Trump ameaça usar o “fechamento” para demitir servidores federais em massa

Cartaz denuncia suspensão de serviços após reprovação do orçamento apresentado por Trump (Vódeo - NBC)

Depois do tarifaço, da caçada aos imigrantes e da convocação dos 800 generais do Pentágono para sua “guerra ao inimigo interno”, o presidente Donald Trump anunciou que usará o “shutdown” – a paralisação de órgãos federais não essenciais por falta de aprovação das verbas pelo Congresso – para demitir servidores públicos em massa, cortar recursos para estados e cidades e eliminar órgãos públicos.

Para a missão, Trump convocou Russel Vought – que descreveu como “famoso pelo Projeto 2025” – e agora seu chefe de Administração e Orçamento. O reacionaríssimo projeto 2025, da Heritage Foundation, é aquele que, durante a campanha, Trump jurava que nada tinha com isso.

No seu primeiro mandato, Trump manteve o país fechado por 36 dias – recorde histórico – porque queria porque queria que o Congresso aprovasse a verba para a construção do muro na fronteira com o México.

Agora, o impasse aconteceu porque os republicanos se negaram a recuar e restaurar as verbas para a Saúde cortadas quando da votação no Congresso do pacote fiscal republicano “Grande e Bonito” – aliás, bonito só para os magnatas e especuladores – agraciados com novo e monumental corte de impostos.

DE TÃO GORDA A PORCA JÁ NÃO ANDA

Com os EUA já brutalmente endividados, no patamar de 120% do PIB, US$ 37 trilhões, o corte de impostos para os ricaços seria, alegaram os trumpistas, “compensado” com cortes na Saúde, na Educação, nos programas sociais e na preservação ambiental – além das repetidas ameaças à Previdência Social.

O déficit orçamentário em 2024 dos EUA foi de 6,4% (o terceiro maior da história) e, para este ano, estima-se que chegará aos 7%.

Em consequência, os compradores de títulos do Tesouro exigem um juro maior para se arriscarem à bomba relógio explodir no seu colo, e os juros de longo prazo subiram de 0% entre 2012 e 2021 para mais de 4% (sem falar que, no período de um ano, vencem US$ 9 trilhões da dívida).

Na Câmara, o achaque prosperou por uns poucos votos. Mas na hora de votar no Senado, os trumpistas não alcançaram os 60 votos [de 100] exigidos pelo regulamento para superar a obstrução. Sem acordo, “shutdown”.

750 MIL SERVIDORES LICENCIADOS FORÇOSAMENTE

O “fechamento” atinge 27% do orçamento, os chamados itens discricionários; o grosso do dinheiro da máquina militar não é atingido, embora a assistência aos veteranos, sim. 750 mil servidores públicos ficam licenciados forçosamente sem ganhar, e nos serviços essenciais, como controladores de voo, trabalham sem ganhar. De novo, as cenas das visitas à Estátua da Liberdade suspensas, ou parques nacionais fechados.

A novidade em relação a outros “fechamentos” do governo dos EUA, é que Trump busca fazer dele instrumento, como o Departamento de Gestão Eficiente foi antes, para podar a máquina pública em favor dos bilionários e especuladores e demitir milhares de funcionários federais.

“Não posso acreditar que os democratas radicais de esquerda me deram essa oportunidade sem precedentes”, gabou-se Trump no Truth Social. A reunião com Vought seria “para determinar qual das muitas agências democratas, a maioria das quais são um cambalacho político, ele recomenda que seja cortada, e se esses cortes serão ou não temporários ou permanentes”.

“COISAS IRREVERSÍVEIS”, CHANTAGEIA TRUMP

No primeiro dia do “fechamento”, Trump ameaçara: “Podemos fazer coisas durante a paralisação que são irreversíveis, que são ruins para eles e irreversíveis para eles, como cortar um grande número de pessoas, cortar coisas de que eles gostam, cortar programas de que eles gostam”.

Seu secretário do Tesouro, Scott Bessent, veio a público asseverar que não haveria qualquer recuo nos cortes à Saúde – que excluirão milhões de pessoas do Obamacare e do Medicaid, a assistência médica aos pobres.

Segundo levantamento da Kaiser Family Foundation, sem os subsídios 4 milhões de pessoas irão perder a assistência à saúde já em 2026, o que pode aumentar para 14 milhões até 2034.

REPRESÁLIAS

Em represália, no primeiro dia do “fechamento”, Trump cancelou US$ 8 bilhões em financiamento ao clima de 16 estados azuis [governados pelos democratas] e congelou US$ 18 bilhões para dois grandes projetos de construção na cidade de Nova Iorque.

De acordo com o New York Times, as maiores licenças planejadas, em relação ao tamanho da força de trabalho, estão na Agência de Proteção Ambiental (89%), Departamento de Educação (87%), Departamento de Comércio (81%) e Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (71%). Em suma, praticamente vão deixar de funcionar.

JEFFRIES DE BIGODINHO E SOMBRERO

A postura de Trump diante do impasse repetiu a truculência vista em outros episódios deste segundo mandato. A ponto de publicar, no seu próprio portal, um vídeo fake de Inteligência Artificial em que o líder democrata na Câmara, Hakeem Jeffries, é visto como um latino de bigodinho e sombrero.

Enquanto o líder da minoria no Senado, Chuk Schumer, é dublado supostamente propondo fornecer “assistência médica gratuita a imigrantes ilegais” para que votassem nos democratas (o que a lei, claro, não permite). “Eles nem falam inglês, então não vão perceber que somos apenas um bando de progressistas de merda”, acrescenta a fraude. Racismo e xenofobia explícitos.

Nas escadarias do Capitólio, 150 congressistas democratas fizeram um ato de desagravo a Jeffries e Schumer. Em uma coletiva, o líder da minoria na Câmara desancou Trump: “Na próxima vez que tiver algo a dizer sobre mim, não se esconda atrás de um vídeo falso e racista. Quando eu estiver de volta ao Salão Oval, diga isso na minha cara”.

Na análise do ex-secretário do Trabalho, o democrata Robert Reich, o fechamento é consequência da decisão do governo Trump de atropelar os democratas e aprovar sua reforma tributária sem um voto democrata, usando no Senado um mecanismo arcaico, a “reconciliação” com a proposta da Câmara, para superar a obstrução e com o vice JD Vance dando o voto de minerva, quando três republicanos votaram junto com os democratas.

US$ 1 TRILHÃO A MENOS PARA A SAÚDE

Com a “reconciliação”, o rolo compressor republicano decretou o corte de US$ 1 trilhão na Saúde [em dez anos], basicamente cortando o subsídio ao Obamacare, que passou durante a pandemia, e que permitiu que dezenas de milhões passassem a ter seguro de saúde, e a ampliação do Medicaid, a assistência médica pública aos mais pobres.

Em consequência, a partir de janeiro aqueles que perderam o subsídio vão deixar de estar cobertos e aqueles que ainda estiverem, espera-se um aumento na mensalidade muito salgado, em média de 75%. No Medicaid, camadas da população que passaram a ter direito à assistência médica, apesar de estarem um pouco acima da renda limite, voltarão a ficar sem médico. “Trump e seus republicanos serão responsabilizados”, enfatizou.

Reich instou os congressistas democratas a segurarem o tranco, apesar de toda a truculência de Trump. As eleições intermediárias do próximo ano, que definem o controle do Congresso, serão alguns meses após essa perda massiva de assistência médica.

Desde 1990, foram oito os “shutdown” – metade sob Trump. Reich ironizou, ainda, que, no que interessa ao povo, o governo Trump está “em fechamento” há mais de oito meses.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *