O presidente Donald Trump 2.0 assinou três ordens executivas no sábado (1º) impondo tarifas de 25% sobre todos os produtos do México e do Canadá, informou o New York Times, bem como uma tarifa de 10% sobre itens da China. A tarifa sobre o petróleo canadense será de 10%.
Ainda segundo o NYT, o tarifaço vigora a partir de terça-feira (4). A declaração de guerra tarifária foi precedida de uma enxurrada de comentários hostis de Trump, com ameaças estendidas ao BRICS e até à União Europeia. A saraivada de tarifas foi imposta sob a Lei de Poderes Econômicos de Emergência, sob alegação de segurança nacional.
Em paralelo, o presidente MAGA também andou gritando aos ventos sua gana de “retomar” o Canal do Panamá, tornar o Canadá “51º estado” norte-americano, “comprar” ou simplesmente afanar a Groenlândia, além de mudar o nome do Golfo do México para “Golfo da America”. Há três décadas, desde Bill Clinton, México e Canadá são os parceiros juniores dos EUA no Nafta, rebatizado como T-MEC.
Para a agência de notícias Reuters, as “agressivas tarifas” irão afetar “mais de US$ 2 trilhões em comércio anual e provocar retaliações dos principais parceiros comerciais dos EUA”. O Financial Times inglês registrou que “Trump ameaça iniciar era de guerras comerciais com novas tarifas”, o que também chamou de “guerra comercial em esteróides”.
China, México e Canadá já advertiram de que “não há vencedores em uma guerra comercial”, tornando evidente que haverá a reciprocidade.
Mesmo dentro dos EUA, há oposição ao tarifaço. “Impor tarifas aos principais parceiros comerciais dos EUA pode afetar o custo e a disponibilidade de tudo, de abacates a aparelhos de ar-condicionado e automóveis, além de desviar o foco de nossas relações para longe do diálogo construtivo”, advertiu Jake Colvin, presidente do National Foreign Trade Council, que representa grandes empresas norte-americanas nas questões de comércio internacional.
Conciso, o Wall Street Journal classificou em editorial a ação de Trump como “a guerra comercial mais burra da história”.
Uma análise do Budget Lab de Yale estimou que as tarifas propostas poderiam aumentar os custos anuais das famílias em cerca de US$ 1.300 (cerca de R$ 7.578).
Se Trump seguir em frente com o tarifaço, as taxas de importação aumentarão de US$ 1,3 bilhão para US$ 132 bilhões por ano sobre produtos do México para os Estados Unidos e de US$ 440 milhões para US$ 107 bilhões sobre as importações do Canadá, de acordo com a empresa de consultoria e impostos PwC.
“Trump está mirando suas novas tarifas no México, Canadá e China, mas elas provavelmente atingirão os americanos em suas carteiras”, denunciou o líder da oposição no Senado, o democrata Chuck Schumer.
“Estou preocupado que essas novas tarifas aumentem ainda mais os custos para os consumidores americanos. Devemos nos concentrar em ser duros contra concorrentes que manipulam o jogo, como a China, em vez de atacar nossos aliados. Se essas tarifas entrarem em vigor, elas aumentarão os preços de tudo, desde mantimentos a carros e gasolina, tornando ainda mais difícil para as famílias de classe média sobreviverem.
“A China se opõe firmemente às novas tarifas de Trump. Não há vencedores em uma guerra comercial ou tarifária, que não serve aos interesses de nenhuma das partes, nem do mundo”, afirmou um porta-voz da embaixada chinesa em Washington. No Fórum Econômico Mundial em Davos, Ding Xuexiang, vice-primeiro-ministro da China, disse que seu país estava buscando uma solução “ganha-ganha” para as tensões comerciais e que queria expandir suas importações.
DECADÊNCIA A OLHOS VISTOS
Na curiosa explicação de Trump sobre a decadência norte-americana, aliás, da ordem global unipolar sob ordens de Washington, é o mundo inteiro que vem tirando proveito dos EUA, moleza que vai acabar com mais tarifas e sanções, os vassalos terão de pagar mais pela proteção da Otan e as corporações norte-americanas estão intimadas a trazer as fábricas de volta para os EUA.
