Ministro do STF tomou a decisão após a defesa, em 2 e 4 de maio, reiterar o pedido de “revogação da prisão preventiva” do ex-ministro de Bolsonaro
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, concedeu na tarde desta quinta-feira (11) liberdade provisória ao ex-ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres.
O ministro tomou a decisão após a defesa, em 2 e 4 de maio, reiterar o pedido de “revogação da prisão preventiva” ou, “ao menos, substituí-la por uma das cautelares elencadas no art. 319 do CPP ou pela prisão domiciliar”.
Essa decisão, ainda que provisória, faz lembrar a famosa música de Jackson do Pandeiro: “Quem Não Chora Não Mama”. Para alguns, chorar na prisão, como se criança fosse, e dizer que está com depressão funciona. Só para alguns.
A prisão vai ser substituída, em razão da decisão de Moraes, por monitoramento eletrônico, com proibição de ausentar-se do Distrito Federal; proibição de manter contato com os demais investigados; e afastamento do cargo da PF (Polícia Federal). Torres é delegado federal.
Moraes é o relator do inquérito dos atos golpistas, que foi unificado com as investigações sobre as fake news.
ENTENDA O CASO
Torres está preso desde 14 de janeiro, em função das investigações sobre possíveis omissões de autoridades durante os atos golpistas ocorridos em Brasília, em 8 de janeiro.
Ele chefiava a Segurança Pública do DF, quando ocorreram as invasões e depredações nas sedes do Congresso, STF e Palácio do Planalto (governo).
O ex-ministro cumpre a prisão preventiva, no 4º Batalhão da Polícia Militar, no Guará 2 (DF), bairro que fica a cerca de 15 Km do centro da capital federal, desde que voltou ao Brasil.
Torres viajou aos Estados Unidos antes de os atentados contra o resultado das urnas, o que levantou suspeitas de conivência ou omissão.
M. V.
Leia a decisão de Alexandre de Moraes na íntegra:
Em decisão proferida em 20/4/2023, foi indeferido pedido de liberdade de provisória de ANDERSON GUSTAVO TORRES, e mantida a prisão preventiva do custodiado. Na ocasião, ressaltei que “nesse momento da investigação criminal, a razoabilidade e proporcionalidade continuam justificando a necessidade e adequação da manutenção da prisão preventiva de ANDERSON GUSTAVO TORRES, referendada pelo Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e já reanalisada e mantida por este Relator em 03/03/2023”.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer apresentando em anterior pedido de revogação da prisão preventiva, entendeu “adequada a substituição da prisão preventiva pelas seguintes medidas cautelares previstas no artigo 319, III, IV, VI e IX, do Código de Processo Penal:(1) monitoração eletrônica, com proibição de ausentar-se do Distrito Federal;(2) proibição de manter contato com os demais investigados; e(3) afastamento do cargo de Delegado de Polícia Federal (eDoc.695)”.
Em 02 e 04 de maio do presente ano, a defesa de ANDERSON GUSTAVO TORRES reiterou o pedido de “revogação da prisão preventiva” ou, “ano menos, substituí-la por uma das cautelares elencadas no art. 319 do CPP ou pela prisão domiciliar”.
É o breve relato. DECIDO.
Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
O essencial em relação às liberdades individuais, em especial a liberdade de ir e vir, não é somente sua proclamação formal nos textos constitucionais ou nas declarações de direitos, mas a absoluta necessidade de sua pronta e eficaz consagração no mundo real, de maneira prática e eficiente, a partir de uma justa e razoável compatibilização com os demais direitos fundamentais da sociedade, de maneira a permitir a efetividade da Justiça Penal.
MAURICE HAURIOU ensinou a importância de compatibilização entre a Justiça Penal e o direito de liberdade, ressaltando a consagração do direito à segurança, ao salientar que, em todas as declarações de direitos e em todas as Constituições revolucionárias, figura a segurança na primeira fila dos direitos fundamentais, inclusive apontando que os publicistas ingleses colocaram em primeiro plano a preocupação com a segurança, pois, conclui o Catedrático da Faculdade de Direito de Toulouse, que, por meio do direito de segurança, se pretende garantir a liberdade individual contra o arbítrio da justiça penal, ou seja, contra as jurisdições excepcionais, contra as penas arbitrárias, contra as detenções e prisões preventivas, contra as arbitrariedades do processo criminal (Derecho Público y constitucional. 2. ed. Madri: Instituto editorial Réus, 1927. p. 135-136).
Essa necessária compatibilização admite a relativização da liberdade de ir e vir em hipóteses excepcionais e razoavelmente previstas nos textos normativos, pois a consagração do Estado de Direito não admite a existência de restrições abusivas ou arbitrárias à liberdade de locomoção, como historicamente salientado pelo grande magistrado inglês COKE, em seus comentários à CARTA MAGNA, de 1642, por ordem da Câmara dos Comuns, nos estratos do Segundo Instituto, ao afirmar: que nenhum homem seja detido ou preso senão pela lei da terra, isto é, pela lei comum, lei estatutária ou costume da Inglaterra (capítulo 29). Com a consagração das ideias libertárias francesas do século XVIII, como lembrado pelo ilustre professor russo de nascimento e francês por opção, MIRKINE GUETZÉVITCH, essas limitações se tornaram exclusivamente trabalho das Câmaras legislativas, para se evitar o abuso da força estatal (As novas tendências do direito constitucional. Companhia Editora Nacional, 1933. p. 77 e ss.).
