da informação em ambientes digitais, que firmaremos nessa tarde, renova o compromisso fundacional do bloco com a democracia. Eu tenho repetido que a democracia precisa ser cuidada e preservada, todo santo dia. Para isso, precisamos estar sempre atentos às novas ameaças e atualizar nossos mecanismos de regulação. Nós vamos nos equipar para garantir o direito de liberdade de expressão ao mesmo tempo em que coibimos o discurso de ódio, a desinformação e as práticas abusivas das grandes empresas de tecnologia.
Bom, vocês sabem o que representa isso na vida de cada um dos nossos países. E, por isso, eu propus que a gente criasse essa comissão especial para discutir essa questão da inteligência artificial. Dito isso, antes de abrir a palavra para os nossos presidentes, eu queria que o nosso ministro Mauro Vieira pudesse ler o seu relatório para, depois, a gente abrir a palavra aos nossos convidados especiais.