Com a eleição intermediária de novembro nos EUA se aproximando, em que está em jogo o controle do Congresso, o picadeiro em Washington vem pegando fogo e a mais recente reação do presidente Donald Trump foi chiar de seu procurador-geral [ministro da Justiça], Jeff Sessions, a quem convocou, numa tuitada, a “olhar para a corrupção do outro lado” – a de Hillary e sua gente: “e-mails apagados, mentiras e vazamentos de Comey, conflitos [de interesse] de Mueller, McCabe, Strzok, abuso do Fisa, Christopher Steele e seu dossiê falso e corrupto”. “Vamos Jeff, você pode fazê-lo, o país está esperando!”, enfatizou.
Conforme a mídia, a semana que se encerrou foi a pior para Trump. Em entrevista à Fox News, que é sua principal sustentação na mídia, Trump chegou a falar sobre a ameaça de impeachment e alertou que poderia “desestabilizar o mercado”. “Vou lhe dizer o que, se algum dia for acusado, acho que o mercado iria despencar. Eu acho que todo mundo ficaria muito pobre … você veria números que você não acreditaria, pelo contrário”.
Voltando ao esfregaço dispensado a Sessions, Trump acrescentou que este havia dito que “não permitiria que a política o influenciasse” apenas porque “não entende o que está acontecendo sob sua posição de comando. Bob Mueller e sua gangue de 17 Angry Dems estão tendo um dia no campo enquanto a verdadeira corrupção não é tocada. Sem conluio!”, conclamou.
MANOBRAS
Manobras bem sucedidas da equipe do ‘investigador especial’ Robert Mueller obtiveram a condenação de Manafort, ex-chefe de campanha de Trump [por evasão fiscal e fraude bancária dois anos antes da eleição], e uma confissão do ex-advogado pessoal do presidente, Michael Cohen, de que comprou o silêncio de duas donas para “influenciar a eleição” e sob “orientação do candidato”. Mueller costuma ser chamado por Trump como “o cara do Obama”.
Além disso, o ex-diretor da CIA John Brennan, logo após a cúpula de Trump com Putin, chegou ao extremo de classificar o presidente como “traidor”, uma ação sem precedentes na história do país, e insinuou inclusive sua remoção [coisa de que a CIA tem notória expertise]. A ponto do ex-diretor nacional de Inteligência, James Clapper, comentar que a “retórica” de Brennan estava se tornando “uma questão em si” e que era “sutil como um trem de carga e diz o que lhe vem à cabeça”. Também nessa semana 300 jornais, capitaneados pelo New York Times, sob pretexto de reclamarem de estarem sendo chamados de “inimigos do povo por Trump”, em letras garrafais expuseram não serem “o inimigo”. Ah, e quem será?
Em entrevista à Fox News em 23 de agosto, Trump culpou Sessions por não assumir o controle do Departamento de Justiça. Este respondeu que seu departamento não seria “indevidamente influenciado por considerações políticas”. Certamente, nada há de “político” na alegação de que Trump só ganhou porque “Putin interferiu nas eleições” e, menos ainda, no macartismo 2.0 (“você conheceu ou conhece algum russo?”).
Dez dias atrás, Trump havia dito que “um procurador-geral de verdade” teria impedido “essa caça às bruxas”. Outro momento de choque foi quando o presidente comparou a sentença de cinco anos de cadeia proferida a uma ex-funcionária da Força Aérea por vazamento de informações com a impunidade de Hillary no escândalo do emailgate, trocando informações confidenciais em servidor privado.
A condenação de Manafort por ter sido marqueteiro na eleição de Viktor Yanukovich na Ucrânia, governo inclusive reconhecido por Washington antes de derrubá-lo, é só para ver se arranca dele alguma coisa contra Trump e, até porque aconteceu dois anos antes da eleição de 2016, não tem qualquer implicação com o suposto “Russiagate”.
Trump o elogiou pela “bravura”, por não ter virado a casaca como Cohen, que teve a empresa da táxi da família vasculhada e chegou à conclusão de que o mais conveniente era chamar um ex-advogado de Bill Clinton [do caso da estagiária] para representá-lo.
COMPRA DE SILÊNCIO
Assim, a investigação da “influência russa na eleição” no momento escorregou para a acusação de que o pagamento de Trump pelo silêncio das duas beldades era para “influenciar a eleição”. E a tentativa de tornar esse ato em algum tipo de ilegalidade, seja como “uso indevido de fundo eleitoral” – embora saído do bolso de Trump -, ou quem sabe, alguma alegação de “obstrução da justiça”.
Na busca de ir ajeitando o laço no pescoço de Trump, Mueller vem atuando. Um amigo de longa data de Trump, o dono da revista que servia de álibi para a compra do silêncio da modelo da Playboy e da atriz pornô, irá falar. A mais recente convocação foi para Allen Weisselberg, apresentado no Wall Street Journal como “chefe das finanças das organizações Trump”, e que recebeu imunidade para fornecer informações sobre o que Cohen disse.
A 73 dias da eleição, o que não vai faltar em Washington é muita marola. Legalmente, Trump não pode ser processado criminalmente enquanto for presidente. A vontade é que, com o desgaste de Trump na mídia, os democratas se aproximem de retomar a Câmara, embora esteja mais difícil no Senado, onde é bem menor o total de republicanos cujo mandato está na reta nesta eleição.
Há gente que não quer esperar tanto, o que não é difícil de entender em se tratando de alguém de tão pouco dotado de empatia e humanidade como Trump. Mas ele não é a crise, ele é o sintoma da crise que aflige o império, depois de quatro décadas de metástase do rentismo, exacerbação da ganância, desindustrialização, guerras pelo petróleo, crash e bailout dos bancos, concentração de renda recorde e, claro, a traição de Obama, e a fraude na primária democrata para barrar Bernie Sanders.
ANTONIO PIMENTA