
Ataque trumpista à liberdade de expressão atinge e ameaça os que se opõem ao racismo e fascismo instalados em Washington
Artistas e personalidades estão repudiando, nos EUA, a suspensão do programa de talk show noturno de Jimmy Kimmel “por tempo indeterminado”, anunciada pela rede ABC/Disney e comemorada pelo presidente Trump, após o popular apresentador comentar ao vivo a manipulação feita pelo trumpismo sobre o assassinato do fascista Charlie Kirk, no afã de imputar aos opositores do racismo, xenofobia e fascismo a culpa pela violência nos EUA.
Tudo o que Kimmel fez foi comentar em seu programa de segunda-feira (15) a comoção causada pelo assassinato de Kirk a tiro de fuzil em plena Universidade de Utah Valley na semana passada e ao se saber quem era o atirador, que se entregara à polícia.
“Tivemos alguns novos pontos baixos no fim de semana com o grupo MAGA [em referência ao movimento de Trump, ‘Make America Great Again’] tentando desesperadamente caracterizar o jovem que assassinou Charlie Kirk como qualquer coisa que não seja um deles e fazendo de tudo para tirar proveito político disso”, afirmou o apresentador, líder de audiência no horário noturno. “Entre uma acusação e outra, também houve luto”, ele acrescentou.
Observação referente ao espanto de que o atirador Tyler Robinson fosse de uma família republicana e mórmon de Utah, aprendera desde cedo a usar uma arma e até mesmo veio a público uma foto dele, mais novo, brincando com um boneco Trump de campanha. Isso, em meio a toda uma campanha histérica dos trumpistas contra a “esquerda radical e violenta” e ameaças contra qualquer um que não batesse continência ao apologista de Trump morto.
Imediatamente, o próprio Trump foi à sua rede Truth Social para festejar: “O programa de Jimmy Kimmel, questionado por seus baixos índices de audiência, foi CANCELADO. Parabéns para a ABC por finalmente ter tido a coragem de fazer o que tinha que fazer. Kimmel não tem NENHUM talento”.
SOLIDARIEDADE A KIMMEL E À 1ª EMENDA
A evidente censura motivou artistas e personalidades a se pronunciarem contra a perseguição a Kimmel, que recebeu no domingo (7) o Emmy de Melhor Apresentador de Game Show em Los Angeles. Seu programa Jimmy Kimmer Live está entre os líderes de audiência no horário noturno na televisão e, no You Tube tem 20,7 milhões de assinantes – mais que o dobro dos 10,2 milhões do The Late Show with Stephen Colbert da CBS, mas menos do que os 32,8 milhões do The Tonight Show Starring Jimmy Fallon da NBC.
O ex-apresentador do Late Show por três décadas, David Letterman, repudiou a censura e cancelamento de Kimmel: “Eu me sinto mal com isso porque todos nós vemos onde isso vai parar, certo? É mídia controlada. E não é bom. É tolo. É ridículo”.
Letterman assinalou que “você não pode sair por aí demitindo alguém porque está com medo ou tentando bajular uma administração autoritária, criminosa, na Casa Branca. Simplesmente não é assim que isso funciona”.
“Isso foi previsto pelo nosso presidente logo depois que Stephen Colbert [apresentador de outro talk show na CBS] foi afastado, então você está me dizendo que isso não foi premeditado de alguma forma?”. O afastamento de Colbert foi em julho, também sob pressão da Casa Branca.
Jean Smart, de “Hacks”, agraciada com o Emmy de melhor atriz, escreveu no Instagram estar “horrorizada” com o cancelamento. “O que Jimmy disse foi liberdade de expressão, não discurso de ódio. As pessoas parecem querer proteger a liberdade de expressão apenas quando isso convém à sua agenda. Embora eu não concordasse nem um pouco com Charlie Kirk; sua morte a tiros me enojou; e deveria ter enojado qualquer ser humano decente. O que está acontecendo com o nosso país?”.
A atriz e humorista Wanda Sykes, em um vídeo no Instagram, atribuiu o cancelamento às “reclamações do governo Trump”. “Vejamos, ele não acabou com a Guerra da Ucrânia nem resolveu a questão de Gaza na primeira semana. Mas ele acabou com a liberdade de expressão no primeiro ano. Ei, para aqueles que rezam, agora é a hora de fazer isso. Amo você, Jimmy.”
“Passei muito tempo em público e no privado defendendo comediantes com os quais eu não concordo. Se você é um comediante e não chama a atenção para a insanidade que é tirar o programa do Kimmel do ar, nem tente sair falando sobre liberdade de expressão mais”, escreveu no Instagram o humorista Mike Birbiglia.
A atriz Sophia Bush afirmou, no X, que “a Primeira Emenda não existe mais nos Estados Unidos. O fascismo está aqui e é assustador”.
No Instagram, o cantor John Legend compartilhou uma fala irônica do comentarista político David Frum: “como ousam nos chamar de fascistas, só porque nossos indicados ameaçam retaliar as redes de transmissão se seus comediantes não disserem o que queremos que eles digam.”
