
O inquilino da Casa Branca ainda achou de chamar o juiz que baixou a proibição de deportação massiva de “lunático, encrenqueiro e agitador”
Para acelerar sua caçada aos imigrantes e encenar cumprir uma promessa de campanha, o presidente Trump passou por cima de uma decisão judicial e deportou para uma prisão em El Salvador 238 venezuelanos, supostos integrantes de uma gangue, fazendo uso de uma lei do século XVIII, só usada em guerra e apenas por três vezes na história. Segundo a ordem de Trump, qualquer venezuelano a partir de 14 anos pode ser “removido”.
Trump não só passou por cima da decisão do juiz James Boasberg, como o injuriou de “lunático, encrenqueiro e agitador” e reafirmou que estava apenas depotando “venezuelanos perversos e dementes, muitos deles assassinos”.
De acordo com a BBC, o governo dos EUA não identificou quem são os homens enviados a El Salvador nem forneceu evidências de que eles eram de fato membros do Tren de Aragua ou que cometeram crimes nos EUA.
Antes, apenas uma proclamação do Tren de Aragua (TdA) como “organização terrorista” e parte da “invasão aos EUA”.
Não foi o único episódio da semana de atropelo ao judiciário. Uma professora da faculdade de Medicina da Universidade Brown e especialista em transplante de rim, Rasha Alawieh, detentora de green card, que havia ido ao Líbano ver os pais, foi sumariamente impedida de voltar aos EUA e deportada, contrariando determinação do juiz federal Leo Sorokin, de Massachusetts.
O estudante argelino de ascendência palestina, Mahmoud Khalil, foi sequestrado da Universidade de Columbia e está sob risco de deportação, acusado de ‘antissemitismo’ por se opor ao genocídio em Gaza; sua mulher está grávida de oito meses.
Segundo o Milwaukee Journal Sentinel, uma imigrante mãe de cinco filhos do estado, Ma Yang, de uma minoria tailandesa, mas que já cumprira pena por uso de marijuana, foi retirada de sua casa em fevereiro, enfiada em um avião para o Laos, país no qual ela não conhece ninguém, nem fala o idioma. “Os Estados Unidos me mandaram de volta para morrer”, disse Yang à publicação. “Eu nem sei para onde ir. Eu nem sei o que fazer.”
FAKE NO COLORADO
A acusação de que o Tren de Aragua havia tomado conta da cidade de Aurora, no Colorado, foi uma das principais histórias infladas por Trump em sua campanha xenofóbica pela volta à Casa Branca, recheada de alegações de que os imigrantes eram “estupradores, assassinos e até comedores de pets” e de que havia uma “invasão”.
Atendendo à União Americana pelos Direitos Civis (ACLU, na sigla em inglês, e principal entidade norte-americana de defesa das liberdades democráticas), o juiz federal James Boasberg havia determinado a suspensão temporária da deportação por duas semanas, até que o mérito da questão – a validade do uso da Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798 – fosse apreciado pelo tribunal.
Boasberg considerou que a lei não é aplicável neste caso, já que os Estados Unidos não estão em guerra. Ele determinou que todos os voos já em rota deveriam retornar aos Estados Unidos. Sua ordem escrita após a audiência apareceu no processo online do tribunal às 19h26 (hora local) de sábado, informou o Departamento de Justiça em um processo judicial.
A secretária de imprensa Karoline Leavitt emitiu uma declaração no domingo negando que o governo tenha violado a ordem de Boasberg, ao mesmo tempo em que questionou sua autoridade para tanto.
“Um único juiz em uma única cidade não pode comandar os movimentos de um avião (…) cheio de terroristas estrangeiros que foram fisicamente removidos do solo americano”, disse Leavitt.
US$ 6 MI PARA O DITADOR BUKELE
Para manter esses acusados em uma prisão de segurança máxima por um ano, o ditador salvadorenho Nayib Bukele irá receber US$ 6 milhões do governo Trump, segundo a Associated Press. Parte dos acusados havia, antes, sido levada para o notório campo de concentração de Guantánamo.
Bukele ainda debochou da decisão judicial violada por Trump, com uma postagem “ops… tarde demais”, logo reproduzida pelo próprio secretário de Estado, Marco Rúbio.
CARACAS REPUDIA LEI ANACRÔNICA
O governo da Venezuela repudiou comunicado no domingo “a aplicação de uma lei anacrônica, ilegal e que viola os direitos humanos contra nossos migrantes”, acrescentando sua “profunda indignação pela ameaça de sequestro de crianças de 14 anos”.
Caracas também responsabilizou o brutal bloqueio ao país por parte dos EUA, com até a proibição de exportar petróleo e resultante drástica deterioração das condições de vida, pela emigração em massa de venezuelanos nos anos recentes.
A Venezuela apelou à comunidade internacional, especialmente à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), para se mobilizar contra o que chamou de precedente perigoso contra toda a região.
JUIZ ORDENA ESCLARECIMENTOS
Nesta segunda-feira, o juiz Boasberg voltou à questão e exigiu que o governo forneça declarações juramentadas sobre se os voos que transportavam os venezuelanos para El Salvador decolaram após sua ordem ou estavam no ar no momento. Ele repreendeu o advogado do governo por ter comparecido à audiência sem qualquer resposta e deu até terça-feira para que a Casa Branca forneça os esclarecimentos juramentados.
Pouco antes da audiência, o governo Trump alegou que a diretriz oral do juiz no sábado “não era aplicável” por não estar na ordem escrita. Mas o juiz manteve que ainda queria saber quando os voos partiram, para onde estavam indo, quando deixaram o espaço aéreo dos EUA e quando aterrissaram em um país estrangeiro. Ele também perguntou quando os indivíduos foram transferidos para custódia estrangeira.
Alertas contra as ações ilegais de Trump têm partido de muitos setores nos EUA. Para a ACLU, há uma escalada no desafio à constituição e ao judiciário. À Reuters, o especialista jurídico do Instituto Cato, Patrick Eddington, afirmou que a Casa Branca estava em “desafio aberto” ao juiz Boasberg, chamando a situação de teste radical do sistema de freios e contrapesos dos EUA, o mais grave desde a Guerra Civil.
GESTAPO NORTE-AMERICANA
Postagem do vice, JD Vance, gabando-se das deportações, apesar da ordem judicial, recebeu condenação. “Você é além de vil”, escreveu o cientista político Norman Ornstein, como registrado pelo Common Dreams. “Você não tem ideia se os que foram pegos e enviados ilegalmente para uma prisão de El Salvador são todos criminosos violentos. Você abusou da linguagem simples da lei, não deu a eles o devido processo e desafiou uma ordem judicial legítima. Esta é a Gestapo americana.”
O membro sênior do Conselho Americano de Imigração, Aaron Reichlin-Melnick, considerou “absurda” a declaração do Departamento de Justiça dos EUA de que as ações do governo Trump sob a Lei de Inimigos Alienígenas de 1798 “não estão sujeitas a revisão judicial”.
“Nem um único presidente na história dos Estados Unidos jamais afirmou a autoridade para deportar unilateralmente alguém fora dos procedimentos estabelecidos pelo Congresso até agora, e a Suprema Corte enfatizou que o Congresso é supremo em imigração.”