
O governo Maduro negou a versão divulgada em diversos órgãos de imprensa de que os tiros que tiraram a vida de dois indígenas e feriram outros 14 partiram de militares das Forcas Armadas. Segundo o presidente da Assembleia Constituinte, é um “falso positivo” (termo usado na região para operações de bandeira trocada) acrescentando que “está se demonstrando que o evento ocorrido em Kumarakapay não envolve a Guarda Nacional Bolivariana pelo tipo de cartuchos que se usaram ali”.
Na vizinha Colômbia, o termo “falso positivo” se tornou conhecido após o escândalo de paramilitares matarem civis, depois falsamente identificados como “guerrilheiros”.
Segundo a versão divulgada, confrontos entre forças policiais venezuelanas e indígenas que bloqueavam uma estrada causaram dois mortos a tiros e 14 feridos em Kumarakapay, a 70 km da fronteira com o Brasil, na véspera da operação da USAID para forçar a entrega do que chama de “ajuda humanitária” ao autoproclamado presidente Juan Gaidó. Sete feridos foram conduzidos em duas ambulâncias até o Brasil, e levados para hospitais em Pacaraima e Boa Vista.
Conforme os relatos colhidos pelas agências de notícias, 200 indígenas barraram a passagem de um comboio da Guarda Nacional por volta de 2 horas da madrugada do dia 22, que voltou com reforços quatro horas depois, disparando contra os integrantes do bloqueio. Kumarakapay, ou San Francisco de Yuruaní, fica no município de Gran Sabana, cujo prefeito é opositor a Maduro.
Uma das pessoas mortas foi identificada como Zoraida Rodríguez, da etnia pemon-taurepan; três dos feridos estão em estado grave. Dos atendidos no Brasil, dois já tiveram alta. Os militares venezuelanos que fechavam a fronteira em Santa Elena de Uairén, junto a Pacaraima, permitiram a passagem das ambulâncias.
Em declarações antes do início do show do lado venezuelano da fronteira, Cabello acusou bandos armados ligados ao deputado oposicionista Américo de Grazia e ao Partido Vontade Popular pelo confronto e pelos tiros, segundo ele, com objetivo de culpar as forças legalistas e abrir espaço para a intervenção externa. Ele convocou a manter a tranquilidade e evitar provocações.
Já oposicionista Grazia assevera não só que foram os policiais de Maduro que atiraram contra os indígenas, como atesta que um general da Guarda Nacional que supostamente teria comandado o ataque, José Miguel Montoya, estaria detido na aldeia dos índios, assim como “mais quatro militares”.
Detenção que também foi confirmada pelo prefeito de Gran Sabana, no estado de Bolívar, o oposicionista Emilio González, e por um indígena ouvido pelo G1 em Pacaraima.
Como é evidente que alguém está mentindo, é preciso esmiuçar o que exatamente ocorreu.
Conforme o G1, o ferido Marcel Perez relatou que “o exército venezuelano” usou munições de armas de fogo, e “não balas de borracha”, em contradição com a autoria da Guarda Nacional Bolivariana – mas exércitos não usam balas de borracha.
A mesma fonte registrou testemunho da mulher de um dos feridos, que contou que, por volta de 2 da madrugada, um comboio da Guarda Nacional queria passar pela região, mas foi impedido. “Vieram depois com mais força e fizeram disparos. Mais de 14 pessoas ficaram feridas, uma pessoa morreu”.
Assevera a Reuters que a violência irrompeu depois que “uma comunidade indígena deteve um comboio militar em direção à fronteira com o Brasil” e mais tarde “soldados entraram na aldeia e abriram fogo, matando um casal e ferindo vários outros”. “Eu me levantei para apoiar a ajuda humanitária” e eles vieram “nos atacando, atiraram em pessoas inocentes que estavam em suas casas, trabalhando”, relatou o líder comunitário Richard Fernandez.
Aqui, a ação não é mais dissolver bloqueio, mas uma invasão a tiros de uma aldeia.
A agência EFE descreve a chegada aproximadamente às 6 h (hora local) de “um grupo de militares em comboio e outros veículos militares, entre eles quatro ônibus com cerca de 60 pessoas, com tanques militares”, com o depoente afirmando que “já havíamos fechado a via pacificamente para impedir a entrada deles”.
De acordo com o El País, que cita Salomón Perez, irmão do ferido citado pelo G1, “chegou o Exército, a Guarda Nacional, para resguardar a fronteira. Os indígenas saíram à estrada para falar com o general e eles simplesmente começaram a disparar”.
O prefeito González afirmou que “negamos a presença dos militares no município de Gran Sabana”. “No meio desse debate, a situação esquentou. Longe de mediar, o exército começou a disparar”.
Após chamar Maduro de “assassino” e “governo foragido”, o prefeito acrescentou que as comunidades indígenas manterão bloqueadas a entrada e a saída do município e que “estamos de acordo” em que “a ajuda entre, não querem permitir”.
A Cruz Vermelha Internacional e a ONU se recusaram a participar da operação da USAID por considerarem que não atende aos princípios da ajuda humanitária reconhecidos internacionalmente. “A ajuda humanitária deve ser utilizada de maneira imparcial, livre de objetivos políticos ou militares”, afirmou Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.
As chancelarias da Rússia e da China repudiaram a tentativa de usar como pretexto a suposta ajuda humanitária para agravar o confronto na Venezuela, ao invés de incentivar o diálogo. Moscou tem advertido que Washington está apostando na eclosão de violência para empurrar outra “mudança de regime”.
A Rússia denunciou, ainda, que detectou o envio de tropas especiais dos EUA para as vizinhanças da Venezuela e operação de compra em larga escala de armamento junto a governos do leste europeu. Curiosamente, o enviado especial de Trump à Venezuela, Elliot Abrams, é conhecido, durante o escândalo do Irã-Contras, por ter usado supostos vôos de ajuda humanitária para entregar armas aos contras, como noticiou o New York Times em 1987.
A. P.