E com base em uma “farsa hollywoodiana”, como denunciaram os russos
A tuitada matinal do presidente Trump de que “prepare-se Rússia, estão chegando os mísseis, lindos, novos e inteligentes”, foi rebatida de pronto pela porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova. Se fossem inteligentes – cutucou – os mísseis estariam “voando na direção dos terroristas, não do governo legítimo [sírio], que está há vários anos lutando contra o terrorismo internacional em seu território”. Ela aproveitou para fustigar sob outro ângulo: “Estarão os inspetores da OPAQ sabendo que mísseis inteligentes estão prestes a destruir qualquer evidência do uso de armas químicas no chão?”
“Ou esse é o verdadeiro plano – encobrir toda a evidência deste ataque fabricado com golpes de mísseis inteligentes, de forma que os inspetores internacionais não tenham qualquer evidência por que procurar?”, denunciou.
Na terça-feira, três diferentes resoluções sobre a Síria, duas da Rússia e uma de Washington, não passaram no Conselho de Segurança da ONU. Os EUA queriam aprovar uma ‘comissão de investigação’ que não teria de prestar contas a ninguém, mas cujas conclusões estariam sob o “capítulo VII” da Carta da ONU, isto é, serviriam automaticamente para ‘autorizar’ um ataque militar supostamente sob cobertura da ONU. A primeira proposta russa era de uma comissão de investigação sob a autoridade do Conselho de Segurança e, a segunda, o apoio à investigação in loco da OPAQ, já pedida pela Síria e pela Rússia, e que foi aceita pela OPAQ que anunciou para breve o envio de uma equipe. Rússia e Síria se comprometeram a garantir a segurança da operação da investigação da OPAQ.
Com base apenas nos vídeos e fotos encenados, como já ocorreu antes, (veja matéria nesta página) o governo Trump responsabilizou direta e imediatamente o “animal Assad e a Rússia” por um suposto ataque cuja existência sequer foi comprovada. Nos debates no Conselho de Segurança, a embaixadora norte-americana, Nikki Haley, disse que, se o Conselho não fizesse o que Washington queria, seu governo iria agir por conta própria (ou seja, à margem da lei internacional, como há 15 anos contra o Iraque).
O que foi ironizado por um analista: punição primeiro, investigação depois. Como, ao contrário das acusações anteriores (Guta Oriental, 2013; e Khan Sheikun, 2017), agora o suposto local já está sob controle de forças russas, talvez isso explique porque Washington anda vetando qualquer tipo de resolução que implique numa investigação de verdade in loco. Numa busca preliminar, assim que ingressaram em Douma, após acordo com os jihadistas para retirada deles em segurança, médicos e especialistas russos não encontraram nenhum vestígio de uso de arma química, nem corpos ou sequer vítimas hospitalizadas. Não há sequer testemunhas que hajam visto tais vítimas.
“Vocês não querem ouvir que nenhum sinal de ataque químico foi encontrado em Douma, vocês apenas buscam um pretexto e isso foi prontamente providenciado pelos provocadores dos ‘White Helmets’”, afirmou o embaixador russo na ONU, Vassily Nebenzia. Ele conclamou os EUA “a recobrarem o [bom] senso”, advertindo que se Washington partir para uma agressão militar, será responsável pelas consequências. Ele acrescentou que a falha em aprovar uma formulação inócua em apoio a uma investigação imparcial do alegado incidente químico em Douma [a resolução de apoio à investigação já aprovada pela OPAQ] – e que era quase copiada de proposta anterior da Suécia – “é o teste decisivo que fala por si só”. Ele alertou que “decisões mal-concebidas do Ocidente” poderiam levar “ao limiar de alguns eventos sérios e muito tristes”.
Com a casa do seu advogado pessoal tendo sido invadida por ordem do investigador especial Robert Mueller, parece que Trump anda atrás de qualquer coisa para desviar a atenção sobre a crise de seu governo. O que, em se tratando do império, em geral significa bombardear outro país (lembrai-vos do Ovalgate de Bill Clinton e o ataque de 78 dias à Iugoslávia). O pretexto para a tuitada de Trump foi a advertência do embaixador da Rússia no Líbano, Alexander Zasypkin, de que “se houver um ataque americano …. abateremos os mísseis e alvejaremos as posições de onde forem lançados”. Ele acrescentara ainda que “nesses últimos dias temos visto uma escalada na direção de uma crise significativa”.
Com Tony Blair asseverando à primeira-ministra Theresa May que esta “não precisa” de autorização do parlamento inglês para fazer um ataque, e o presidente francês Emmanuel Macron almejando se tornar o poodle de Trump, seguem se avolumando os materiais inflamáveis no Mediterrâneo. O órgão europeu de controle de tráfego aéreo advertiu as empresas de aviação sobre “possíveis ataques aéreos na Síria dentro de 72 horas”. O destróier armado com mísseis USS Donald Cook zarpou de Chipre e já se encontra diante do litoral sírio. Washington também anunciou o deslocamento para a região do porta-aviões Harry Truman. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, conclamou todas as partes a evitarem “quaisquer passos que não sejam provocados por al guma coisa na realidade e possam substancialmente desestabilizar a já frágil situação.
ANTONIO PIMENTA