Para o economista Lara Resende, “o gasto público é fundamental”. “O gasto de investimento do Estado tem de ter retorno em termos de produtividade, o que garantirá a convergência da relação dívida/PIB”, diz
O economista André Lara Resende, ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e um dos criadores do Plano Real, reforçou, em entrevista ao site NeoFeed, a crítica à ortodoxia fiscalista que atingiu a economia brasileira nas últimas décadas, com graves prejuízos ao desempenho econômico do país.
“Ao conversar com alguns dos economistas que estão com Lula, verifiquei que tinham, em comum com os do núcleo de política econômica do Cebri [Centro Brasileiro de Relações Internacionais], uma visão crítica da macroeconomia hegemônica. Essa crítica, sobretudo à ortodoxia fiscalista, não é original, tem raízes em Keynes, Shumpeter e Minsky, e foi retomada após a crise financeira de 2008 e a pandemia. Temos uma visão comum que facilita pensar em políticas alternativas para promover um novo ciclo de desenvolvimento neste início do século 21”, por exemplo, cita o economista, “uma política de investimentos que não se sujeita ao teto de gastos”.
“Ao NeoFeed, o economista afirma que é “conversa fiada” o perigo de o Brasil perder credibilidade e enfrentar uma ameaça do mercado de fuga de capitais.
“O Brasil tem uma taxa de juros de 13,25%; a taxa de inflação brasileira está pouco acima de 7%, ou seja, uma taxa real de juros em torno de 6%. É a mais alta do mundo. Os EUA têm uma inflação de 9% e uma taxa de juros de 4%, a taxa real é negativa. O Brasil continua sendo o mais atrativo mercado de arbitragem financeira – não de investimento – que é pura especulação de curto prazo. Se o Brasil baixasse sua taxa nominal de juros, o efeito seria nenhum, continuaria atrativo”, declarou.
“A ameaça de fuga de capitais especulativos é uma chantagem do mercado financeiro. A grande mídia acredita, porque hoje só ouve o mercado financeiro”, ressaltou.
Para o economista, “o gasto público é fundamental”. “O gasto de investimento do Estado tem de ter retorno em termos de produtividade, o que garantirá a convergência da relação dívida/PIB. Se o investimento tiver retorno superior ao custo da dívida pública, por definição, você vai ter convergência na relação entre PIB e dívida pública, mesmo que, num primeiro momento ela aumente, ao expandir o crédito para investimento na capacidade instalada da economia”.
“Se o investimento tiver retorno superior ao custo da dívida pública, por definição, você vai ter convergência na relação entre PIB e dívida pública, mesmo que, num primeiro momento ela aumente, ao expandir o crédito para investimento na capacidade instalada da economia”
Ao ser questionado sobre o “orçamento secreto”, Lara Resende afirma que é “gasto público populista, irresponsável, demagógico, patrimonialista, para beneficiar os que ocupam e controlam o Estado, ou beneficiar lobbies corporativistas de certos setores, é uma tragédia”.
“O orçamento secreto, nesse governo, é exemplo máximo disso: R$ 17 bilhões sem nenhuma transparência, decisão completamente na mão do relator do orçamento, que vai desde compras de apoio com pequenas obras até a corrupção direta. Difícil compreender que a mídia diga que Lula pede um cheque em branco e acha que o governo Bolsonaro não tem cheque em branco, não cobrem dele”, afirmou.
Para Resende,”o teto dos gastos é um equívoco, um limite linear que estrangulou o investimento público. É preciso revê-lo, no mínimo, tirar investimento do teto dos gastos. Mas definir um arcabouço jurídico e institucional de correta responsabilidade fiscal não é tarefa exclusiva do executivo, muito menos pode ser ditado por um candidato que ainda nem foi eleito. É uma negociação do Executivo com o Legislativo”.
“O teto dos gastos é um equívoco, um limite linear que estrangulou o investimento público. É preciso revê-lo, no mínimo, tirar investimento do teto dos gastos”
“O orçamento e os limites – que defendo – para o orçamento, as bases legais de sua aprovação e execução, são um dos elementos fundamentais da governança pública, do Estado. Não pode ser tratado como se fosse uma mera questão de equilíbrio orçamentário a todo custo e em qualquer circunstância. Analogia entre o estado e a família, que não pode gastar mais do que ganha, é atraente, mas falsa”, afirmou.
Para o economista, “é preciso garantir que a taxa real de juros não será superior à taxa de crescimento da economia. Quando o juro básico é fixado em 13% ao ano, sobre uma dívida pública de 80% do PIB, isso significa que até 10,4% do PIB ao ano será destinado ao serviço de dívida, para pagamento de juros. É gasto fiscal na veia, dinheiro público pago aos detentores de títulos, os agentes superavitários do Brasil. Uma política profundamente regressiva”.
“É preciso garantir que a taxa real de juros não será superior à taxa de crescimento da economia. Quando o juro básico é fixado em 13% ao ano, sobre uma dívida pública de 80% do PIB, isso significa que até 10,4% do PIB ao ano será destinado ao serviço de dívida, para pagamento de juros. É gasto fiscal na veia, dinheiro público pago aos detentores de títulos, os agentes superavitários do Brasil. Uma política profundamente regressiva”
Sobre o que fazer, o economista defende taxa de juros inferior aos crescimento da economia.
“Não estou propondo taxa de juros negativa, Brasil não é os EUA, não tem a moeda reserva mundial, mas garantir uma taxa de juros inferior ao crescimento da economia, como política de longo prazo, levaria a uma economia de 4% a 6% do PIB ao ano no serviço da dívida, que poderia ser usada para investimento. Abriria espaço para investir e acelerar o crescimento. O foco no superávit primário é um viés ideológico que privilegia o pagamento de juros sobre todos os demais gastos. É garantir que não será gasto mais do que se arrecada, desde que os juros estejam fora dessa conta”.
“O gasto público hoje é profundamente demagógico e não democrático. Sem transparência, sem credibilidade, corporativista e patrimonialista. O que o país deve fazer é gastar bem, essencialmente em investimento, com alta taxa de retorno. Isso não é fácil, até porque um programa bem-feito de investimento, inclusive na educação, toma tempo para ser estruturado. Hoje há três eixos: infraestrutura, reorganização ambiental e descarbonização e renovação competitiva na indústria. E o foco estará sempre na rede de proteção social; a ideia não é dar cheque, o que se deve fazer é um programa bem montado, de garantia de emprego, coordenada com reeducação profissional, num programa conjunto com o setor público”, argumentou.
Lara Resende defende o fortalecimento do Estado. “Acredito que a visão do neoliberalismo, de que o Estado é um mal que deve ser asfixiado e não tornado competente e sério, que a governança da vida pública é desimportante, tem mais culpa no cartório. A defesa de que o estado deve ser tocado por uma tecnocracia não eleita, como no caso de Bancos Centrais independentes, tira o poder de formulação de políticas dos políticos eleitos, que passam a legislar em causa própria, de forma patrimonialista e desvirtuam a democracia”.
Questionado sobre a continuidade de Bolsonaro, Lara Resende afirma: “é difícil ser uma pessoa educada e fazer defesa do bolsonarismo, hoje claramente uma ameaça não apenas para a economia, mas para a democracia”.