Relatório final da PF detalha troca de mensagens, viagem e reuniões de ex-ministro da Justiça de Bolsonaro
A Polícia Federal (PF) desvendou mais uma patranha bolsonarista nas eleições de 2022. A força de segurança concluiu que o então ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Anderson Torres, determinou e mudou o planejamento do órgão, no segundo turno das eleições de 2022, para favorecer o então presidente, que era candidato à reeleição.
Em 474 páginas, os investigadores da PF detalham ordens, reuniões, viagem e mensagens de Torres à equipe, tanto no Ministério da Justiça, quanto na PRF (Polícia Rodoviária Federal) e PF, subordinadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O plano, sem êxito, era que em locais onde a incidência de eleitores de Lula (PT) era evidente, no primeiro turno, fossem criadas toda sorte de dificuldades para que eles não votassem no segundo turno.
DETERMINAÇÃO DO MINISTRO
“Embora tenha afirmado em suas declarações que ‘os planejamentos operacionais em questão eram apresentados com autonomia pelas instituições’, Anderson Gustavo Torres determinou, fixando prazo de 48 horas, para que sua equipe procedesse à alteração do planejamento elaborado pela Polícia Federal sem qualquer embasamento técnico ou fático que justificasse tais alterações”, concluiu a PF no documento enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Os planos operacionais, à época, no âmbito da PF, foram elaborados pelas Delinst (Delegacias de Defesa Institucional), que são especializadas em eleições.
No entanto, a PF aponta ordem de mudanças oriunda do MJ, sob Anderson Torres, que está em prisão domiciliar desde 11 de maio de 2023. Ele ficou preso por 4 meses, em razão de envolvimento com os ataques golpistas aos poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Torres no 8 de janeiro ocupava o cargo de secretário de Segurança Pública, no governo de Ibaneis Rocha (MDB). Detalhe: ele foi indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro. Ele tomou posse e viajou de férias. Foi se encontrar com Bolsonaro, em Miami (EUA).
Retornou ao Brasil em 14 de janeiro de 2023 e foi preso pela PF. Ficou encarcerado por 4 meses.
“A equipe Anderson Torres, no processo de alterar o planejamento da PF e impor sua vontade, sequer fez contato com tais delegacias para troca de informações”, escreveu a PF no relatório final.
ORDEM DO MINISTRO
A informação é corroborada pela então chefia da PF na Bahia, que destacou em depoimento como teria sido a ordem.
“Considerando a determinação da Coordenação das eleições e, inclusive, com contato direto partindo de servidores do MJ da época, partimos para alteração do planejamento, de forma urgente, para cumprir a determinação de encaminhamento em missão e engajamento de efetivo maior do que no primeiro turno.”
O chefe da PF-BA apontou também que “as ocorrências registradas no primeiro turno não justificavam o incremento”. Esse é o ponto argumentado por Torres desde quando começou a ser investigado. Sustentou que o efetivo maior seria para impedir compra de votos.
CORPORAÇÃO QUESTIONOU MINISTRO
A PF na Bahia, porém, ressaltou no processo, que “não seguiu sugestões apresentadas pelo MJ e só encaminhou equipes para cidades do interior cujas populações e relevância regional justificavam contar com uma equipe da polícia federal mais próxima fisicamente.”
O relatório final da PF sobre as blitze da PRF nas eleições também destaca que dias antes do segundo turno das eleições presidenciais, Anderson Torres convocou reunião com os chefes que detinham, segundo a PF, “os instrumentos para executar, na prática, a sua vontade, e afirmou qual era ela”.
Seriam eles: diretores da PF e PRF, diretores de inteligência da PF e PRF, diretores de operações e combate ao crime da PF e PRF e seus diretores de operações e inteligência do Ministério da Justiça.
VIAGEM A BAHIA
O documento ainda aponta a viagem de Torres à Bahia às vésperas das eleições e que teria levado o novo planejamento feito pela equipe.
“Consenso que após essa reunião o superintendente [da Bahia] recebeu uma planilha elaborada sob o comando de ANDERSON TORRES, alterando o planejamento originalmente feito pela equipe especializada local, votos e que essa alteração efetivamente foi realizada pela PF na Bahia em cumprimento à sua ordem”, está escrito.
A PF reforça, ainda, que as defesas de Marília Alencar [ex-diretora de inteligência] e de Leo Garrido de Salles Meira foram incisivas em afirmar que as atuações na alteração do planejamento da PF se deram por ordem de Anderson Torres.
MINISTRO QUERIA CRIMINALIZAR O PT
O ministro de Bolsonaro não queria apenas favorecê-lo nas urnas, impedindo que os eleitores de Lula votassem. Ele também queria criminalizar o PT, atesta a ex-diretora de inteligência do MJ.
“Marília também relata que havia expectativa, por parte do ministro, para que a Divisão de Inteligência elaborasse um relatório que indicasse a relação do Partido dos Trabalhadores com facções criminosas, o que não foi possível de se concretizar porque os dados não apontavam nesse sentido”.
INDICIADO
Anderson Torres foi indiciado em agosto do ano passado pela PF, neste inquérito, juntamente com Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, e mais 4 delegados da PF que trabalhavam no Ministério da Justiça.
Em dezembro passado, após o fim das diligências e novos depoimentos, este relatório final foi enviado ao Supremo.
Torres declarou, em depoimento, que não deu nenhuma ordem à equipe de fazer alterações no planejamento da Polícia Federal, “tampouco que apresentasse qualquer documento para a Polícia Federal”.
Torres é delegado da PF. Caso seja condenado, além de ser preso deverá ser exonerado do DPF (Departamento de Polícia Federal) “a bem do serviço público”.