“Declarar emergência nacional sem uma causa legítima criará uma crise constitucional. Não vamos tolerar esse abuso de poder e vamos combatê-lo”, declarou a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, antes do fim do ato
O presidente dos EUA, Donald Trump, declarou nesta sexta-feira (15) “emergência nacional” para financiar o muro da xenofobia na fronteira com o México, passando ao largo da permissão do Congresso, após na véspera os senadores e deputados terem aprovado orçamento que só dava um quarto da verba que ele exigira, mas evitava novo “fechamento” do governo federal.
De acordo com a mídia dos EUA, a medida, que permitirá acesso a verbas do Pentágono, liberará US$ 8 bilhões de que precisa para, a tempo da eleição do ano que vem, exibir seu muro da xenofobia. Que é a grande promessa de sua campanha e a única “grande obra” até aqui planejada.
A declaração de emergência nacional por Trump já havia sido anunciada na véspera pelo líder republicano no Senado, Mitch McConnell e pela Casa Branca. O ato provoca um conflito entre os poderes nos EUA, e será questionado nos tribunais pela oposição e pelas entidades de defesa das liberdades democráticas. O que foi admitido por Trump no discurso, em que disse acreditar que irá vencer na Suprema Corte.
Além do discurso de Trump sobre as “tremendas quantidades de drogas” que entram pela fronteira do México, o show de xenofobia explícita teve como coadjuvantes familiares de pessoas cujos assassinos foram imigrantes, artifício sempre usado para justificar o racismo – e como se a maioria dos homicídios nos EUA não fossem, ao contrário, cometidos por norte-americanos. A assinatura ocorreu nos Jardins da Casa Branca e logo foi postada no Twitter pela secretária de imprensa Sarah Sanders.
A procuradora-geral de Nova York, Letitia James, antes mesmo do encerramento do ato na Casa Branca, anunciou que vai recorrer à Justiça. “Declarar emergência nacional sem uma causa legítima criará uma crise constitucional”, afirmou. “Não vamos tolerar esse abuso de poder e vamos combatê-lo com todas as medidas legais à nossa disposição”.
“É mais uma demonstração do desprezo do presidente Trump pelo estado de direito”, reagiu a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi. “Isso não é uma emergência, e o temor do presidente não a torna uma”.
O líder da oposição no Senado, Chuck Schumer, considerou a declaração nesse caso de uma emergência nacional “um ato ilegal, um abuso grosseiro do poder da Presidência”. E ainda “uma tentativa desesperada” de desviar a atenção do fato de que prometera que “o México pagaria” pelo muro.
O líder da maioria republicana, McConnell, que dissera anteriormente ao Washington Post ser contra a declaração de emergência nacional para o muro, fez meia volta e anunciou apoio a Trump. Mas, segundo o New York Times, teria dito ao presidente que este teria “duas semanas” para convencer republicanos céticos.
O Congresso pode votar contra a declaração de emergência, mas Trump poderia vetar a decisão – claro, pagando o devido custo político.
Os 35 dias de fechamento do governo Trump – com seu séquito de servidores sem salário, programas sociais suspensos ou abalroados e aeroportos no caos – fizeram sua aprovação nas pesquisas despencar mais um pouco, mas parece que o presidente bilionário resolveu dobrar a aposta, via emergência nacional.
Analistas rechaçam as alegações de Trump de que “outros presidentes” já fizeram antes o uso da “declaração de emergência nacional” – não para contradizer o que o Congresso já decidira.
Em seu discurso nos Jardins da Casa Branca, Trump apelou para os jargões racistas costumeiros: “invasão de nosso país com drogas”, “com traficantes de seres humanos”, “com todos os tipos de criminosos e gangues”, este o retrato que traçou dos “imigrantes”. Ele também alegou uma “crise de segurança nacional em nossa fronteira sul” – uma piada, no país mais armado do planeta e conhecido, ele sim, por invadir os outros países.
Não existe qualquer emergência nacional na fronteira decorrente de suposta “invasão de imigrantes”, o que há é a exacerbação da perseguição aos ilegais – a “tolerância zero” -, que inclusive chegou a gerar o escândalo da separação das famílias e até morte de crianças.
De acordo com a própria Homeland, 400 mil pessoas foram detidas na fronteira sul em 2018, sendo que muitos deles estavam pedindo asilo. Em relação a 2017, houve um pequeno aumento, mas em relação a 2016, até diminuiu. Em relação a 2000, o fluxo pelo sul caiu pela metade. Além disso, os imigrantes ilegais que entram nos EUA pelos aeroportos e portos com visto de turista e depois ficam, é o dobro dos que ingressam pela fronteira sul.
Assim, a violenta estigmatização dos refugiados que chegam pela fronteira do México não passa de racismo escancarado. No início da semana, Trump fez seu primeiro comício do ano, na fronteira, e deu o mote para segurar seu eleitorado: sem o muro para impedir os imigrantes ilegais, que seriam “criminosos”, “traficantes” e “estupradores”, os trabalhadores norte-americanos perderiam seus empregos e enfrentariam escolas e hospitais superlotados. Para os “trabalhadores”, o muro; para os ricaços, aquele corte de US$ 1,5 trilhão em dez anos. É a “arte do acordo” em estado puro.