Um balão de ensaio para beneficiar Lula
Ministro desinibido solta ladrões e anula punição de senador de Cachoeira
O ministro Dias Toffoli, do STF, concedeu “prisão domiciliar” ao deputado Jorge Picciani – que chefiava o segundo maior esquema de propinas daquele Estado – porque quis tirá-lo da prisão. Apenas por isso. Não há outra razão. Essa decisão – apoiada pelo ministro Celso de Mello – nada teve a ver com o estado de saúde do propineiro fluminense.
Tanto isso é verdade que, como frisou o ministro Luís Edson Fachin, o laudo dos peritos sobre a saúde de Picciani não apontava nada que determinasse a necessidade imediata de sair da prisão.
Ele poderia, perfeitamente, como tantos, fazer seu tratamento na cadeia.
Talvez por isso, a argumentação de Toffoli – relator do caso – pareça tão hipócrita: “Aqui não está em jogo ele ser parlamentar, mas sim uma questão de saúde, tanto que não se pede liberdade, mas sim prisão domiciliar”.
Essa é uma declaração muito própria de um advogado de defesa. É até natural, para a defesa, apresentar “prisão domiciliar” como uma modalidade de prisão – e não de liberdade. Como se não sair de casa e ficar na cadeia fossem coisas apenas ligeiramente diferentes…
Realmente, o problema de Picciani nunca foi o de ser parlamentar, mas o de ser corrupto. No entanto, era exatamente a situação de saúde de Picciani que se discutia na segunda turma do STF, na quarta-feira. O fato é que Toffoli passou por cima do laudo elaborado, a seu próprio pedido, pelos peritos – e adotou o discurso dos advogados de Picciani.
No mesmo dia, Toffoli soltou o deputado Paulo Maluf, este por causa de uma hérnia de disco.
Também no mesmo dia, Toffoli proferiu uma decisão que deixa mais do que claro o sentido das suas outras decisões.
Dias Toffoli anulou – com uma liminar – a inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres.
Trata-se daquilo que se chamava, há não muito tempo, um estupro jurídico. Pois ele não anulou a cassação de Demóstenes. Mas anulou a consequência legal da cassação.
Demóstenes estava inelegível até o ano de 2027 apenas por uma razão: a lei determina que, por ter sido cassado pelo Senado devido a suas relações com o crime organizado, isto é, com o notório Carlos Cachoeira, ele não pode concorrer a qualquer cargo eletivo.
A proibição de se candidatar a qualquer cargo é, portanto, uma decorrência, determinada em lei, de sua cassação. Mas Toffoli – e através de uma liminar – anulou a proibição, mas não a cassação.
“Se a cassação não foi anulada, como e por que razão o efeitos da cassação foram afastados?”, comentou o procurador Júlio Marcelo de Oliveira. “Como ele pode ser elegível se foi cassado? Incoerência patológica. Será que virão por aí outras liminares fantásticas para limpar a ficha de condenados em segundo grau?”.
Nós diríamos que o único motivo porque Toffoli não anulou a cassação de Demóstenes foi por medo da reação social, isto é, popular.
O que significa que sua decisão nada tem a ver com o Direito – nem com a justiça.
Mas por que, então, ele anulou as consequências que a lei determina para quem tem o mandato cassado? Aqueles que apontaram que isso é um ensaio para rasgar a lei da ficha limpa, estão certos. Aliás, não é apenas um ensaio: com essa decisão, Toffoli desrespeitou, na essência, a lei da ficha limpa e mais as duas outras leis, anteriores a da ficha limpa, que, no caso de Demóstenes, determinam sua inelegibilidade.
Também é óbvio o que Toffoli – independente de suas outras motivações, que devem existir – quer com essa anulação prática da lei da ficha limpa e com a liberação de corruptos: a permissão para que condenados em segunda instância, a começar por Lula, fiquem soltos e possam concorrer às eleições, e, quem sabe, obter o foro privilegiado que lhes garanta a impunidade.
Se até Demóstenes pode, por que não Lula?
Com uma penada, Toffoli passou por cima de uma Resolução do Senado (a de nº 20/2012) e de duas leis, a Lei Complementar nº 64/1990 e a Lei Complementar n.º 81/1994, que determinam a inelegibilidade, para qualquer cargo, de senadores, deputados ou vereadores que forem cassados por conduta “incompatível com o decoro parlamentar” (Constituição, artigo 55, inciso II).
Esse é exatamente o caso de Demóstenes, cassado pelo Senado e expulso do DEM por receber R$ 3,1 milhões e outros vultosos “presentes” do gangster Carlos Cachoeira, chefe de um esquema de corrupção, cobrança de proteção e exploração de cassinos. Demóstenes atuava no Legislativo, Judiciário e Executivo em prol dos interesses de Cachoeira – e mentiu, no Senado, sobre suas atividades.
Até a geladeira e o fogão da casa de Demóstenes eram um “presente” de Cachoeira.
Esse é o mesmo Demóstenes que, há poucas semanas, apareceu em vídeo, dando um banho de champanhe francesa Veuve Clicquot (R$ 5 mil cada garrafa) em sua enteada. Certamente, deve ter sido com seu salário de procurador em Goiás que Demóstenes comprou essa champanhe…
Em 2012, o caso foi tão escandaloso que o PT – que chegou, no Senado, a se solidarizar com Demóstenes quando surgiram as primeiras denúncias – mudou de posição, passando a ser a favor da cassação do senador particular de Cachoeira.
Demóstenes era um amigo muito chegado ao ministro Gilmar Mendes, com quem realizou uma viagem por países europeus. Posteriormente (ou seja, depois que o escândalo estourou), Mendes esclareceu que suas relações com Demóstenes eram “de conhecimento e trabalho funcional” (v. HP 30/05/2012, Tour de Gilmar e Demóstenes pela Europa é mistério a ser explicado).
Em 2016, a segunda turma do STF (da qual Toffoli e Gilmar Mendes fazem parte) anulou algumas das principais provas contra Demóstenes – as interceptações telefônicas realizadas pela PF nas Operações Vegas e Monte Carlo.
O relator, no STF, que propôs a anulação das provas, aceitando pedido de Demóstenes, foi Dias Toffoli. O presidente da segunda turma do STF, na época, chamava-se Gilmar Mendes – que aliás, fez um discurso sobre o “abuso de autoridade” de que fora vítima um senador que recebia propinas do crime organizado, e o seu “direito à liberdade”.
O motivo da anulação é que Demóstenes, na época das gravações de suas conversas com Cachoeira, tinha direito a foro privilegiado, por ser senador.
No entanto, a investigação, como esclareceu a PF, não era sobre Demóstenes, mas sobre Cachoeira. O aparecimento de Demóstenes, na época promovido a campeão do combate à corrupção, foi uma surpresa para a PF – e para a maioria do Senado.
No entanto, segundo Toffoli e Mendes, o processo teria que ser enviado para o STF logo assim que apareceram “indícios do possível envolvimento de políticos de expressão nacional”.
Assim, o processo poderia repousar em lugar seco, sem muita luz, salubre e seguro. Senão, ele poderia se estragar, com essa mania que têm alguns de colocar ladrões do dinheiro público na cadeia.
CARLOS LOPES