No presente momento da investigação criminal, as razões para a manutenção da medida cautelar extrema em relação a ANDERSON GUSTAVO TORRES cessaram, pois a necessária compatibilização entre a Justiça Penal e o direito de liberdade demonstra que a eficácia da prisão preventiva já alcançou sua finalidade, com a efetiva realização de novas diligências policiais, que encontravam-se pendentes em 20/4/2023.
Como destacado pela Procuradoria-Geral da República, em parecer apresentando em anterior pedido de revogação da prisão preventiva, “a prisão preventiva submete-se à cláusula rebus sic stantibus, de modo que a custódia deve ser revogada quando alterado o quadro fático, probatório ou processual que justificou a sua decretação, conforme regra do artigo 316 do Código de Processo Penal”.
No atual momento, portanto, a manutenção da prisão não mais se revela adequada e proporcional, podendo ser eficazmente substituída por medidas alternativas, nos termos dos artigos 319 e 382 do Código de Processo Penal (HC 115.786, Rel. Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma, DJe de 20/8/2013; HC 175.775/PR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 24/9/2019; HC 123.226, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 1ª Turma, unânime, DJe de 17/11/2014; HC 130.773, Rel. Min. ROSA WEBER, 1ª Turma, DJe de 23/11/2015; HC 136.397, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, 2ª Turma, DJe de 13/2/2017).
Diante do exposto, CONCEDO A LIBERDADE PROVISÓRIA a ANDERSON GUSTAVO TORRES, mediante a IMPOSIÇÃO CUMULATIVA DAS MEDIDAS CAUTELARES seguintes:
(i) Proibição de ausentar-se do Distrito Federal e recolhimento domiciliar no período noturno e nos finais de semana, mediante USO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA, a ser instalada pela Polícia Federal em Brasília/DF, nos termos do inciso IX do art. 319 do Código de Processo Penal, com zona de inclusão restrita ao endereço fixo indicado na audiência de custódia;
(ii) AFASTAMENTO IMEDIATO do cargo de Delegado de Polícia Federal, até posterior deliberação desta SUPREMA CORTE, mediante envio imediato desta decisão do DiretorGeral da Polícia Federal, NOS TERMOS DO INCISO VI DO ART. 319 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL;
(iii) Obrigação de apresentar-se perante ao Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, no prazo de 24 horas e comparecimento semanal, todas as segundas-feiras;
(iv) Proibição de ausentar-se do país, com obrigação de realizar a entrega de seus passaportes no Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, no prazo de 24 horas;
(v) CANCELAMENTO de todos os passaportes emitidos pela República Federativa do Brasil em nome do investigado, tornando-os sem efeito; (vi) SUSPENSÃO IMEDIATA de quaisquer documentos de porte de arma de fogo em nome do investigado, inclusive a arma funcional, bem como de quaisquer Certificados de Registro para realizar atividades de colecionamento de armas de fogo, tiro desportivo e caça;
(vii) Proibição de utilização de redes sociais;
(viii) Proibição de comunicar-se com os demais envolvidos, por qualquer meio.
O descumprimento de qualquer uma das medidas alternativas implicará na revogação e decretação da prisão, nos termos do art. 312, § 1º, do Código de Processo Penal.
A presente decisão servirá de alvará de soltura clausulado em favor de ANDERSON GUSTAVO TORRES.
Servirá também de ofício de apresentação ao Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, no prazo de 24 horas.
Encaminhe-se cópia desta decisão:
a) ao Diretor-Geral da Polícia Federal e ao Ministério das Relações Exteriores para cumprimento dos itens (ii), (v) e (v), INCLUSIVE PARA ADOÇÃO DE TODAS AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA OBSTAR A EMISSÃO DE QUAISQUER OUTROS PASSAPORTES EM NOME DO INVESTIGADO;
b) ao GENERAL COMANDANTE DO EXÉRCITO para cumprimento do item (vi) referente ao certificado de registro para atividades de colecionamento de armas de fogo, tiro desportivo e caça.
O não comparecimento semanal determinado no item (iii) desta decisão deverá ser imediatamente informado pelo Juízo da Execução da Comarca, via malote digital, nestes autos.
Encaminhe-se cópia desta decisão pelo malote digital ao Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, para conhecimento e acompanhamento. Intime-se a defesa constituída por ANDERSON GUSTAVO TORRES.
Ciência à Procuradoria-Geral da República.
Brasília, 11 de maio de 2023.
Ministro Alexandre de Moraes
Relator