
Escritório de Direitos Humanos da Arquidiocese da Guatemala e a Associação para a Justiça e Reconciliação repudiaram a armação da Corte de Constiticionalidade em prol do ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Juízes nomearam outro Tribunal de Alto Risco para ganhar tempo e livrar general acusado de crimes de lesa-humanidade da prisão. “Justiça protege criminosos e atenta contra direito das vítimas”, denunciaram entidades
“O Tribunal Constitucional protege criminosos e atenta contra o direito das vítimas à Justiça”, afirmaram o Escritório de Direitos Humanos da Arquidiocese da Guatemala (Odhaga) e a Associação para a Justiça e Reconciliação (AJR), liderando a mobilização da sociedade do país centro-americano em repúdio à tentativa de absolvição do ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Manuel Benedicto Lucas García.
Ao aprovar a mudança de foro ordenada pela Câmara de Alto Risco em um caso como o de Benedicto, acusado de crimes de lesa-humanidade e desaparecimento forçado no Genocídio Maia Ixil, a deliberação anulou o processo que se arrastava há meses e, mais uma vez, atrasa a tão esperada decisão de se fazer justiça. Dias antes, a mesma câmara extinguiu o Tribunal de Alto Risco “A” e nomeou outro tribunal (o de Alto Risco “B”) para julgar o caso, invalidando assim todos os procedimentos do julgamento. Embora o processo criminal continue ativo, a decisão implica que se deva reiniciar cada uma das audiências conduzidas pelo tribunal anterior do zero.
O Centro de Ação Legal em Direitos Humanos (Caldh) avalia que há um clima de retrocesso evidente no sistema judiciário, numa espécie de jogo de cartas marcadas. “Com a mudança nos tribunais, mais uma mais uma vez nos encontramos com tribunais que estão decidindo muito além dos padrões de direitos humanos”, adverte.
COMANDANTE CARNICEIRO E ADORADOR DE ISRAEL
Atualmente com 92 anos, o general reformado é um dos comandantes carniceiros responsáveis pelo assassinato em massa cometidos ao lado do irmão, o presidente Fernando Romeo Lucas Garcia (1º de julho de 1978 a 23 de março de 1982), que morreu sem receber qualquer tipo de condenação. Juramentado em 15 de agosto de 1981, Benedicto apresentava no currículo pós-graduação em política de “cerco e aniquilamento”: instrução adquirida na Escola das Américas (dos EUA), com aprimoramento na parceria sionista. “Israel foi o único país que nos deu apoio na nossa batalha contra as guerrilhas”, revelou Benedicto ao jornal Ha’aretz.
“É da escola sionista que Benedicto trouxe os termos ‘palestinização’, a prática de usurpação de territórios, da imposição de aldeias-modelo, campos de concentração e trabalhos forçados para os indígenas”
De acordo com o pesquisador e historiador Raúl Nájera, assessor da Promotoria no caso, “é da escola sionista que Benedicto trouxe os termos ‘palestinização’, a prática de usurpação de territórios, da imposição de aldeias-modelo, campos de concentração e trabalhos forçados para os indígenas”.
MAIS DE 100 AUDIÊNCIAS PARA TENTAR LEVAR NO TAPETÃO
Na última terça-feira (24), as entidades religiosas e de direitos humanos foram notificadas desta resolução emitida pela Corte em favor do ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Conforme as organizações, entre abril e novembro de 2024, Benedicto enfrentou mais de 100 audiências perante o Tribunal de Maior Risco grupo “A”, nas quais se esgotaram todas as provas científicas, testemunhais e periciais, sem deixar dúvidas sobre sua responsabilidade, conhecimento e participação nas atrocides cometidas. Seu envolvimento é flagrante, comprovaram, “na morte de um mínimo de 1.900 pessoas e um máximo de 28.000 vítimas de atos de massacres, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais e violência sexual contra a população maia Ixil, pelos quais é acusado de Genocídio, Crimes Contra a Humanidade, Desaparecimento Forçado e Violência Sexual”.
Esta “resolução” que viola o devido processo legal foi aprovada pelos “juízes da impunidade”: Leyla Susana Lemus Arriaga, Roberto Molina Barreto, Hector Hugo Perez Aguilera, Nester Mauricio Vasquez Pimentel, Luis Alfonso Rosales Marroquin e Edwin Eduardo Lopez Rodriguez. “O único magistrado honrado, comprometido com a lei, o devido processo legal e a justiça, foi o juiz Rony Eulalio Lopez Contreras, a quem respeitosamente saudamos”, assinala o documento.
Diante de tamanha transgressão à lei guatemalteca, a AJR e a Odhag reiteraram seu total repúdio e completo desacordo com o tribunal, considerando a decisão como preocupante resolução “por meio da qual uma vez mais os magistrados favorecem a impunidade em casos de graves violações aos direitos humanos cometidas durante o Conflito Armado Interno (CAI)”.
“MEMBROS DO TRIBUNAL PROTEGEM INTERESSES DOS AUTORES DO GENOCÍDIO”
“Esta é uma resolução que esperávamos que viesse do atual Tribunal Constitucional porque alguns de seus membros se caracterizaram por violar os direitos das vítimas do CAI, em proteção aos interesses dos autores do genocídio e, o que é pior, nos casos dos juízes Molina Barreto e Rosales Marroquín, que anularam a sentença contra o também genocida Ríos Montt”, esclarece o documento.
Na vasta e sanguinária obra de Ríos Montt, um apóstolo das relações carnais com os Estados Unidos e Israel, consta o massacre de 1.771 indígenas Maia Ixil na região do Quiché. Conforme levantamentos das organizações de direitos humanos, somente esta etnia teria sido reduzida em 1/3 durante a “gestão” do ex-ditador, que comandou torturas, assassinatos e estupros coletivos em centenas de aldeias.
No caso de Molina Barreto a situação é ainda mais grotesta, apontam o Escritório de Direitos Humanos da Arquidiocese e a Associação para a Justiça e Reconciliação, “uma vez que ele concorreu como vice-presidente no partido de sua filha e atores como a chamada Fundação contra o Terrorismo” [ligada a grupos paramilitares de extrema-direita].
“MECANISMO FRAUDULENTO DE INTERRUPÇÃO INDEVIDA E INDEFINIDA”
“Conforme consta no voto divergente e digno do Juiz López Contreras, esta decisão constitui um ‘precedente perigoso para o sistema de justiça criminal guatemalteco’, além de representar um ‘mecanismo fraudulento de interrupção indevida e indefinida’ de qualquer debate, equivalente à ‘destruição de um julgamento oral, violando os princípios de legalidade, continuidade, celeridade e segurança jurídica’”, protestaram as entidades.
Desta forma, a poucos passos da decisão do Tribunal de Alto Risco “A”, os juízes estão enterrando um ano inteiro de debate. “Como sobreviventes, testemunhas, familiares e crianças, mantemos nossa firme convicção por justiça, e esta decisão não nos deterá. Buscaremos outros mecanismos e espaços para levar este caso à Justiça que aguarda há mais de 40 anos. Por fim, apelamos à comunidade nacional e internacional para que denuncie esta nova decisão injusta e se solidarize com o direito das vítimas e sobreviventes à justiça. Julgamento e punição dos Comitês de Genocídio”, conclui o documento.
LEONARDO WEXELL SEVERO