Com uma abstenção de mais de 53% dos eleitores, o ex-presidente Sebastián Piñera saiu na dianteira no primeiro turno das eleições chilenas realizadas domingo, 19, com 36,6% dos votos. Diante do desencanto e indignação que a inépcia do governo de Michelle Bachelet provoca na população, Piñera, ainda que manchado por denúncias de operações financeiras duvidosas, venceu o primeiro turno ao apresentar um programa que defende a continuidade do modelo econômico neoliberal implantado pela ditadura de Augusto Pinochet, no qual o governo atual introduziu algumas correções, a maioria cosméticas.
As promessas de mudanças com as quais Michelle Bachelet ganhou as eleições (reformas educativa, constitucional, trabalhista, tributária) não saíram do lugar ou ficaram pelo meio do caminho, e foram escanteadas sem considerar as exigências dos eleitores, abrindo espaço para o candidato abertamente neoliberal.
À frente da coalizão Chile Vamos, Piñera enfrentará no segundo turno Alejandro Guillier, senador independente eleito pelo Partido Radical Social-Democrata (PRSD) que se candidatou pela coligação Força da Maioria, frente formada por setores da aliança que governa o Chile com a presidente Bachelet e que inclui ainda partidos como o Socialista e o Comunista.
O senador teve 22,6% dos votos e deverá estender pontes aos outros candidatos progressistas e de esquerda que participaram do primeiro turno, com vistas à disputa do segundo turno em 17 de dezembro próximo. “Somos mais e, por tanto, ganharemos em dezembro”, manifestou o candidato apoiado pelo atual governo.
O resultado, apesar da falsidade das pesquisas de opinião, que ficaram longe dos resultados reais (Piñera teria 43% segundo essas previsões), era esperado. A surpresa foi a jornalista Beatriz Sánchez, representante da recém-formada Frente Ampla, movimento de esquerda combativa que questiona a política do governo Bachelet, que recebeu 20,3% dos votos em lugar dos 11% que lhe atribuíam as pesquisas. Sua candidatura aglutinou, entre outros, importantes líderes das manifestações estudantis que questionaram a hipocrisia do governo atual que, apesar do discurso de defesa da educação pública, manteve o caráter privado das escolas e universidades.
Beatriz Sánchez defende maior papel do Estado na educação e na saúde e a supressão das Administradoras de Fundos e Pensões para a instituição de um sistema estatal de aposentadorias. O sistema privado de pensões foi criado durante a ditadura (1973-1990) com a promessa de que seriam pagas aposentadorias equivalentes a 70% ou mais dos salários que os trabalhadores ganhavam quando na ativa, algo que nunca se cumpriu. Essa malha de arapucas obriga os trabalhadores a entregar 10 % de seus salários a Administradoras de Fundos de Pensões, que investem esse dinheiro suado no mercado financeiro. Porém, transcorridas mais de três décadas da promessa, a aposentadoria média é menor que o salário mínimo (quase 400 dólares) e as mudanças feitas pelo atual governo não tocaram no caráter privado e especulativo do setor.
“O Chile quer uma mudança para valer, e o expressou hoje, quase um milhão 200 mil pessoas votaram pela mudança”, assegurou Beatriz, criticando duramente as empresas de pesquisas que lhe atribuíram um resultado falso. Sem declarar qual será a sua posição no segundo turno, Sánchez denunciou que a campanha “foi extremamente desigual em dinheiro” porque “um dos candidatos gastou 10 vezes mais que nós”, e “nós temos dois prefeitos, poucos vereadores e três parlamentares, e assim a fizemos”. “Sim podemos, estamos mudando o mapa político do Chile. A mudança vem para ficar“, concluiu.
Guillier espera receber o apoio da demo-cristã Carolina Goic (5,9%), que encabeçou a Convergência Democrática, a outra coalizão pró-governamental é a de Marcos Enríquez-Ominami do Partido Progressista (5,71%). Já Piñera receberá o apoio do reconhecidamente pinochetista, José Antonio Kast, que recebeu 7,85% dos votos.