Agora, o império dá uma de chorão, faz de conta que não foram os EUA, os ‘vitoriosos da Guerra Fria’, que impuseram a globalização neoliberal goela abaixo da humanidade e seus valores de egocentrismo e especulação, mas sim os países vítimas que teriam passado o império para trás (China, quem?), apesar das 800 bases e do ‘privilégio exorbitante’ do dólar de que De Gaulle já falava.
Trump asseverou, ainda, que o tarifaço “não era uma tática de negociação”. “Temos grandes déficits comerciais com todos os três”, ele disse durante uma entrevista na quinta-feira na Casa Branca, em que prometeu no futuro aumentar ainda mais as tarifas.
“É muito dinheiro vindo para os Estados Unidos”, gabou-se. Ele prometeu, ainda, para breve, meados de fevereiro, a extensão do tarifaço ao aço,alumínio, cobre, medicamentos e semicondutores.
Acrescentou, ainda, que “o México e o Canadá nunca foram bons para nós no comércio – eles nos trataram de forma muito injusta no comércio. Não precisamos dos produtos que eles têm. Temos todo o petróleo de que vocês precisam. Temos todas as árvores de que vocês precisam”.
‘RESPOSTA IMEDIATA’, PROMETEM OS ATINGIDOS
O primeiro-ministro Justin Trudeau, que Trump prefere chamar de ‘governador’, vem fazendo o que pode diante de toda essa pressão. O Canadá já elaborou uma lista detalhada de produtos dos EUA que poderão ser alvo de tarifas retaliatórias. Ele postou no X, na sexta-feira: “Ninguém – em ambos os lados da fronteira – quer ver tarifas americanas sobre produtos canadenses. Eu me encontrei com nosso Conselho Canadá-EUA hoje. Estamos trabalhando duro para evitar essas tarifas, mas se os Estados Unidos avançarem, o Canadá estará pronto com uma resposta contundente e imediata.”
Nas contas de Ottawa, seriam aplicadas tarifas sobre o equivalente a C$ 150 bilhões (US$ 103 bilhões) em importações dos EUA. “Ser inteligente significa retaliar onde dói”, disse a ex-ministra das Finanças, Chrystia Freeland, que está concorrendo para substituir Trudeau.
“Nossa reação deve ser dólar por dólar — e deve ser direcionada de forma precisa e dolorosa: produtores de laranja da Flórida, produtores de laticínios de Wisconsin, fabricantes de lava-louças de Michigan e muitos outros.”
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, disse que o México também está pronto para responder. “Temos o plano A , o plano B , o plano C para qualquer decisão do governo dos Estados Unidos. É muito importante que os mexicanos saibam que sempre defenderemos a dignidade do nosso povo, o respeito à nossa soberania e o diálogo como iguais, sem subordinação”, acrescentou horas antes de Trump reafirmar que imporia as tarifas. Para ela, a imposição unilateral de tarifas equivale ao arquivamento do T-MEC, mas é preciso insistir no diálogo.
É verdade que o déficit dos EUA com o México e com o Canadá aumentou, ao invés de encolher, como esperava Trump ao substituir o Nafta pelo T-MEC. Que não têm culpa se os EUA está focado em seguir empinando a mais gigantesca pirâmide especulativa de que se tem notícia, ao invés de produzir bens para seu povo e a humanidade, com seu sistema hiperfinanceirizado, e precisando importar de tudo.
O déficit comercial de bens dos EUA com o México aumentou de US$ 106 bilhões em 2019 para US$ 161 bilhões em 2023, o último ano completo para o qual há números disponíveis. Isso ocorre em parte porque o México substituiu a China — envolvida em uma guerra comercial em andamento com os Estados Unidos — como fonte de muitas importações para os EUA: móveis, têxteis, calçados, laptops e servidores de computador, entre outros itens.
