A confissão pública do presidente Donald Trump de que “eu gosto de petróleo” e de que os EUA recuaram na Síria mas “mantivemos o petróleo” – contundente abordagem que rompe com a costumeira hipocrisia de seus antecessores de que a ocupação é “pela democracia e direitos humanos” -, levou o presidente sírio Bashar al Assad a retrucar que, enfim, um presidente dos EUA “honesto”.
Com ironia, Assad o classificou de “o melhor presidente norte-americano” depois da tuitada – “não porque suas políticas sejam boas, mas porque é o presidente mais transparente … o que pode ser melhor do que um inimigo honesto?”.
Em entrevista anterior Assad havia desancado os “os presidentes Prêmio Nobel da Paz” que sempre se apresentam como “defensores dos direitos humanos e dos valores americanos nobres e únicos”, em vez de “criminosos que representam os interesses dos lobbies americanos”.
Agora, a cínica fachada foi reduzida a escombros pela incontinência verbal de Trump.
“Outras pessoas podem patrulhar a fronteira da Síria … deixe-as – elas estão lutando há mil anos”, acrescentou Trump, o presidente que não resiste aos holofotes via Twitter.
Como registrou a RT, “deixando claro que todos os empreendimentos menos lucrativos, como manter a paz e reconstruir o país devastado, devem ser atendidos por outra pessoa”.
Como salientou Assad, essa é a realidade da política norte-americana. “Todos os presidentes americanos cometem todos os tipos de atrocidades e crimes políticos”.
Os campos de petróleo na província de Deir ez-Zor, a leste do rio Eufrates, foram ocupados pelas milícias curdas apoiadas pelos EUA, à medida que avançavam sobre as forças terroristas do Daesh, mais conhecido no Ocidente como Estado Islâmico.
Quando tropas turcas irromperam no norte, Trump ordenou a retirada de seus ‘conselheiros’ da fronteira entre a Síria e a Turquia, mas rapidamente reviu a operação para manter os campos de petróleo sírio sob ocupação militar direta norte-americana – completamente ilegal sob a lei internacional. Ocupação cujo objetivo é negar o acesso de Damasco a seus recursos naturais, drasticamente necessários para a reconstrução.
CONTRABANDO DE US$ 30 MILHÕES
A pilhagem do petróleo sírio também foi denunciada pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, que afirmou que cada mês, os EUA contrabandeiam petróleo bruto no valor de US $ 30 milhões da Síria.
Como registrou Zakharova, o contrabando de petróleo da Síria é feito pelos EUA não apenas em violação ao direito internacional, mas, ironicamente, em violação de suas próprias sanções unilaterais contra o estado devastado pela guerra.
“Uma nação que repete ad nauseam que se apega aos valores democráticos e ao estado de direito nas relações internacionais, está bombeando petróleo … sob o pretexto de combater o ISIL”, disse a porta-voz, usando uma das siglas pela qual o Estado Islâmico é conhecido.
Trump asseverou que a ocupação dos poços de petróleo sírio seria para “protegê-los” – apesar de Washington asseverar desde março ter destruído o Estado Islâmico e na semana anterior o próprio presidente anunciou a execução do califa Al Baghadi, e até ‘posou’ no Twitter “condecorando um cão” supostamente usado na operação.
O Ministério da Defesa russo divulgou fotos de satélite mostrando a pilhagem do petróleo sob “proteção” de Washington. Numa imagem datada de 8 de setembro, quase três dúzias de caminhões de petróleo são vistos nas proximidades dos campos de petróleo ocupados em Deir ez Zor.
Em Genebra, Suíça, à margem da primeira reunião do recém criado comitê constitucional sírio, o chanceler russo Sergei Lavrov chamou de “arrogante” o plano do regime Trump de manter sob ocupação os campos de petróleo sírio. Ele acrescentou que a própria presença norte-americana em solo sírio é “ilegal”.
PROCESSO DE PAZ AVANÇA
A primeira sessão da Comissão Constitucional Síria, realizada na quarta-feira, traz novas esperanças de que o processo de paz no país árabe avance em águas seguras. Ao final, o vice-presidente da comissão, Ahmad Kuzbari, augurou que a próxima reunião “possa ter lugar em nossa terra natal, em nossa amada Damasco, a mais antiga capital continuamente habitada da história”.
Em nota, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, apoiou o que chamou de “primeiro passo político para acabar com a tragédia do conflito”. Ele conclamou a uma “cooperação de boa fé” entre as partes para uma solução que tenha “um forte compromisso com a soberania, independência, unidade e integridade territoriais do país.”
O atual Enviado Especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, atua como mediador na comissão, que foi criada por iniciativa do Congresso Nacional de Diálogo na Síria, realizado em Sochi em janeiro de 2018, em desdobramento do Processo de Paz de Astana liderado por Vladimir Putin, Recep Erdogan e Hassan Rouhani e depois acolhida pelo então enviado da ONU, Staffan de Mistura.
Com 150 membros, a comissão está igualmente dividida entre representantes do governo de Damasco, da oposição síria e da sociedade civil. Quase 30% dos representantes são mulheres. Na reunião de quarta-feira, cada parte enviou 15 especialistas, que terão a missão de redigir o esboço de uma nova constituição, revisando a de 2012.
O encontro foi a portas fechadas e o vice-presidente da comissão pela oposição, Hadi Al Bahra, manifestou-se otimista de que um acordo político possa ser alcançado no próximo ano, quando a ONU completa 75 anos, para que o país seja reconstruído e milhões voltem à sua terra natal.
Em outro desdobramento, no terreno, Rússia e Turquia deram início na sexta-feira às patrulhas militares conjuntas na faixa de sete quilômetros a partir da fronteira, parte do que Ancara chama de “zona segura” para impedir a ação dos “terroristas”. Segundo o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, as milícias curdas completaram sua retirada – acordada entre Putin e Erdogan – antes da data limite.