O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) recebeu, na quarta-feira (14), a denúncia contra o torturador e estuprador Antônio Waneir Pinheiro de Lima, o “Camarão”, que serviu de lacaio da ditadura e destilou seu ódio aos brasileiros que não se dobraram ao regime fascistoide da época.
Ele é acusado de sequestrar, estuprar e torturar Inês Etienne Romeu, na “Casa da Morte”, uma célula do terror usada para abater covardemente os militantes anti-ditadura. A central de torturas era localizada em Petrópolis, Região Serrana do Rio. Segundo o Ministério Público, ao menos 18 pessoas foram assassinadas ali e seus corpos seguem desaparecidos. Inês foi a única sobrevivente da casa do terror.
Os magistrados consideraram, por maioria, que os crimes praticados são de lesa-humanidade e, por isso, deve-se aplicar a Convenção Americana dos Direitos Humanos – que não permite a prescrição, nem a anistia dos crimes.
É a primeira vez que a segunda instância da Justiça brasileira entende que a tortura praticada durante a ditadura não é protegida pela Lei da Anistia. Segundo o MP, este é também o primeiro processo criminal de estupro aberto contra membros da repressão.
Etienne nasceu em 1942 em Pouso Alegre, Minas Gerais, era militante da Vanguarda Popular Revolucionaria (VPR). Ela estudou História e trabalhou como bancária no Banco de Minas Gerais. Era ativista do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte.
Inês foi presa no dia 5 de maio de 1971, em São Paulo, pela equipe de Sérgio Paranhos Fleury, e levada para a “Casa da Morte”, onde foi torturada por 96 dias. Só conseguiu escapar por fingir aceitar ser uma infiltrada. Em 1981, Inês denunciou a casa do terror e contribuiu com a Comissão da Verdade.
Logo após sua prisão, ela foi levada para o DEOPS. Ali, foi espancada e pendurada no pau-de-arara. Para escapar das torturas, inventou a seus captores que tinha um encontro com um guerrilheiro em determinado local do bairro de Cascadura, no Rio de Janeiro. Transportada ao Rio de automóvel, ao chegar ao local tentou suicidar-se jogando-se na frente de um ônibus. Foi arrastada pelo ônibus mas não morreu. Depois disso, ela foi levada para a casa da morte.
As anotações que ela fez ao sair da casa da morte também ajudaram a identificar nove prisioneiros assassinados no local. Inês fez um registro detalhado e apresentou os relatos à Ordem dos Advogados do Brasil em 1979.
Identificou um médico que ajudava os torturadores, Amílcar Lobo, e o proprietário da casa: “Visitava o lugar e mantinha relações cordiais com seus ocupantes. É estrangeiro, provavelmente alemão. Tem um cão dinamarquês cujo nome é Kill. Embora não participe pessoalmente das atividades e atrocidades cometidas ali, tem pleno conhecimento delas”, disse.
A denúncia foi feita à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 1979, quando relatou os abusos sofridos. “Durante este período fui estuprada duas vezes por Camarão e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”, disse Inês. Ela faleceu aos 72 anos, em abril de 2015, por insuficiência respiratória.
Ao arquivar a denúncia de Inês contra o estuprador em março de 2017, na primeira instância, o juiz Alcir Luiz Lopes Neto justificou que, independente da quantidade de reportagens e entrevistas que foram apresentadas, estas “não se caracterizam como documentos que possam servir como prova de fatos no juízo penal”.
A decisão da primeira instância chegou a mencionar Olavo de Carvalho, atual guru de Bolsonaro, para argumentar que a proteção ao estupro sofrido por presos políticos durante o regime militar seria uma espécie de “vantagem a minorias selecionadas”.
“Como escreveu Olavo de Carvalho, ninguém é contra os ‘direitos humanos’, desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas”, registrou o magistrado.
Vocês não concordam que essa decisão da primeira instância não se enquadraria como abuso de autoridade?
Uma sentença errada – porque politicamente motivada, e politicamente reacionaríssima. Talvez seja ou possa ser abuso de autoridade. Mas qual a importância disso, leitor? Pois, não é a mesma coisa que condenar o Cunha, o Cabral ou o Lula. Não é?