Juíza federal Gabriela Hardt volta a assumir a responsabilidade pelos processos da 13ª Vara Federal em Curitiba
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) afastou de maneira cautelar o juiz Eduardo Appio, 13ª Vara Federal em Curitiba, responsável pelos processos da Operação Lava Jato, por acessar e usar ilegalmente dados do sistema para intimidar um desembargador.
O afastamento foi determinado na segunda-feira (22), mas é provisório. Appio deverá apresentar sua defesa dentro de 15 dias.
Segundo o TRF-4, Appio se passou por um funcionário da área de saúde do Tribunal para ligar para João Malucelli, filho do desembargador Marcelo Malucelli, para intimidá-lo.
Marcelo Malucelli foi afastado da Lava Jato após se declarar suspeito, uma vez que seu filho, João, é sócio de Sérgio Moro, ex-juiz e atual senador.
Na decisão, o TRF-4 apontou que Appio ligou para João Malucelli no dia 13 de abril de 2023 e se apresentou como Fernando Gonçalves Pinheiro, um suposto servidor da saúde do Tribunal.
Em um momento da ligação, quando João questionou se ele tinha “certeza que esse é o nome do senhor”, o interlocutor, supostamente Eduardo Appio, falou: “E o senhor tem certeza que não tem aprontado nada?”
O número usado para a chamada estava com um bloqueador de identificação.
De acordo com a Polícia Federal, a voz de quem ligou para João “se assemelha” à de Appio.
Outro dado que corroborou para a suspensão é o fato de que no horário próximo ao qual a ligação foi feita, Eduardo Appio acessou um processo judicial que tinha os dados de João Malucelli.
A ligação ocorreu no dia seguinte ao que Appio recebeu a informação de que haveriam correições parciais contra decisões dele em um caso em que o relator era Marcelo Malucelli, pai de João.
O celular, notebook e desktop de trabalho de Appio foram apreendidos e enviados para a perícia.
O relatório da decisão do TRF-4 diz que, em tese, o juiz pode ter cometido as seguintes infrações:
(a) consultar dados de sistema restrito a que tem acesso (consulta de dados de advogados no eproc) para intimar, constranger ou ameaçar desembargador federal, fazendo uso de acesso privilegiado aos sistemas da Justiça Federal da 4ª Região para fins alheios aos interesses estritamente institucionais, na atividade-fim, que lhe é atribuída;
(b) efetuar ligação por meio de telefone sem identificador de chamada, não se identificando corretamente;
(c) passar-se por terceira pessoa (servidor da área de saúde do TRF4, pessoa que não existe);
(d) realizar ligação para filho de desembargador federal que figurou como relator em correições parciais que o magistrado sofreu, logo após ter sido comunicado das decisões desfavoráveis proferidas pela turma julgadora do TRF4 e, nesse contexto, tecer afirmações relacionadas a supostas consulta à base de dados da Receita Federal em nome do desembargador-relator, com menção a valores a devolver e a despesas médicas, como se detivesse informações de cunho relevante, capazes de causar algum tipo de intimidação, constrangimento ou ameaça ao desembargador-relator, ou a seu filho.
Leia a transcrição da conversa:
- Voz 1: Fernando Gonçalves Pinheiro, o senhor pode pode ligar novamente pra cá, não não há problema nenhum, eu só preciso eh… que o senhor passe eh… o telefone ou passe o contato pro pro doutor Marcelo Malucelli em relação aos extratos aqui do imposto de renda referente aos filhos, é uma coisa do passado, é um resíduo do passado, que ele tem um crédito que pode abater no imposto de renda, pode computar em favor.
- João Malucelli: ‘Hum’ entendi, mas olha me me desculp…
- Voz 1: (Incompreensível)
- João Malucelli: Me desculpe, o senhor tá ligando sem ID do chamador, eu ‘num’ ‘num’ não faço ideia quem quem seja.
- Voz 1: ‘Ah’ mas o s… o senhor, tudo bem. Mas consta o senhor aqui como sendo um dos filhos e consta aqui o seu número. Então nós estamos ligando pra isso.
- João Malucelli: ‘Hum’ mas assim, eu não eh… essa história tá bem estranha, viu? Me desculpe, com todo respeito, mas eh… se o Marcelo…
- Voz 1: Como é que eu teria o seu telefone aqui eh… é uma questão só de imposto de renda. Ah se o senhor quiser eu ligo diretamente pro seu pai, não tem problema ligo (incompreensível)…
- João Malucelli: (Incompreensível)
- Voz 1: Não há problema nenhum.
- João Malucelli: Então, então acho melhor o senhor fazer isso, né?
