Uma semana após as denúncias de que o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, está pressionando o governo brasileiro e congressistas para que o Brasil zere as alíquotas de importação do etanol de milho norte-americano, foi o próprio presidente Donald Trump que assumiu em público a exigência
Respondendo a um repórter sobre a pressão pelo fim das cotas de importação de etanol norte-americano vigentes em nosso país, Trump ameaçou o Brasil com retaliações, dizendo querer “tarifas justas”. “Porque muitos países, por muitos anos, têm nos cobrado tarifas para fazer comércio e nós não cobramos deles. Isso se chama reciprocidade, tarifas recíprocas”.
A revelação de que tais pressões visavam beneficiar Trump nas eleições de novembro foi feita pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que preside a Frente Parlamentar Agropecuária, como antecipara o colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim.
Segundo Alceu Moreira, o embaixador Chapman alegou que dar primazia ao etanol dos EUA seria “muito importante eleitoralmente para o presidente Donald Trump”.
Agradaria imensamente aos empresários do agronegócio no Estado de Iowa, um dos maiores produtores de etanol à base de milho.
Resultado que, segundo o jornal New York Times, poderia ser capitalizado por Trump, perante os empresários de Iowa, como uma vitória dele no terreno comercial.
Iowa é um dos chamados estados campo de batalha – aqueles que ora votam republicano, ora votam democrata – e que definem a votação no colégio eleitoral e, portanto, o presidente, muitas vezes por uma diferença de poucos milhares de votos.
Na eleição de 2016 Trump venceu em Iowa por uma diferença de 9,5 pontos percentuais, mas nas pesquisas de intenção de voto para este ano, a diferença ali se reduziu para menos de 2 pontos percentuais em relação a Joe Biden, conforme compilação da BBC.
De dez estados campo de batalha em que Trump venceu em 2016, ele já está perdendo em sete, e Iowa é um dos três em que ainda continua um pouco à frente, mas caindo.
Tamanha ingerência do embaixador Chapman em favor da reeleição de Trump, que é ilegal pela própria lei norte-americana, pegou muito mal na Câmara dos Deputados dos EUA, com o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, o democrata Eliot Engel, clamando por uma investigação. É vedado a um embaixador norte-americano atuar no exterior em favor de algum dos candidatos.
Sob o governo Bolsonaro, o Brasil tem cedido seguidamente a Washington. No ano passado, a quota de importação sem tarifa foi aumentada de 600 milhões de litros para 750 milhões de litros – mais 20% -, e agora simplesmente querem desovar aqui o estoque para alegria do agronegócio de Iowa, zerando a alíquota.
O deputado Alceu Moreira considerou que está fora de cogitação atender a esse lobby: “A economia no Brasil não tem como absorver isso. Nós estamos numa pandemia, com consumo de combustível reduzido, gastando menos que antes”.
O presidente da Frente Parlamentar Agropecuária acrescentou outra razão para não se sujeitar aos interesses reeleitoreiros e do lobby de Iowa: a importância para a economia do Nordeste da produção e comercialização do etanol extraído de cana-de-açúcar. Implicaria em “quebrar uma cadeia produtiva importantíssima para o Nordeste”.
“Se liberar, será a mesma coisa de dizer que nós gostamos mais do povo americano do que do nosso. A gente gosta dos americanos, mas muito mais do nosso povo. Não vamos desproteger os nossos irmãos do Nordeste só para ajudar os americanos”, enfatizou.
Alceu Moreira entrou em detalhes sobre as ameaças de retaliação feitas por Chapman, aliás, em termos que extrapolam a diplomacia, e colocando acento na questão da reeleição de novembro.
Ele não fala direto – relatou – mas deixa claro que o produtor de etanol americano foi induzido no governo Trump a vender etanol e agora não tem para quem vender e isso prejudica eleitoralmente a Trump.
Então vem a ameaça: se o Brasil não concordar com a liberação da importação de etanol, “vamos ter uma série de consequências em relação a outros temas em que o Brasil tem parceria com os Estados Unidos”.
Apesar de, conforme o parlamentar, sempre ter sido dito ao embaixador que “assim como nós não temos ingerência em políticas americanas, vocês não têm direito de fazer isso no Brasil”.
Em suma, para garimpar votos em Iowa para Trump, querem arrochar o Brasil e em especial o Nordeste, que é o principal destino do etanol de milho importado. Querem impor uma concorrência desleal aos produtores brasileiros, e isso num quadro de pandemia e recessão.
No ano passado, o do aumento em 20% da quota de etanol de milho de tarifa zero, o senador Jarbas Vasconcelos havia repudiado a medida como “uma atitude de insensibilidade e irresponsabilidade” com a economia dos nove Estados nordestinos.
Ele também se mostrou indignado com que a importação haja sido autorizada “justamente no período da safra da cana-de-açúcar, o que atinge em cheio e de forma desleal a vida dos produtores e trabalhadores do setor canavieiro”.