A denunciante de crimes de guerra dos EUA foi presa por negar-se a mentir e incriminar o jornalista Assange
Chelsea Manning foi posta em liberdade na quinta-feira (9), anunciaram seus advogados, que haviam apelado contra sua ‘prisão por desacato’ há dois meses por se negar a mentir para incriminar o jornalista Julian Assange, como exigia um júri na Virgínia, até recentemente operando há anos em segredo para extraditar o fundador do WikiLeaks.
No entanto, a perseguição à denunciante de crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão não cessa, já que foi intimada a comparecer no próximo dia 16 perante outro júri. Os EUA pediram a extradição de Assange à Inglaterra por supostamente “tentar ajudar” Manning a “violar uma senha” do Departamento de Estado, no vazamento dos cabogramas da interferência nos assuntos internos de outros países.
“Antes mesmo de sua saída, Chelsea recebeu uma nova intimação”, afirmou o grupo de apoio a Manning The Sparrow Project. “Isso significa que terá de apresentar-se a outro júri na próxima semana”. Manning já anunciou que voltará a se recusar a depor contra Assange.
Não havia desacato algum por parte de Manning em se negar a depor sobre uma questão a que já teve que responder, extensa e detalhadamente, durante a corte marcial a que foi submetida e que a condenou a 35 anos de prisão, sentença iníqua comutada por Obama no final de seu governo.
O que foi plenamente sustentado por seus advogados na apelação, que demonstraram o absurdo jurídico da sentença de que Manning ficaria presa até que falasse. “Mantenho minha recusa a me submeter”, afirmou de forma altiva a presa política, na defesa apresentada por seus advogados.
“A ideia de que eu tenho a chave da minha própria cela é absurda, conforme me deparo com a perspectiva de sofrer de um ou outro modo devido a esta intimação desnecessária e punitiva: posso ir para a prisão ou trair meus princípios”, afirmou Manning na apelação apresentada à corte por seus advogados.
Foi Manning que trouxe aos povos do mundo os arquivos dos crimes de guerra dos EUA, inclusive o tenebroso vídeo “Assassinato Colateral”, em que um helicóptero Apache chacina em 2007 uma dezena de civis desarmados, inclusive dois jornalistas da Reuters e um pai que levava as crianças para a escola numa van e tentou prestar socorro. Todo o massacre foi realizado sob orientação do comando central.
Ela se deparou com essas provas dos crimes de guerra quando era analista de inteligência em uma base no Oriente Médio e tomou a corajosa decisão de mostrá-las ao povo norte-americano e aos povos do mundo.
A libertação de Manning durante pelo menos uma semana confirma a correção da posição dos seus advogados de que a figura jurídica do “desacato civil” não permite a prisão indefinida. A defesa denunciou, ainda, que o propósito real da pressão para forçá-la a testemunhar perante o júri é para minar seu testemunho como testemunha de defesa de Assange.
Não se sabe se o novo júri irá se apegar a qualquer filigrana para enviá-la de novo ao cárcere, na prática violando a apelação que atendeu a Manning.
A denunciante ficou presa por sete anos, enquanto os que cometeram os crimes de guerra que ela mostrou e os que deram as ordens de cometer esses crimes, seguem impunes. Foi torturada por quase um ano, antes de ir a julgamento.
Durante as audiências na corte marcial a que foi submetida em 2013, Manning já dera extenso depoimento sobre sua decisão de levar ao conhecimento do público os malfeitos da ocupação no Iraque e no Afeganistão e já relatara tudo sobre sua interação com o WikiLeaks e Assange.
Como denunciam juristas, entidades de defesa das liberdades democráticas e personalidades dos EUA e do mundo inteiro, a prisão arbitrária de Manning é parte das manobras do regime Trump para punir exemplarmente o jornalista Assange e calar outros possíveis denunciantes de crimes de guerra dos EUA.
Pior ainda, se prevalecer estará criado o precedente de que a Casa Branca poderá exercer a mais drástica censura em qualquer local do planeta – já que nem Assange é norte-americano, nem o WikiLeaks é uma organização jornalística com sede nos EUA. O secretário de Estado Mike Pompeo, ex-chefe da CIA, diz que o WikiLeaks é “uma entidade não-estatal de inteligência hostil”, supostamente fora das proteções da Constituição norte-americana.
O regime norte-americano já acha que pode atacar qualquer país ou sancioná-lo a qualquer hora que queira, e pelo visto, agora quer poder levar a tribunais norte-americanos qualquer um que denuncie seus crimes de guerra.
Um tribunal de fancaria inglês já condenou o jornalista Assange a quase um ano de cadeia por “violação de fiança” sobre um caso que a Suécia já havia retirado e que só ocorreu porque ele pediu, e teve atendido, pedido de asilo ao Equador. Na primeira audiência sobre o pedido apresentado por Washington, Assange afirmou por videoconferência desde o presídio de segurança máxima em que foi jogado que “não ia se render à extradição por fazer jornalismo premiado”.