O Departamento de Guerra dos EUA, em postagem no domingo (2), anunciou sua prontidão em cumprir a ordem do presidente Trump de “agir” contra a Nigéria, o maior produtor de petróleo da África, além de ser o mais populoso e de maior PIB do continente, sob o pretexto de “deter o assassinato de cristãos”.
“O assassinato de cristãos inocentes na Nigéria — e em qualquer outro lugar — deve acabar imediatamente. O Departamento de Guerra está se preparando para agir”, escreveu o ex-apresentador da Fox News e atual chefe do Pentágono, Pete Hegseth, no X no sábado (1).
Assim, depois de prometer anexar o Canadá e a Groenlândia, bombardear barcos de pesca em sua suposta “guerra ao narcotráfico” nas costas da Venezuela e da Colômbia, e declarar guerra tarifária ao mundo inteiro, o presidente Donald Trump postou que pode violar a lei internacional a pretexto de “defesa dos cristãos”, ameaçando explicitamente bombardear o país africano de 228 milhões de pessoas e 200 grupos étnicos.
“Se o governo nigeriano continuar permitindo o assassinato de cristãos, os Estados Unidos poderão entrar nesse país, agora desonrado, com todas as armas em punho, para aniquilar completamente os terroristas islâmicos que cometem essas atrocidades horríveis”, postou Trump em sua Truth Social, prometendo uma agressão “rápida, brutal e contundente”.
A ameaça de intervenção militar na Nigéria ocorreu um dia depois de seu governo ter reintegrado o país africano à lista de países que supostamente violam a liberdade religiosa, ao lado da China, Mianmar, Coreia do Norte, Rússia e Paquistão.
Há mais de 15 anos a Nigéria, um país com o norte predominantemente muçulmano e o sul de maioria cristã, enfrenta a insurgência do movimento islâmico Boko Haram, que se agravou após a destruição da Líbia pela Otan e expansão de jihadistas à região do Sahel.
2,6% DAS VÍTIMAS
Mas, segundo o ACLED (Africa Armed Conflict Location & Event Data Project), um projeto de pesquisa baseado nos EUA, dos 1.923 ataques contra civis na Nigéria até agora neste ano, só 50 tiveram como alvo cristãos. Ou seja, 2,6%.
Segundo o analista sênior da ACLED, Lad Stewat, as recentes alegações de círculos da direita norte-americana de que até 100.000 cristãos foram mortos na Nigéria desde 2009 “não são corroboradas” pelos dados disponíveis.
A Nigéria refutou as acusações do governo Trump, com o presidente Bola Tinubu, que é um muçulmano do sul e casado com uma cristã, enfatizando que “caracterizar a Nigéria como um país religiosamente intolerante não reflete a nossa realidade nacional, nem leva em consideração os esforços consistentes e sinceros do governo para salvaguardar a liberdade de religião e crenças para todos os nigerianos”.
Segundo analistas, embora tenha havido mortes de cristãos, a imensa maioria das vítimas é de muçulmanos na região nordeste do país. Na região central da Nigéria, os confrontos que têm ocorrido são entre pastores, predominantemente muçulmanos, e agricultores, na maioria cristãos, por causa da água e pastagens.
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
Ainda segundo o presidente Bola, as garantias constitucionais na Nigéria que “protegem cidadãos de todos os credos”.
O ministério das Relações Exteriores da Nigéria declarou que o país “continuará a defender todos os cidadãos, independemente de raça, crenças ou religião. Como a América, a Nigéria não tem outra opção senão celebrar a diversidade que é nossa grande força”.
Na verdade, o único caminho para a Nigéria se preservar como nação é exatamente a preservação da unidade entre cristãos e muçulmanos, evitando a repetição da tragédia do separatismo de Biafra na década de 1960.
Além do sectário Boko Haram [literalmente Educação Ocidental É Proibida], também atua na Nigéria o Estado Islâmico da Província da África Ocidental.
No domingo, um assessor do presidente Bola, Daniel Bwalla, disse à Reuters que o governo da Nigéria acolhe de bom grado a ajuda dos EUA contra extremistas, “desde que respeite nossa integridade territorial”.
“Estou confiante de que, quando esses dois líderes [Tinubu e Trump] se encontrarem e sentarem para conversar, haverá melhores resultados em nossa determinação compartilhada de combater o terrorismo”, ele augurou.
Com 40% da população vivendo abaixo da linha da pobreza e a herança maldita do tempo colonial, não são poucos os desafios vividos pela Nigéria, nenhum dos quais pode ser resolvido, ou amenizado, com bombardeios norte-americanos ou intervenções, como os EUA têm promovido há décadas na Somália, sem qualquer resultado que não manter a região como uma ferida aberta.
Provavelmente o bombardeio não deverá influenciar positivamente na declarada meta de Trump de obter a mesma premiação que Barack Obama, o Nobel da Paz.
A Reuters lembrou que, desde que Washington se viu forçado a retirar 1.000 soldados do vizinho Níger no passado, a capacidade de intervenção na África Ocidental ficou “significativamente reduzida”. A principal base dos EUA na África, com 5000 soldados, fica em Djibouti, a milhares de quilômetros, à margem do Mar Vermelho. O Níger, ao lado de Burkina Faso e de Mali, tem marchado em um rumo de rompimento com o neocolonialismo e estreitado laços com a Rússia.











