Pelo tuíte, o presidente Donald Trump asseverou que os EUA estavam “prontos para bombardear o Irã” em retaliação à derrubada de seu drone, mas ele decidiu interromper a ação “10 minutos antes”, ao ser informado de que “150 pessoas morreriam”.
A inusitada mensagem, dado o costume dos presidentes norte-americanos de deixarem um rastro de mortos em terras alheias ao longo do mandato, às vezes da ordem de centenas de milhares ou até milhões, chamou a atenção e suscitou se, na sua disputa pessoal com o antecessor Obama, Trump também não estaria desejoso de ostentar um Nobel da Paz, ou menos, um Nobel da Presidência de Bom Coração.
Para os ímpios e os incrédulos – sim, há gente assim nesse mundo -, uma explicação mais razoável seria a de que alguma informação sensibilizou o órgão responsável pela ternura em Trump, o bolso. Conforme tais rumores malévolos, uma guerra exatamente agora poderia pegar no contrapé algumas das melhores almas deste pequeno planeta, os apostadores de derivativos de petróleo e outros beneméritos de Wall Street. O incidente com o drone espião ocorreu no Estreito de Ormuz, por onde passa um quinto do petróleo vendido no mundo.
Até o “inimigo do povo” The New York Times – essa é a carinhosa forma com que o presidente lúmpen-bilionário se refere ao vetusto jornal – registrou em suas páginas o ato de candura de Trump. A operação estava em andamento, com aeronaves no ar e navios em posição para atacar, quando veio a ordem de suspender, asseverou o NYT.
Conforme @realDonaldTrump, na quinta-feira eles (os iranianos) derrubaram um drone não tripulado que sobrevoava águas internacionais. “Nós estávamos com o gatilho pronto e carregados para retaliar na última noite, em três pontos diferentes quando eu perguntei quantos morreriam”. Um general respondeu a ele que seriam 150. Trump, então, cancelou a ação dez minutos antes do horário previsto para o ataque, supostamente porque “(o ataque) não seria proporcional à derrubada de um drone não tripulado.”
NO GPS
Enquanto o Pentágono alegava que o ataque ao drone teria sido “não provocado, sobre águas internacionais”, na quinta-feira (20) mesmo o ministro das Relações Exteriores iraniano, Mohammed Javad Zarif, apresentou as coordenadas exatas (GPS) da localização da aeronave quanto foi interceptada pela defesa antiaérea, bem dentro do espaço aéreo do país.
Na sexta-feira, o Irã mostrou os destroços do drone espião norte-americano abatido. O comandante da Divisão Aeroespacial do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica do Irã (IRGC), Amir Ali Hajizadeh, fez nova revelação: o Irã se absteve de abater um avião de vigilância eletrônica P-8 com 35 pessoas a bordo que acompanhava o drone que foi derrubado. (Foto de AP)
“Este avião também entrou em nosso espaço aéreo e poderíamos tê-lo alvejado, mas não o fizemos, porque nosso objetivo ao derrubar o drone americano era dar um aviso às forças americanas terroristas”, acrescentou Hajizadeh.
O Irã afirmou ainda, que foram feitas duas tentativas de demover o P-8 do curso de invasão do espaço aéreo, sem resultado, até que veio a ordem de abater o drone, o que ocorreu sobre a província costeira de Hormozgan, perto da região de Kouh-e Mobarak. O drone é uma versão para a Marinha norte-americana do modelo Global Hawk, que pode voar por 30 horas consecutivas.
SEM APETITE
Antes do inesperado surto de contenção do destemperado Trump, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, havia afirmado que “não há apetite para ir à guerra em nosso país”. “Eu não acho que o presidente queira ir para a guerra”. Porém, ela acrescentou que as tensões no Oriente Médio estão altas e disse temer que “um erro de cálculo possa provocar algo muito ruim”. Pelosi disse ainda que “não podemos ser imprudentes naquilo que fazemos, então será interessante ver o que eles (os iranianos) têm a dizer.”
Entre as considerações em análise sobre o “apetite para ir à guerra”, há a questão de que a eleição presidencial será no próximo ano e, como costumam dizer os norte-americanos, “o que poderia dar errado?”
Aliás, horas antes da tuitada da desistência, Trump havia dito, ao receber na Casa Branca o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, que suspeitava que o Irã derrubou o drone norte-americano por engano. “Eu acho que, provavelmente, o Irã cometeu um erro – eu imagino que um general ou alguém cometeu um erro ao abater aquele drone”, Trump a jornalistas . “É difícil acreditar que foi intencional, se você quer saber a verdade. Eu acho que pode ter sido alguém que estava solto e estúpido naquele dia”, acrescentou.
O Irã protestou perante a ONU contra a violação de seu espaço aéreo e reiterou seu direito de defesa, conforme o artigo 51 da Carta da ONU. A ONU pediu “contenção” às partes envolvidas.
UNILATERALISMO INSANO
O agravamento da tensão no Oriente Médio é decorrência da decisão unilateral do governo Trump de romper há um ano o acordo multilateral com o Irã, negociado e assinado por Obama três anos antes, e que Teerã vinha respeitando estritamente conforme a AIEA.
A que se seguiu uma declaração semioficial de guerra econômica total contra o Irã, com Trump proibindo o Irã de exportar seu petróleo, de que depende para comprar tudo o que não produz e ameaçando os importadores com sanções secundárias. Para reforçar sua meta de “zero de exportação de petróleo iraniano”, Trump enviou para o Golfo Pérsico um grupo naval de ataque encabeçado por um porta-aviões nuclear, um esquadrão de bombardeiros B-52 de ataque termonuclear, e há dias, anunciou mais 1.000 soldados.
Antes do incidente do drone, ocorreram no Golfo Pérsico ataques a seis petroleiros e foram denunciados por Teerã como “provocações”, enquanto Washington imputava a culpa ao Irã. Nos últimos meses, a mídia dos EUA tem relatado planos dos maníacos de guerra que encabeçam a política externa norte-americana para atacar o Irã, sob aplausos do governo de apartheid israelense e da ditadura do príncipe saudita MBS. China e Rússia têm condenado a “pressão máxima” de Washington contra o povo iraniano.
A.P.