Terras raras e a rara oportunidade de um novo ciclo para MG, por Wadson Ribeiro

Wadson Ribeiro, dirigente do PCdoB de Minas Gerais (reprodução)

“A exploração de terras raras exige processos complexos de extração e beneficiamento. Temos a oportunidade histórica de construir uma cadeia produtiva completa, do minério ao produto final de alta tecnologia”, defende o autor

WADSON RIBEIRO (*)

Minas Gerais, terra de minérios e de uma história marcada pela exploração de riquezas, encontra-se hoje no epicentro de um novo “ciclo do ouro”. Não se trata, porém, do metal amarelo que moldou nossa colônia, mas de elementos ainda mais estratégicos para o século XXI: as terras raras e outros minerais críticos. Esses elementos e matérias-primas essenciais, como lítio, cobalto, níquel, grafita e nióbio, são a espinha dorsal da Quarta Revolução Industrial, da transição energética e da indústria de defesa. E o Brasil, especialmente Minas Gerais, possui uma fatia significativa desse tesouro global, com a segunda maior reserva de terras raras do mundo (23,8% do total) e 94% das reservas de nióbio.

A demanda por terras raras e minerais críticos cresce vertiginosamente: veículos elétricos, turbinas eólicas, painéis solares, smartphones, radares e satélites dependem desses insumos. No entanto, o controle de suas reservas e, sobretudo, de seu refino, está concentrado. A China domina mais de 90% do processamento mundial, transformando esse poder em arma geopolítica.

Estados Unidos e União Europeia, cientes de sua vulnerabilidade, correm para diversificar suas fontes e cadeias de suprimento. Nesse contexto, apenas nos últimos dois anos, o Sul de Minas atraiu investimentos bilionários — como R$ 1,35 bilhão da australiana Viridis Mineração e Minerais, em Poços de Caldas, e R$ 500 milhões da canadense Resouro Strategic Metals, em Tiros.

Mas essa “rara oportunidade” também acende um alerta para um possível déjà vu histórico que Minas não pode repetir. A lógica que se desenha é a de uma exploração com risco de reincidir em um modelo predatório: exportação de riqueza mineral bruta, com baixo beneficiamento e praticamente nenhuma agregação de valor. Nos últimos oito anos, o estado tem facilitado licenciamentos ambientais sem contrapartidas sociais, econômicas ou industriais consistentes, revelando preocupante permissividade diante de interesses externos.

O modelo exploratório em curso é denunciado por organizações não governamentais, sindicatos e movimentos sociais, que apontam a assimetria econômica e a vulnerabilidade dos municípios diante do poder corporativo. O cenário é ainda mais grave diante do maior escândalo de corrupção da história recente de Minas Gerais — a Operação Rejeito, da Polícia Federal — que investiga a compra de licenciamentos ambientais. É inadmissível que, após catástrofes como Mariana e Brumadinho, o estado continue a praticar um modelo de mineração que “entrega nosso ouro” sem garantir o retorno social, tecnológico e ambiental que a população merece.

Minas é rica em minerais estratégicos (reprodução)

Os movimentos alertam que, além da exploração predatória e dos riscos ambientais, um Memorando de Entendimento entre as empresas envolvidas prevê o fornecimento de terras raras mineiras para fins militares e industriais, incluindo mineradoras financiadas pelo Departamento de Defesa dos EUA. Esse vínculo direto com cadeias bélicas internacionais levanta sérias questões de soberania e segurança nacional.

A exploração de terras raras é intensiva em tecnologia, exigindo processos complexos de extração e beneficiamento. Temos a oportunidade histórica de construir uma cadeia produtiva completa, do minério ao produto final de alta tecnologia. Minas Gerais possui centros de P&D, capacidade de atrair investimentos e potencial para verticalizar essa produção, fabricando ímãs e componentes eletrônicos de alto valor agregado. Isso geraria empregos qualificados, reteria riqueza e nos colocaria no caminho da soberania tecnológica, indispensável ao nosso desenvolvimento.

Por isso, é imperativo que a política de terras raras seja formulada no Brasil, por brasileiros e para o benefício nacional. Nossa produção e processamento representam apenas 0,01% do total mundial. Iniciativas governamentais como a Chamada BNDES-Finep, embora mais alinhadas à verticalização, ainda têm escala insuficiente diante do enorme desafio. Outras, como o Fundo de Investimento em Participações BNDES-Vale e o edital do Ministério de Minas e Energia com o BID e financiamento da União Europeia, carregam riscos de captura por interesses privados e estrangeiros, ameaçando o interesse nacional e a soberania tecnológica.

Também é necessário rejeitar propostas legislativas como o PL 2.780/2024, que, em sua forma atual, se alinha mais aos interesses empresariais do que ao desenvolvimento do país, oferecendo benefícios tributários sem contrapartidas relevantes e com percentuais irrisórios para P&D. Em contrapartida, alternativas como o PL 3.659/2025 defendem controle público, limitam a participação estrangeira em atividades estratégicas, estimulam a industrialização interna e criam mecanismos robustos de financiamento para pesquisa e desenvolvimento.

Um estudo recente da Fundação Maurício Grabois (www.grabois.org.br) reforça essa estratégia soberana ao propor a criação de uma empresa estatal com monopólio sobre a cadeia produtiva; um novo regime jurídico que direcione a renda minerária para financiar P&D; o aumento do investimento em tecnologia nacional; e a construção de uma governança pública forte, além de um marco jurídico e ambiental que preserve comunidades e garanta conservação.

Minas Gerais, marcada por ciclos de riqueza e tragédias, está diante de uma encruzilhada histórica. A “rara oportunidade” das terras raras é um chamado à ação. Podemos repetir o modelo extrativista que exporta riqueza bruta e perpetua o subdesenvolvimento, ou podemos agir com inteligência, soberania e visão estratégica para transformar esses minerais em motores de uma industrialização moderna, justa e sustentável. As decisões que tomarmos agora definirão o futuro de Minas e do Brasil por muitas gerações.

(*) Presidente do PCdoB-MG e assessor da Finep. Foi presidente da UNE, deputado federal e secretário estadual de Desenvolvimento Regional

Publicado originalmente no jornal Concreto

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Respostas de 2

  1. Estava indo bem até por a militância em prática, nesse governo ladrão não dá pra estatizar nada! Precisamos sim legislar da melhor forma para benefio povo brasileiro e o Brasil, mas sem militância e esquerdista ditando o que fazer.

    1. Nos países periféricos, ou subdesenvolvidos, os recursos naturais são explorados pelo Estado ou são explorados pelas multinacionais, que os exportam para suas matrizes. Isso não depende do governo ser de esquerda ou de direita. É uma verdade no Brasil ou na Coreia do Sul.

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