- Voz 1: Então eu faço isso, ligo diretamente pro seu pai e faço isso, eu só não queria incomodar, que aqui consta o seu número, seu nome, seu CPF e e a questão de resíduos do passado de despesas médicas, a ideia era não incomodar. Mas se o senhor prefere assim, liga… nós ‘tamo’ só utilizando aqui um sistema aqui via Skype pra economizar valores da Justiça Federal. Não não há não há… se não aparece é só por isso. Mas eu ligo pra ele diretamente, não há problema nenhum.
- João Malucelli: É, sim, é que o senhor ligou e falou…
- Voz 1: (Incompreensível)
- João Malucelli: O senhor ligou e falou, eu gostaria de falar com o Marcelo Malucelli, agora o senhor tá falando que aparece aí que eu sou filho. Então assim, fica fica meio ambíguo, né? Até ah…
- Voz 1: É ah… o contato que eu tenho do do do doutor Marcelo Malucelli deve ser um contato antigo, aparece o seu telefone, então por isso que eu li… nós estamos ligando…
- João Malucelli: Não, esse número nunca foi do Marcelo Malucelli, senhor, me me perdoa. E também, assim, eh… eu eu faz muito tempo já que eu não também não não tenho qualquer tipo de cooperação de convênio junto a justiça federal por conta eh… de dependência de servidor. Eu já sou maior de idade faz tempo e ‘num’ não tenho convênio algum.
- Voz 1: Não, sim, sim, mas aqui… sim, sim, isso aqui é uma data antiga, eh… o senhor tem vinte e oito anos de idade, isso aqui deve ter feito de coisa de mais de dez anos atrás, com certeza, dez, quinze anos atrás. Pelo menos aqui as datas que se refere aqui, dois mil um, dois mil e dois, isso é coisa antiga.
- João Malucelli: Ah, então tá bom. Então o senhor entra em contato com ele, beleza?
- Voz 1: Mas se o senhor prefere eu ligo pro seu pai diretamente, eu só não gostaria de incomodá-lo, só isso.
- João Malucelli: Tá bom, claro. Pode ligar então. Faça o que o que for melhor.
- Voz 1: Então eu ligarei, digo que eu falei com o senhor, digo que falei com o senhor e que o senhor me autorizou a ligar pra ele, incomodá-lo no próprio tribunal.
- João Malucelli: Ah pode pode falar. Incomodá-lo!Qual é o nome do senhor mesmo? Fernando Pinheiro Gonçalves, né?
- Voz 1:Isso.
- João Malucelli: Ah, tá.
- Voz 1: Pode pode chamar aqui no setor de saúde que nós estamos aqui.
- João Malucelli: Setor de saúde.
- Voz 1: (Incompreensível)
- João Malucelli: Setor de saúde, Fernando Pinheiro Gonçalves. Tem certeza que esse é o nome do senhor?
- Voz 1: Tenho certeza absoluta
- João Malucelli: Então tá bom.
- Voz 1: E o senhor tem certeza que que não não tem aprontado nada?
- João Malucelli: Ah agora tá, tá certinho. Aprontado?
- Voz 3: Meu Deus! Li…
GABRIELA
Com o afastamento de Apio, a juíza federal Gabriela Hardt voltou a assumir a responsabilidade pelos processos da 13ª Vara Federal em Curitiba.
Através da assessoria, a Justiça Federal do Paraná informou que Gabriela Hardt é a “substituta automática” para a 13ª Vara, assumindo provisoriamente, por exemplo, quando o titular entra em férias.
A juíza foi quem substituiu Sergio Moro em 2018 após o pedido de exoneração do então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Boa tarde.
A manchete desta matéria toma partido sobre um fato duvidoso, que se trataria de intimidação a ligação supostamente feita pelo Juiz Appio para o filho de um desembargador do TRF4. Se no teor da matéria se usa o termo “suposto” e de que se trata de investigação em andamento, como se pode definir na manchete que houve intimidação por parte do juiz?
O título desta matéria descreve um fato. O juiz foi afastado pelo TRF-4 por tentar intimidar um desembargador. O fato de existirem investigações em curso não apaga o fato de que foi por esse motivo que ele foi afastado. Você tem uma posição diferente, e, compreensivelmente, queria que nós também tivéssemos uma posição favorável ao juiz no título da matéria. Infelizmente, isso não é jornalismo. Portanto, não é possível.
Não é um fato que ele teria “tentado intimidar um desembargador”. O fato é que Appio ligou para o filho do desembargador. Que ele “teria tentado intimidar”, é uma narrativa. E de narrativas se fazem alguns jornalismos. Compreensível, para estes, a impossibilidade.
Interessante você admitir que ele ligou para o filho do desembargador. Pois nem o Appio nem o advogado dele até agora admitiram isso. Mas, se você admitiu é porque sabe que ele tentou intimidar o desembargador. Para que ele ligaria para o filho do desembargador? Além disso, existe a gravação. O que é aquilo, senão uma tentativa de intimidação? Não é uma narrativa, nem nós noticiamos narrativas. É a verdade. Disso, não adianta você fugir.