“Se tivesse dado certo, não teria sido necessário aprovar emendas que permitiram gastos de R$ 790 bilhões acima do teto entre 2020 e 2022”, disse Felipe Salto
O secretário de Planejamento do Governo de São Paulo, Felipe Salto, afirmou, nesta terça-feira (15), em entrevista ao site de notícias Metrópoles, que as discussões sobre as despesas emergenciais para o combate à fome no Brasil já nasceram mortas e estão superadas. Segundo ele, o crescimento das despesas é inevitável, “uma vez que ele foi defendido pelos dois candidatos que disputaram o segundo turno das eleições”.
AUXÍLIO DE R$ 600 É CONSENSO
“O teto de gastos não deu certo, precisamos ter isso claro. Se tivesse dado certo, não teria sido necessário aprovar emendas que permitiram gastos de R$ 790 bilhões acima do teto entre 2020 e 2022”, disse ele, na entrevista. Na contramão desta visão, o editorial do Globo desta terça-feira (15) defende reduzir os valores do programa de ajuda emergencial argumentando ser “quimera” a afirmação de economistas do novo governo de que é o crescimento que garante a estabilidade e o equilíbrio fiscal.
A opinião do editorial de O Globo reflete o posicionamento do setor financeiro, o único setor beneficiado com a atual política de arrocho fiscal e cortes de investimentos. O chamado “mercado” ficou nervoso com a fala de Lula – que defendeu o fim do teto de gastos – antes de embarcar para o Egito, porque a ideia fixa do setor rentista e sedentário da sociedade é reduzir investimentos e programas sociais para garantir a transferência de grande parte do orçamento para sua ciranda financeira.
Há um consenso entre todos os economistas sérios do país, entre os empresários produtivos e empreendedores de uma forma geral, e entre os trabalhadores, que o atual sistema fiscal adotado no Brasil e o seu teto de gastos são inviáveis. O teto restringe qualquer possibilidade de crescimento do país. O próprio secretário Felipe Salto busca, como mostram alguns trechos de sua entrevista no Metrópoles, uma alternativa para a atual política fiscal brasileira.
FIM DO TETO DE GASTOS
“O tamanho do que temos chamado de waiver não deveria ser motivo de agitação, porque qualquer um que seja o próximo ministro da Fazenda ou qualquer que seja a equipe econômica, vamos precisar de gastos além do teto e a dívida vai subir”, diz ele. “A taxa de juro real da economia está mais alta que no ano passado, então necessariamente o endividamento vai piorar. A questão é ter um modelo que incorpore essa trajetória de subida, mas que indique ao mercado qual é o horizonte de queda. Tendo uma regra fiscal civilizada, acho que as coisas se acalmariam”, argumenta.
Além de estar na contramão é, no mínimo, falta de argumento, a afirmação do O Globo de que o crescimento como caminho para a redução da relação dívida/PIB seria uma “quimera”. O segundo mandato de Lula derruba essa afirmação com números inquestionáveis. Os investimentos públicos, puxando os investimentos privados levaram ao crescimento econômico e fizeram a dívida cair de 67% do PIB para 37% do PIB. Não há como contestar esse resultado. Quimera mesmo é achar que o país vai se manter calado nesta camisa de força do teto de gastos que está travando o crescimento há tempos, provocando a fome e a miséria dos brasileiros.
O criador do Plano Real, o economista André Lara Resende, que hoje integra a equipe de transição do governo Lula também argumenta neste sentido. Não há como manter a atual política restritiva. “O Estado deve ser competente e responsável. O que está errado é definir responsabilidade fiscal simplesmente como equilíbrio orçamentário em qualquer circunstância e a qualquer custo”, afirmou Resende.
“Não existe um limite ao qual a economia se desorganiza. O que não pode é a relação dívida pública/PIB crescer permanentemente, em trajetória explosiva”, defende o economista. “O que é preciso é garantir que o crescimento do PIB, do denominador, acompanhe, no mínimo, a taxa de crescimento do numerador. Se a dívida cresce muito mais que o crescimento do país há alguma coisa errada”, prossegue o “pai do Real”.
GASTO PÚBLICO É FUNDAMENTAL
Para o economista, “o gasto público é fundamental”. “O gasto de investimento do Estado tem de ter retorno em termos de produtividade, o que garantirá a convergência da relação dívida/PIB. Se o investimento tiver retorno superior ao custo da dívida pública, por definição, você vai ter convergência na relação entre PIB e dívida pública, mesmo que, num primeiro momento ela aumente, ao expandir o crédito para investimento na capacidade instalada da economia”.
Resende também se somou ao que defende Lula quando afirmou que “o teto dos gastos é um equívoco, um limite linear que estrangulou o investimento público”. “É preciso revê-lo, no mínimo, tirar investimento do teto dos gastos”, defendeu. “Tem que excluir os investimentos de qualidade do teto de gastos. É uma camisa de força que estrangula os investimentos e agrava o problema de convergência da relação da dívida/PIB”, acrescentou Resende.
Assim também se pronunciaram lideranças políticas, como foi o caso da presidente do PCdoB, a vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos. “Queremos o estado do tamanho necessário para ser o indutor do nosso crescimento e do desenvolvimento, e restaurar os direitos da população. Essas coisas andam juntas. Não é possível ter prosperidade, geração de emprego e combate à fome, se não tivermos uma agenda de crescimento que passe pela reindustrialização do país”, disse ela. “Não pode haver no Brasil um teto fiscal que leve à fome”, destacou a vice-governadora.
Foi por isso que Lula tanto incomodou o setor parasitário da sociedade, ao apontar que não foi eleito para manter as coisas como estão. “Sabe qual é a regra de ouro nesse país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia”, afirmou. “Por que as pessoas são obrigadas a sofrer para garantir a responsabilidade fiscal deste país? Por que falam toda hora que é preciso cortar gastos, fazer superavit, cumprir teto de gastos?”, questionou o presidente eleito.