O cancelamento de Jimmy Kimmel aconteceu dois dias depois de Trump entrar com um processo contra o jornal The New York Times, exigindo uma indenização de US$ 15 bilhões – andou publicando as intimidades perversas de Trump com o pedófilo Jeffrey Epstein. No processo, a alegação é que o NYT é “um autêntico ‘porta-voz’ do Partido Democrata de esquerda radical”.
Em julho, a rede CBS anunciou que o talk-show noturno do humorista Stephen Colbert sairá do ar no ano que vem. Comunicado emitido dias depois de o apresentador criticar no ar um acordo de US$ 16 milhões entre Trump e Paramount, companhia da qual a CBS faz parte, para pôr fim a um processo movido pelo presidente.
MAIS CENSURA, EXIGE TRUMP
Com o anúncio da ABC sobre Kimmer, restam dois grandes programas noturnos no ar, apresentados por Jimmy Fallon e Seth Meyers. Trump não se conteve e postou pelo cancelamento dos dois. “Isso deixa Jimmy e Seth, dois absolutos perdedores, na NBC Notícias Falsas. Seus índices de audiência também são horríveis. Faça isso, NBC!”
E a lista macartista de Trump não para de engordar. A redatora de opinião do Washington Post, Karen Attiah, foi sumariamente demitida por suas postagens nas redes sociais após o assassinato de Kirk. A demissão veio depois que ela postou uma citação de Kirk na qual ele afirmava que Ketanji Brown Jackson, Michelle Obama e outras mulheres afro-americanas “não têm o poder de processamento cerebral para serem levadas a sério. Você tem que roubar a vaga de uma pessoa branca”.
A MÁFIA DA FCC
Antes das demissões, Trump mandou seu cão de fila na Comissão Federal de Comunicações (FCC)[órgão responsável pelas licenças das emissoras], Brendan Carr, ameaçar as gigantes da comunicação, que acabaram cedendo.
Aparecendo no programa do propagandista fascista Benny Johnson na manhã de quarta-feira, Carr, como um chefe da máfia, declarou: “Podemos fazer isso da maneira mais fácil ou da maneira mais difícil. Essas empresas podem encontrar maneiras de agir em relação a Kimmel, ou haverá trabalho adicional para a FCC pela frente”.
Em poucas horas, o Nexstar Media Group – o maior proprietário de estações de televisão locais nos Estados Unidos, e que busca a aprovação da FCC para sua aquisição da Tegna por US $ 6,2 bilhões – comunicou a suspensão indefinidamente do programa Jimmy Kimmel Live! em suas estações. Caso a fusão for aprovada pela FCC, a empresa combinada passará a ter acesso a 80% do mercado de televisão dos EUA. E, como Carr ameaçou explicitamente, poderia cassar as licenças que o Nextar já detém.
Enquanto Jimmy Kimmer está sendo cancelado com aval da FCC, o órgão não viu nenhum problema quando o apresentador da Fox News, Brian Kilmeade, na semana passada, ao vivo, propôs a “eutanásia involuntária” dos sem-teto – em suma, uma conclamação genocida, transmitida para milhões de pessoas, sem responsabilização ou repreensão.
Ainda na quinta-feira, Trump ameaçou cassar as licenças das emissoras que critiquem seu governo. Aos repórteres a bordo do Air Force One o presidente disse ter lido “em algum lugar que as redes estavam 97% contra”ele. “Eu recebo 97% negativo, e ainda assim ganhei facilmente. Ganhei todos os sete estados indecisos, voto popular, ganhei tudo. E eles são 97% contra, eles me dão publicidade totalmente ruim … Quero dizer, eles estão obtendo uma licença, eu acho que talvez a licença deles deva ser retirada.
“Quando você tem uma rede e tem programas noturnos e tudo o que eles fazem é bater em Trump. Eles são licenciados. Eles não têm permissão para fazer isso”, disse Trump, acrescentando que a “decisão” seria deixada para o chefe da FCC, Carr, peça-chave no cancelamento de Kimmel e de Colbert.
Em artigo de opinião, The New York Times advertiu sobre a magnitude do controle sobre a mídia que está sendo tramado pelo trumpismo, apontando que o CEO da Oracle, Larry Ellison, um dos homens mais ricos do mundo e amigo de Trump, “está prestes a se tornar o magnata de mídia mais poderoso da história dos EUA”. Ele já possui uma grande participação acionária na CBS e na Paramount e, segundo o NYT, está sendo preparada uma uma oferta em dinheiro de até US $ 80 bilhões para a Warner Bros Discovery, dona dos estúdios CNN, HBO e Warner Bros.
“O efeito da jogada do Sr. Ellison pode ser tão importante, se não mais, do que o que aconteceu há uma geração, quando Rupert Murdoch … criou o que se tornou a Fox News, intensificando nossa polarização política”.