Toffoli, Gilmar Mendes e Lewandowski
Para procuradora, o STF não pode ser guardião da injustiça e da impunidade
Se alguém (evidentemente, alguém de boa fé) tinha dúvidas de que a luta contra a corrupção – a luta contra a súcia corrupta que sufoca o país, a luta contra as quadrilhas em que se tornaram PT, PMDB, PSDB e os que orbitam em torno deles – é a luta política principal no Brasil de hoje, a sessão de terça-feira, dia 26, da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF), provavelmente, eliminou essas dúvidas.
Boa parte de nossos leitores, com certeza (e com razão), perguntam como é possível três indivíduos – apenas três – passarem por cima do próprio STF, e de toda a estrutura da Justiça, para soltar e proteger corruptos, ladrões do nosso dinheiro, ladrões da nossa mais importante e decisiva empresa, ladrões que desmoralizaram o Congresso, a Presidência e o sistema eleitoral.
Foi isso o que Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski fizeram, avacalhando – que o leitor nos desculpe a expressão popular, no caso, adequada – com seu próprio cargo de ministros do STF, e, como observou o jurista Modesto Carvalhosa, com o próprio STF.
Que três indivíduos, adredemente combinados, possam se sobrepor ao STF – que é composto por 11 ministros-juízes – e a toda a Justiça, assim como a todo o país, é algo que demanda atenção. Mas, antes de tudo, demanda correção.
O PT – a começar pela senhora Gleisi Hoffmann, presidente nacional do partido, uma das beneficiadas, na terça-feira, pelas votações dos três elementos na segunda turma – apenas expõe o seu caráter filo-nazista, ao berrar que o ministro Luís Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, está “isolado”.
Nenhum dos três elementos que anularam as provas contra o marido de Hoffmann, Paulo Bernardo, pode sair na rua – pois há o risco da indignação popular se manifestar de maneira algo rude.
No entanto, diz o PT, é Fachin quem está “isolado”.
Não era isso o que Goebbels fazia no 3º Reich?
Fachin manteve sua dignidade e honrou as melhores tradições do STF – aquelas que consagraram o grande ministro Álvaro Ribeiro da Costa, presidente do Supremo que não se submeteu à ditadura.
Na segunda turma, Fachin foi o único voto contra o tripé do crime, da corrupção e da impunidade (o outro integrante da mesma turma, ministro Celso de Mello, não compareceu à sessão de terça-feira).
No mesmo dia, esse trio:
1) soltou José Dirceu, condenado pelo Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4) a 30 anos, 9 meses e 10 dias, por cinco crimes de corrupção, oito de lavagem, e por pertencer a uma organização criminosa;
2) soltou João Cláudio de Carvalho Genu, condenado a 9 anos e 4 meses, também pelo TRF-4, que, com o doleiro Alberto Youssef, ficava com 30% da propina passada ao PP no assalto à Petrobrás (os repasses a Genu foram identificados pela PF);
3) manteve solto o escroque Milton Lyra, assaltante dos fundos das estatais e operador do PMDB;
4) anulou as provas contra o ex-ministro Paulo Bernardo, do PT (como disse Fachin, o trio da segunda turma inventou o foro privilegiado para imóvel – as provas foram anuladas porque encontradas em um apartamento funcional do Senado, onde Bernardo reside com a mulher, que é senadora);
5) suspendeu o processo contra o deputado Fernando Capez (PSDB-SP), por receber propina e desviar dinheiro da merenda escolar em São Paulo.
A própria lista dos beneficiados mostra o acerto do PT, PMDB, PSDB e PP contra a Operação Lava Jato. A trinca da segunda turma é o acordão em ação.
DIRCEU
Não há nenhuma dúvida sobre a culpa de José Dirceu no processo pelo qual foi condenado a 30 anos, 9 meses e 10 dias. As transferências de propina foram identificadas, assim como os intermediários, assim como a fonte, a Engevix, cujos donos confessaram que pagavam as propinas a Dirceu, e até descobriu-se onde o dinheiro foi gasto. (v. Juíza determina prisão e José Dirceu se entrega, e, também, O PT na Petrobrás: Vaccari, Duque & alguns outros – 1).
Dirceu, condenado em primeira instância (na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba) e em segunda instância (TRF-4), estava cumprindo sua pena na penitenciária da Papuda.
Seus advogados entraram com uma “reclamação” no STF. Chama-se “reclamação” a uma queixa de que alguma decisão do STF não está sendo cumprida.
Dias Toffoli, o relator dessa “reclamação”, foi funcionário de José Dirceu durante anos, como assessor jurídico da liderança do PT na Câmara, advogado de três campanhas de Lula e subchefe para assuntos jurídicos do próprio Dirceu, quanto este era ministro da Casa Civil.
Além disso, foi Advogado Geral no governo Lula, consultor jurídico da CUT e foi indicado por Lula para o STF.
Apesar disso, Toffoli não se considerou impedido para julgar a “reclamação” de seu ex-chefe. Em certos meios – e em certos sujeitos – a vergonha vai se tornando algo tão raro quanto o ar no espaço sideral.
Mesmo Toffoli, no entanto, recusou uma liminar dessa “reclamação”, no último dia 18 de abril.
Agora, julgando o mérito, Toffoli reconheceu que o pedido de Dirceu era inteiramente descabido.
Como disse, em sua linguagem, mais confusa do que jurídica:
“… malgrado os bem lançados argumentos da defesa, tenho que razão não assiste ao reclamante. (…) mostra-se inviável a reclamação quando inexistente identidade entre a decisão reclamada e o acórdão paradigma [ou seja, a base jurídica é falsa]. (…) a improcedência da ação é medida que se impõe”.
Toffoli, portanto, não teve alternativa, senão recusar o pedido de Dirceu.
Incrivelmente, depois disso, concedeu um habeas corpus para soltar Dirceu, um habeas corpus que não fora pedido pela defesa de Dirceu, não estava em discussão, nem era o tema do julgamento, baseado na “plausibilidade jurídica nos argumentos defensivos a respeito da dosimetria da pena”.
Ou seja, ele acha “plausível” que Dirceu tenha sido condenado a uma pena maior do que deveria. Mas isso, quem julga não é ele, mas os tribunais, que condenaram Dirceu, e o STJ. Porém, como acha “plausível” o que disse a defesa, resolveu soltar Dirceu.
Mas, desde quando uma discussão sobre o tamanho da pena – isto é, uma discussão que admite que o réu é culpado – é motivo para soltar um condenado?
Nesse caso, nem havia discussão. O habeas corpus foi um corpo estranho, inventado para soltar Dirceu.
E, claro, ensaiar a mesma coisa para Lula.
Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski soltaram Dirceu atropelando o STF, que autorizou a prisão do réu após sua condenação em segunda instância (caso do TRF-4).
Quando o ministro Fachin solicitou vistas do processo – o que teria de paralisar o julgamento – simplesmente, Mendes, Lewandowski e Toffoli votaram o “habeas corpus de ofício” (isto é, um habeas corpus que não havia sido solicitado por Dirceu) para soltá-lo.
E fizeram a mesma coisa para soltar Genu.
Se Al Capone entrasse com alguma ação, fiquemos certos, leitores, que Toffoli, Lewandowski e Mendes o teriam soltado – e protegido.
CARLOS LOPES
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