A crise fabricada pelo presidente Donald Trump ao decretar o fechamento parcial do governo federal, e que já entra pela quarta semana, para forçar o financiamento pelo Congresso dos EUA de seu muro xenófobo e racista na fronteira com o México, aprofundou-se na quarta-feira (9) após sua abrupta saída de uma reunião com os líderes democratas da Câmara e do Senado, logo tachada em rápida tuitada de “total perda de tempo”, com o acréscimo de que nada “vai funcionar”.
Na véspera, direto do Salão Oval da Casa Branca e televisionado em horário nobre, Trump leu uma peroração cínica e mentirosa contra os imigrantes – classificados de “crise humanitária e de segurança”-, na tentativa de virar a opinião pública que, conforme pesquisas, o está responsabilizando pelos transtornos do chamado “fechamento” e pelo impasse no Congresso. Nesta quinta-feira, a encenação contra os imigrantes continua, com a visita de Trump à fronteira sul.
Literalmente, o povo norte-americano foi feito de refém da promessa racista de campanha de Trump de construir um muro “grande e belo” na fronteira sul e da exigência de US$ 5,7 bilhões para a malsinada e inútil obra. Ou a verba é incluída no orçamento deste ano, ou ele não assina nada e o fechamento continua. Nos primeiros dias, os mais atingidos foram 800.000 servidores federais que ficaram sem receber, parte trabalhando e parte em afastamento compulsório – além de mais centenas de milhares de terceirizados dos órgãos afetados. Parques nacionais, museus e diversos órgãos de governo deixaram de atender ao público.
VALE-SOPÃO EM RISCO
Agora, a questão está cada vez mais ampla em seus efeitos. Na próxima sexta-feira, os tribunais federais vão parar, por falta de financiamento. A partir de fevereiro, começa a ser interrompida a entrega do vale-sopão, de que 40 milhões de norte-americanos pobres dependem para não passar fome.
Outro programa que atende a sete milhões de gestantes, bebês e crianças de baixa renda, só não parou completamente por ação emergencial dos estados. Até a NASA e a Fundação Nacional da Ciência já sofrem os efeitos. O IRS (Imposto de Renda) deveria já estar preparando os cheques de restituição. Os controladores de voo estão no limite. Entre os servidores deixados à míngua, estão agentes penitenciários e até mesmo guardas de fronteira.
A Associação Nacional de Governadores advertiu que o fechamento já suspendeu US$ 85,8 bilhões em verbas federais para os estados e que estão em perigo também programas sociais no valor de US$ 16,5 bilhões, compartilhados por estados e governo federal. A verba federal para preservação do meio ambiente na Califórnia, atingida pelos maiores incêndios florestais já vistos, está ameaçada.
Como foi em boa parte a campanha xenófoba que segurou o Senado para Trump, o muro volta a ser sua bandeira para a reeleição no próximo ano. “Quanto mais sangue norte-americano terá que ser derramado, para que o Congresso faça seu trabalho”, isto é, libere a grana do muro, declarou melodramaticamente no discurso televisionado. Depois de ter repetidamente chamado os imigrantes sem documentos de homicidas, estupradores e traficantes, Trump asseverou estar preocupado com a “crise humanitária” na fronteira, que segundo ele, não é causada pelo sequestro e separação das famílias nas ‘geladeiras’ da sua Gestapo da fronteira no ano passsado, que já matou duas dezenas de imigrantes, inclusive duas crianças guatemaltecas e mantém sob detenção 20 mil crianças.
Conforme a revista progressista The Nation, “Trump ofereceu um ensopado de mentiras e falsas premissas” e tentou sugerir que “simpatizava com os imigrantes, ao mesmo tempo em que os retratava como criminosos violentos”. Repetiu “sua promessa absurda de que o México pagará pelo muro, com a nota de rodapé de que isso acontecerá ‘indiretamente’”.
A principal entidade de defesa dos direitos civis dos EUA, a ACLU, reagiu ao discurso assinalando que a crise humanitária foi fabricada pelas decisões “tomadas pelo próprio governo” Trump, a quem acusou de continuar a empurrar narrativas “comprovadamente falsas” sobre as condições na fronteira. “Sua negação da humanidade e dos direitos dos imigrantes está impulsionando a agenda política desse governo – e matando pessoas”.
Uma por uma, as principais fabricações do regime Trump foram refutadas. Como apontou o dirigente de uma entidade pró-imigrantes de Chicago, Oscar Chacón, ao contrário do que diz Trump, as apreensões de imigrantes ilegais estão em seu mínimo histórico, tendo caído “de 1,6 milhão no ano 2000 para menos de um quarto disso” – 310.531- no ano passado, e o ponto de inflexão foi o crash de 2008. A diferença é que agora, ao invés de homens em busca de trabalho, são famílias, mulheres e crianças, fugindo da miséria e violência na América Central e pedindo asilo.
MENTIRAS
Outra mentira é culpar os imigrantes pelas mortes por overdose e pela entrada de heroína nos EUA, como Trump fez, quando até a agência antidrogas DEA reconhece que o mais comum é o ingresso da droga, não pelos grotões, mas pelos postos de entrada oficiais, ocultos em carros. Sem falar nos “moinhos de receitas” de fentanyl que funcionam abertamente nas áreas degradadas e desindustrializadas.
O aspecto de que a maioria dos sem documentos entra legalmente nos EUA e depois ignora o prazo do visto, foi apontado pelo líder da luta pelos direitos civis, Jesse Jackson. O próprio Homeland (Segurança Interna) admitiu que em 2018 mais de 600 mil entraram por via marítima ou aérea legalmente, e permaneceram nos EUA após o vencimento do visto – praticamente o dobro dos detidos na fronteira.
Já a insinuação de que a fronteira sul está escancarada a “terroristas”, usualmente citada para acentuar o risco de “segurança” e que é desmentida amplamente pelos próprios números oficiais, foi deixada de fora no discurso.
O presidente bilionário vem ameaçando decretar emergência nacional, para poder usar verba do Pentágono para erguer seu muro, caso o impasse seja mantido no Congresso, enquanto a liderança democrata tenta atrair senadores republicanos para ir reabrindo, paulatinamente, os órgãos federais fechados . Trump ironizou a recusa dos democratas ao seu muro, dizendo que eles já votaram para financiar as quase 700 milhas de barreiras construídas em governos anteriores. Para a dirigente da entidade Voces de la Frontera, Christine Neumann-Ortiz, é Trump que é “a“verdadeira crise nacional”. “Ele é um racista e um elitista que não tem respeito por famílias e crianças na fronteira que buscam refúgio da violência e da morte, nem para com os milhões de famílias trabalhadoras impactadas pelo seu fechamento [do governo]”.
ANTONIO PIMENTA