“A ciência sempre sofreu pressão de poderosos e seus resultados incomodam bastante; e as vezes em que os cientistas recuaram, não foi bom para a humanidade”, afirmou o cientista demitido por Bolsonaro, durante palestra na USP
Durante conferência na Universidade de São Paulo (USP), o ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Ricardo Galvão afirmou que “sempre que a ciência for atacada, temos que nos levantar”.
“Devemos sempre lutar contra os assaltos e os ataques à ciência, independente de nossa ideologia partidária ou política”, disse Galvão, que agora volta a lecionar e pesquisar no Instituto de Física da USP. “Temos que nos manifestar, e com força. Não podemos baixar a guarda”.
Depois do Inpe divulgar dados referentes ao aumento do desmatamento nos últimos meses, Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passaram a atacar o Instituto e afirmar que seus dados eram falsos. Bolsonaro chegou até mesmo a dizer que Galvão, que presidia o Inpe, estava a serviço de uma ONG internacional.
Segundo a constatação do Inpe, o desmatamento em julho deste ano, na Amazônia, chegou a 2.254,8 km², ou seja, +278% que o desmatamento de julho de 2018 (596,6 km²).
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Quando os números deixaram claro o ritmo do desmatamento que está em curso, Galvão foi exonerado do cargo.
A conferência foi organizada pela Pró-reitoria de Pesquisa da USP e aconteceu na sexta-feira (16), na própria USP.
“As autoridades sempre se incomodam quando os dados não dizem aquilo que elas gostariam de ouvir. A ciência sempre sofreu pressão de poderosos e seus resultados incomodam bastante; e as vezes em que os cientistas recuaram, não foi bom para a humanidade”, afirmou Galvão.
O cientista questionou as afirmações do ministro do Meio Ambiente, de que dados em sua posse desmentiriam os números catastróficos apresentados pelo Inpe. Segundo Galvão, o instituto solicitou duas vezes, por ofício, acesso aos dados apresentados por Salles, para fazer uma checagem técnica, mas o pedido não foi atendido.
SISTEMA PLANET
Ele questionou o fato de o ministro já ter anunciado o interesse de contratar os serviços da empresa Planet, sem antes ter feito uma licitação. E disse que as imagens de altíssima resolução vendidas pela empresa são caras e permitem um detalhamento que é desnecessário para o monitoramento em tempo real da Amazônia, como é feito pelo Deter.
Um dos argumentos que Salles e Bolsonaro usavam quanto aos dados do Inpe, é de que a resolução dos equipamentos utilizados era baixa demais. “Imagine analisar a Amazônia inteira com uma resolução de dois metros. Para quê? Não preciso enxergar a porta para saber que uma casa está sendo derrubada”, respondeu Galvão.
“Eu falei: ‘Ministro, não se mede a distância Rio-SP com uma régua de 10 cm. A copa de uma árvore da Amazônia tem diâmetro de 15 m, 20 m. Para que eu preciso de uma resolução de 2 m para um alerta de desmatamento?”.
Para Ricardo Galvão, o ministro Salles está “caindo no canto da sereia dos vendedores”.
O pesquisador admitiu ter ficado “triste” por ter ouvido o ministro Ricardo Salles “dizer que todas as instituições científicas do Brasil estavam aparelhadas pelo extremismo de esquerda. Coragem, inclusive, de falar em público isso”.
Galvão perguntou: “Será que estamos de volta às trevas?”. Em seguida, respondeu que “não, porque a comunidade acadêmica e científica, e o povo brasileiro não se calarão”.
Veja a íntegra da palestra de Ricardo Galvão:
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