O déficit comercial de bens dos EUA com o Canadá também aumentou, de US$ 31 bilhões em 2019 para US$ 72 bilhões em 2023. O déficit reflete em grande parte as importações de energia canadense pelos EUA.
METRALHADORA GIRATÓRIA
Trump aproveitou para ameaçar com tarifas também a União Europeia e o BRICS, o grupo fundado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e que, com as recentes adesões já representa 55% da população mundial e tem um PIB (por paridade de poder de compra) maior do que o do G7.
“Se eu vou impor tarifas à União Europeia? Você quer a resposta honesta ou eu lhe dou uma resposta política? Com certeza. A União Europeia tem nos tratado muito mal”, afirmou Trump a repórteres no Salão Oval na quinta-feira.
O presidente dos EUA já havia criticado a UE por tratar seu país de forma “muito injusta”. Em discurso em Davos, ele acusou os europeus de “dificultarem muito a entrada de produtos na Europa e, ainda assim, esperam vender e vender seus produtos nos EUA”. “Portanto, temos, sabe, centenas de bilhões de dólares de déficit com a UE, e ninguém está feliz com isso”.
Para Trump, os europeus ainda “enfrentaram a Apple no tribunal (…) Ganharam bilhões do Google (…) São empresas norte-americanas e não deveriam estar fazendo isso. Portanto, temos grandes reclamações com a UE”.
O BRICS foi alvo de Trump em uma publicação em sua rede social, a Truth Social, em que ameaçou de retaliações os países do grupo se avançarem em seus planos de desdolarização.
“A ideia de que países do BRICS estão tentando se distanciar do dólar, enquanto assistimos parados, ACABOU. Vamos exigir um compromisso desses países hostis de que eles não criarão uma nova moeda, e nem apoiar outra moeda para substituir o dólar norte-americano”, escreveu o presidente.
Caso contrário, tais países estarão “sujeitos a uma tarifa de 100% e deverão dar adeus às vendas para a maravilhosa economia dos EUA”, acrescentou. “Podem procurar outra nação de otários”.
Como se sabe, o que trouxe a desdolarização para a ordem do dia foram as sanções decretadas contra a Rússia, por resistir à guerra por procuração da Otan na Ucrânia para anexação, ou seja, uma superpotência nuclear de igual porte aos EUA, com confisco de reservas russas em bancos ocidentais e exclusão do sistema de pagamentos global Swift, em resumo, a transformação do dólar em arma.
E é essa ameaça de confisco da riqueza de quem tiver algum clarão de soberania que vem levando o resto da humanidade e em especial as classes abastadas do Sul Global a se perguntarem que, se isso pode ser feito contra a Rússia, então estão todos em risco.
Como explicou o presidente Putin, são os EUA que estão serrando o galho em que estão sentados. E o grande projeto dos BRICS, no momento, é ampliar o intercâmbio comercial e investimentos nas próprias moedas dos seus integrantes.
O PRETEXTO DO FENTANIL
O pretexto alegado por Trump para o tarifaço é a entrada de fentanil, através das fronteiras com o México e o Canadá, produzido a partir de componentes chineses, conforme o NYT.
A propósito, o fentanil é uma invenção da Big Pharma dos EUA, visando aproveitar o mercado de consumo de opioides aberto pela invasão do Afeganistão, e consequente vício pela heroína. Uma droga sintética, que foi ‘panfleteada’ por laboratórios norte-americanos até chegar à atual situação de 100.000 mortes por overdose anuais, um ‘feito’ do hiperprivatizado sistema de saúde dos EUA dificilmente reproduzível em qualquer outro país do mundo.
Além do que é evidente que o México é uma das maiores vítimas desse tráfico de fentanil, que existe em função do ‘mercado consumidor’ fabricado nos EUA da forma que se conhece, e das facilidades nos círculos especulativos de Wall Street para lavar mais branco o dinheiro do tráfico. Uma questão que a China repetidamente tem levantado, embora sempre tentando ao máximo ajudar.