Após algumas semanas em que ex-figurões da CIA e ghost writers de editoriais vêm chamando abertamente o presidente Donald Trump de “traidor” pelas páginas dos principais jornais dos EUA – um nível de confronto no establishment sem precedentes em um século ou mais -, 300 barões da mídia dos EUA, encabeçados pelo New York Times [formalmente pelo Boston Globe] resolveram posar de vítimas do destemperado imperador das tuitadas. A quem acusam de fazer deles, a “imprensa”, o “inimigo do povo”, enquanto Trump diz que a vítima é ele, e que há um “complô” dos “jornais de oposição e suas fake news”.
Nem nos piores dias de Trick Dick Nixon, ou de Cavalo-não-desce-escada W. Bush, a mídia pegou tão pesado. Está uma guerra para decidir quem é quem manda na ‘TrueLieslândia’. Na cara dura, ex-diretores da CIA e o entorno de Hillary decidiram que a eleição não acabou, fabricaram a acusação de “ingerência russa”, e estão tentando fazer crer que há – ou potencialmente poderia vir a haver – um russo embaixo de cada cama e sofá em Washington, todos sósias de Putin, e que os russos é que controlam as redes sociais.
A mesma lenda assevera, com ajuda daquele dossiê que Hillary pagou, que Putin controla Trump porque filmou uma orgia dele em um hotel de Moscou. Logo após a cúpula de Trump com Putin, ex-chefes da CIA passaram, com anuência da mídia, a caracterizá-lo como “traidor” e não mais mero joguete.
Com toda a performance de Trump – o muro, o seqüestro de filhos migrantes, a mudança de embaixada para Jerusalém, o rompimento de acordos, a instauração quase diária de novas sanções unilaterais, os mimos para as corporações e o Pentágono, a xenofobia, a grossura, as trocas de insultos -, não é propriamente difícil antipatizar com o bilionário presidente.
Mas não resolve nada se inebriar pelas loas à liberdade dos principais instrumentos do macartismo 2.0 que está em plena vigência nos EUA há mais de um ano, desde que Hillary Vigarista, a preferida de Wall Street, perdeu para o campeão dos brancos pobres,Trump Tarado, depois de roubar nas primárias democratas de Bernie Sanders.
É quase cômico todo esse cínico “debate” sobre as Fake News e quem é que está propagando as fake news. O que são a meia dúzia de asneiras postadas em algum blog, comparado com as fake news de alto coturno, como aquelas manchetes do New York Times, sustentadas por uma senhora da CIA trabalhando de dentro da redação, que forneceu o cenário das “armas de destruição em massa [wmd] de Sadam” para a invasão de W. Bush ao Iraque, a pilhagem do petróleo, Abu Graib?
Ou as fake news sobre a Líbia, que possibilitaram que o charmoso Obama (Nobel preventivo da Paz) e sua secretária de Estado Hillary, mais os ínclitos Sarkozy e Cameron, arrasassem o país, assassinassem o líder Kadhafi. Ou a guerra contra a Síria, de que a destruição da Líbia foi o prelúdio, ao liberar arsenais de graça para fornecimento aos terroristas, origem do controverso episódio da morte do embaixador em Benghazi (no jargão do Pentágono, um lamentável dano colateral).
Naturalmente, não é sobre as fake news das ‘armas de destruição em massa de Sadam’ que o establishment em Washington quer debater – e menos ainda de que o Russiagate é o “wmd” dos tempos atuais, mas histórias sem pé nem cabeça ou meros xingamentos. A pretexto das fake news, andam aceleradamente trabalhando para censurar a internet, e não faz parte de sua defesa da “liberdade de imprensa” a proteção a Assange ou ao WikiLeks. Já as fake news de Trump, por mais que este se esforce, só fazem sucesso mesmo nos círculos mais racistas da sua torcida, como a dos “estupradores chicanos”.
Ficou de fora da “frente ampla pelo jornalismo” o Washington Post, um dos carros-chefes do macartismo 2.0. Mesma opção do Los Angeles Times. Miami Herald e Chicago Tribune se somaram ao NYT. Mas não o Wall Street Journal, de Murdoch, por não ter as mesmas, digamos, idéias, sobre os palpitantes arranca-rabos que incendeiam o núcleo do império em crise, relacionados a como continuar espoliando o planeta impunemente. Aliás, se “o presidente é traidor”, pode tudo?
A.P.