No debate da Band, o candidato Guilherme Boulos afirmou que o candidato Jair Bolsonaro fora expulso do Exército.
Pelo jeito, Boulos resolveu conceder a Bolsonaro um atestado de honestidade. Porque a verdade é que Bolsonaro não foi expulso do Exército.
Nisso, quem faltou com a verdade foi Boulos. A afirmação, aliás, expôs o seu grau de responsabilidade – ou, melhor, de irresponsabilidade – capaz de repetir alguma besteira que circula pela Internet, mesmo em um debate entre candidatos a presidente. Porém, compreende-se: sua credencial para presidente é ser um sub-Lula…
Seria – e continua sendo – fácil verificar a situação de Bolsonaro no Exército, consultando, por exemplo, o dicionário biográfico do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).
Sucintamente:
Em outubro de 1987, a revista “Veja” (edição nº 999, de 27/10/1987) publicou um plano que o então capitão Jair Bolsonaro, na época cursando a Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), apresentara a uma de suas repórteres.
O plano, denominado “Operação Beco Sem Saída”, era “explodir bombas em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras (…) e em vários quartéis”, se o reajuste dos militares, naquele ano, ficasse abaixo de 60%.
“Serão apenas explosões pequenas, para assustar o ministro. Só o suficiente para o presidente José Sarney entender que o Leônidas não exerce nenhum controle sobre a tropa”, disse à repórter Cássia Maria, da “Veja”, a esposa do capitão Fábio Passos, apelidado de “Xerife”, parceiro de Bolsonaro no plano.
“Leônidas” era o general, e ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves.
O plano, resumiu a repórter, era, sobretudo, “explodir bombas de baixa potência em banheiros da Vila Militar”. Na reportagem, ela forneceu o endereço em que se encontrara com os então militares, e com a esposa de “Xerife”, transcrevendo as declarações de Bolsonaro contra o ministro do Exército:
‘‘‘Temos um ministro incompetente e até racista’, disse Bolsonaro a certa altura. (…) Perguntei, então, se eles pretendiam realizar alguma operação maior nos quartéis. ‘Só a explosão de algumas espoletas’, brincou Bolsonaro. Depois, sérios, confirmaram a operação que Lígia chamara de Beco sem Saída. ‘Falamos, falamos, e eles não resolvem nada’, disseram. ‘Agora o pessoal está pensando em explorar alguns pontos sensíveis.’”
Em seguida, “sem o menor constrangimento, Bolsonaro deu uma detalhada explicação sobre como construir uma bomba-relógio. O explosivo seria o trinitrotolueno, o TNT, a popular dinamite. O plano dos oficiais foi feito para que não houvesse vítimas. A intenção era demonstrar a insatisfação com os salários e criar problemas para o ministro (do Exército) Leônidas Pires Gonçalves. De acordo com Bolsonaro, se algum dia o ministro do Exército resolvesse articular um golpe militar, ‘ele é que acabaria golpeado por sua própria tropa, que se recusaria a obedecê-lo. Nosso Exército é uma vergonha nacional, e o ministro está se saindo como um segundo Pinochet’”.
Quando da publicação dessa reportagem (v. abaixo), o ministro do Exército, general Leônidas, declarou em Brasília: “Os dois oficiais envolvidos [Bolsonaro e o também capitão Fábio Passos], eu vou repetir isso, negaram peremptoriamente, da maneira mais veemente, por escrito, do próprio punho, qualquer veracidade daquela informação. Quando alguém desmente peremptoriamente e é um membro da minha instituição e assina embaixo, em quem eu vou acreditar? Nesses, que são os componentes da minha instituição – e eu sei quem é minha gente”.
No entanto, Bolsonaro havia desenhado, para a repórter da “Veja”, um croqui, com a adutora do Guandu, que abastece de água o Rio de Janeiro, e uma carga de dinamite com um detonador elétrico instalado em um relógio (v., também, abaixo).
Uma perícia concluiu que Bolsonaro era o autor do croqui.
Além disso, sua negativa de que conhecia a repórter foi desmentida por três testemunhas dos encontros.
O ministro do Exército, então, mudou de posição e Bolsonaro foi remetido a um “conselho de justificação”. Por unanimidade, os três coronéis que faziam parte desse conselho o consideraram culpado – e ele foi excluído da EsAO. Escreveram os coronéis:
“O Justificante [Bolsonaro] mentiu durante todo o processo, quando negou a autoria dos esboços publicados na revista VEJA, como comprovam os laudos periciais. Revelou comportamento aético e incompatível com o pundonor militar e o decoro da classe, ao passar à imprensa informações sobre sua instituição”.
O ministro enviou a conclusão do conselho para o Superior Tribunal Militar (STM), com o objetivo de expulsá-lo do Exército. Mas o STM, em junho de 1988, “acolheu a defesa dos militares, que ‘se consideravam vítimas de um processo viciado’, sustentando serem insuficientes as provas documentais — cujo laudo pericial fora feito pela Polícia do Exército — por não permitirem comparações caligráficas, uma vez que fora usada letra de imprensa. Esse laudo foi desmentido mais tarde pela Polícia Federal, que confirmou a caligrafia de Bolsonaro” (cf. CPDOC, verbete “Jair Bolsonaro”).
O laudo a que se refere a última frase – e que foi, depois, desmentido pela PF – é um segundo, de resultado inconclusivo.
Logo em seguida, Bolsonaro passou para a reserva.
O oportunismo é o pior remédio que pode existir contra o oportunismo. Aliás, não é remédio para coisa alguma.
Nisso, Boulos está mais próximo de Bolsonaro do que acredita estar.
C.L.