Um dos grandes nomes da poesia brasileira, o poeta, tradutor e ensaísta Thiago de Mello, morreu nesta sexta-feira (14), em Manaus, aos 95 anos. A causa da morte não foi divulgada, mas, segundo amigos amazonenses, “o poeta partiu como um passarinho”.
A perda do poeta que cantou em seus versos a liberdade, a crença em um futuro melhor para a humanidade, o amor e a verdade, que defendeu como ninguém a preservação da sua querida Amazônia, que se engajou na defesa de uma vida digna para o povo, nesse momento em que o Brasil vive, além da pandemia, em uma treva institucional, sendo governado por inimigos da vida, da ciência, da floresta Amazônica, do país e do povo, é algo emblemático.
A primeira estrofe de seu poema mais conhecido, “Os estatutos do homem”, que diz, “Fica decretado que agora vale a verdade./ agora vale a vida,/ e de mãos dadas,/ marcharemos todos pela vida verdadeira.”, soa como um alerta e um chamamento desse ser humano que não apenas se contentou em dar voz à poesia, mas lutou contra a ditadura, que o prendeu e exilou, e foi caro à defesa dos direitos humanos, da natureza e aos valores simples dos homens e das mulheres que povoam seus versos.
Thiago de Mello publicou 12 livros de poesia e oito de prosa, e tem livros traduzidos em mais de 30 idiomas. Após ser preso pela ditadura, exilou-se no Chile, onde fez amizade com Pablo Neruda e decidiram traduzir os poemas um do outro. Em língua espanhola, a tradução mais conhecida de “Os estatutos do homem” é de Pablo Neruda.
No exílio, morou ainda na Argentina, França, Portugal e Alemanha, até que com o fim da ditadura, voltou a Manaus, onde viveu até os dias de hoje.
Em 1975, ainda sob a ditadura, sua obra “Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida” rendeu-lhe uma premiação da Associação Paulista dos Críticos de Arte e tornou-o conhecido mundialmente como defensor dos Direitos Humanos.
Em nota, a editora Global lamentou a morte do poeta: “grande tradutor, ensaísta e um dos nomes mais influentes e respeitados da poesia brasileira, Mello ficou conhecido como um ícone da literatura regional e sua perda será sentida não apenas pela sua família e aqui na Global, mas em todo o país”.
“O autor, que nasceu em Barreirinha, Amazonas, em 30 de março de 1926, tem também a luta política, o lirismo, a natureza, as relações de família e os amores como facetas marcantes em sua obra”, prossegue a editora.
A presidente do PCdoB, Luciana Santos, também divulgou uma nota de pesar pela morte do poeta: “Thiago, como cidadão do Brasil e do mundo, foi um partidário corajoso das liberdades, da democracia. Enfrentou a ditadura militar, padeceu exílio. Propagava com ardor a construção de um novo mundo — uma sociedade solidária, liberta da fome, das guerras e das injustiças e de harmonia com a natureza”.
Na nota, a presidente do PCdoB conta que “Thiago de Mello, para nossa honra, era amigo afetuoso de nosso Partido, tendo enviado um vídeo ao 14º Congresso de nossa legenda na qual ele homenageou a militância comunista”.
No vídeo a que Luciana Santos se refere, antes de recitar “Madrugada Camponesa”, Thiago cita um dos versos do poema, “Faz escuro, mas eu canto/ porque a manhã vai chegar”, e afirma: “dedico esse verso a cada dirigente e a cada militante do PCdoB pelo muito, todos eles, que fizeram e vêm fazendo com amor e ciência, na construção de um caminho que conduza o Brasil e o povo ao encontro da alegria de viver”.
Para o escritor amazonense Tenório Telles, o compromisso de Thiago de Mello com a vida e a liberdade são valores que “dão à sua obra importância mundial”.
“Esse será o seu grande legado literário: uma poesia tecida com os fios da vida e da sua crença num futuro melhor para a humanidade”, diz.
Como afirma ainda a editora Global em sua nota sobre a perda do poeta, “é hora de celebrar seu legado e se apoiar no seu lirismo para manter sua memória viva”.
ANA LUCIA
MADRUGADA CAMPONESA
Thiago de Mello
Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.
Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.
Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.
Já é quase tempo de amor.
Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque a manhã vai chegar.
Muitos de nós falamos de Ecologia , Natureza , cantamos cançõezinhas mas Thiago de Mello vivia a Natureza e com a consciência de que a Natureza somos nós mesmos . Se o que constitui uma árvore , um Rio , uma Onça é a mesma composição molecular de elementos que constitui nossos corpos (ferro,zinco,oxigênio , hidrogênio , cobre, vitaminas, etc…) SOMOS A NATUREZA e o Poeta viveu isto …..não ficava apenas cantando musiquinhas como nós . Salve Poeta !