Os cortes nos gastos públicos e a política de austeridade deixaram o país “sem imunidade” para enfrentar a crise do coronavírus, concluiu um estudo inédito realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgado na quinta-feira (23).
O relatório avalia o impacto real e econômico das medidas do primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro a partir do Orçamento da União em 2019. E afirma que: “a opção política do atual governo federal de fragilizar o Estado, destruindo as suas estruturas e, consequentemente, subfinanciando-o, além de prendê-lo à armadilha do ajuste fiscal, leva a sua incompetência para dinamizar a economia e cumprir seu papel redistributivo e estabilizador”.
O estudo entitulado “O Brasil com baixa imunidade – Balanço do Orçamento-Geral da União 2019” mostra que o resultado da política de austeridade levada a cabo desde 2014, combinada à aprovação da Emenda Constitucional nº 95, que fixou um teto para o crescimento das despesas no país, resultou em um corte de 28,9% nas despesas discricionárias nas áreas sociais do país. Apenas no período entre 2018 e 2018, o corte nos gastos foi de 8,6%”.
“A pandemia apenas evidencia o que muitos estão apontando há anos: a escolha pela manutenção do Teto de Gastos e da austeridade fiscal tem como consequência direta a penalização dos mais vulneráveis da sociedade”.
Mais recursos para saúde
Para a área da saúde – em um momento em que atendimento e estruturas são fundamentais para preservar vidas – a execução do orçamento no ano passado se manteve a mesma do ano anterior. “Essa estagnação é bastante preocupante, dado o histórico de insuficiência de recursos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e as crescentes demandas de saúde. Mas já era esperada, devido à política de austeridade adotada pelo governo federal, em especial a EC 95/2016, que estabeleceu um teto de gastos e mudou a forma de correção do valor mínimo a ser aplicado (piso) em saúde”.
Os gastos em 2019 se assemelham aos patamares de 2014 – mas nos cinco anos que separam um ano e outro a população cresceu em 7 milhões de habitantes, limitando “a capacidade de uma resposta rápida e eficiente à pandemia da COVID-19, prejudicando principalmente as populações vulneráveis, que dependem exclusivamente do SUS”.
A partir de informações do Conselho Nacional de Saúde, o Inesc apurou que se em 2019 o governo tivesse aplicado a mesma porcentagem que utilizou em 2017 (15% da receita corrente liquida de cada ano), a saúde teria um orçamento em R$ 20,2 bilhões maior. “Com o orçamento congelado por 20 anos, o prejuízo ao SUS pode ultrapassar R$ 400 bilhões”.
Outro alerta do CNS usado no relatório do Inesc diz respeito à queda no valor anual gasto por cidadão. “O valor investido por pessoa, que chegou a R$ 595 em 2014, passou a ser de R$ 555, em 2020. Ao invés de se financiar adequadamente o SUS para atender as demandas cada vez mais crescentes, opta-se por encolher o orçamento”.
Ainda que a decretação do estado de calamidade tenha dado margem para que mais recursos sejam empenhados para enfrentamento à crise, O Inesc opina: “As ações do governo até agora, de maneira geral, foram tímidas em relação à injeção de dinheiro na economia”.
“Essa incompetência ficou ainda mais evidente com a crise advinda das consequências da pandemia do novo coronavírus que eclodiu em março de 2020, quando as respostas iniciais apresentadas pelo Executivo foram incipientes, muito aquém do que é preciso para dar conta de enfrentar a grave e longa depressão que temos pela frente”, diz o estudo.
Elevar os investimentos públicos
Outro dado que corrobora com o despreparo do país no enfrentamento da crise diz respeito aos investimentos públicos, que sofreram cortes significativos. A queda dos investimentos em 2019, em termos reais, foi de 11,8%, finalizando o ano com R$ 38 bilhões de gasto orçamentário. Segundo o Instituto, isso fragiliza a capacidade de reação da economia e do setor privado, além de ter impacto direto sobre o financiamentos de pesquisas e tecnologias que poderiam agora estar sendo usados à favor do país e da população.
“O Inesc defende a implementação tempestiva de um plano de contenção, promovido pelo Executivo e o Legislativo, com medidas de curto, médio e longo prazos, por intermédio de uma forte expansão fiscal, financiada pela dívida pública, entre outros mecanismos”.
“De imediato, recomenda-se a ampliação da Renda Básica de Cidadania Emergencial aprovada no final de março pelo Congresso Nacional, pois três meses não serão suficientes para tirar grande parte da população da miséria. Devem, ainda, ser revogada a Emenda Constitucional 95, o teto de gastos, e alterada a meta de resultado primário, de modo a disponibilizar os recursos necessários para o plano de contenção. Ademais, é preciso liberar recursos para o Ministério da Saúde na medida das necessidades impostas para a contenção da pandemia. Além disso, são imperativas medidas de concessão de crédito subsidiado para socorrer o setor privado, especialmente as médias e pequenas empresas, entre outras ações de proteção dos empregos e dos salários”.