
O bilionário gestor de fundos de hedge, Bill Ackman, advertiu sobre “um inverno nuclear econômico autoinduzido” e pediu à Casa Branca uma “pausa de 90 dias nas tarifas”, segundo o Wall Street Journal.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, confirmou à Fox Business no início da tarde de terça-feira (8) que as tarifas de 104% dos Estados Unidos contra a China começarão a ser cobradas nesta quarta-feira (9), após Pequim se recusar a se submeter à chantagem tarifária, reiterando que está preparada para lutar “até o fim” em defesa de seus “legítimos interesses nacionais” e exigindo respeito mútuo, com base nas normas internacionalmente acordadas de comércio, a partir da Carta da ONU e da Organização Mundial do Comércio.
A China exerceu o direito internacionalmente reconhecido de espelhar as tarifas decretadas unilateralmente por Trump, 34%, que já aplicara extorsão anterior de 20% a pretexto da crise do fentanyl, também respondida na lata por Pequim.
A propósito, o fentanyl é outra chaga autoinfligida pela Casa Branca e pelo cartel farmacêutico norte-americano, que fabricou um sucedâneo artificial 50 vezes mais potente da heroína, que a invasão do Afeganistão pelos EUA entupiu as ruas norte-americanas, e hoje os mortos anuais por overdose são da ordem de dezenas de milhares.
Mais cedo, Trump postou em sua rede social que estava esperando uma ligação da China para discutir as tarifas, mas isso não ocorreu, como Pequim já avisara e advertindo ainda que numa guerra comercial “não há vencedores”.
Segundo o Wall Street Journal, um magnata norte-americano dos fundos de hedge, Bill Ackman, advertiu sobre um “inverno nuclear econômico autoinfligido”, tentando convencer Trump a adiar por 90 dias o tarifaço. “Autoridades de Trump tentam acalmar mercados apontando para negociações sobre tarifas”, registrou The New York Times, que estampou que ainda que “Wall Street explode de raiva com a ‘estupidez’ tarifária”.
O JPMorgan subiu a chance de recessão de 40% para 60% e de alta da inflação de 2,8% para 4,4%. O Fed de Atlanta, que monitora a economia em tempo real, previu que no primeiro trimestre de 2025 o PIB dos EUA encolherá 0,8% (anualizado), depois de alta de 2,4% no último trimestre no ano passado
Segundo um centro de pesquisa citado pela Reuters, o tarifaço de Trump pode custar US$ 3,1 trilhões à economia dos EUA nos próximos dez anos — um impacto equivalente a US$ 2.100 por família apenas em 2025. Entre os consumidores, segundo a agência de notícias britânica, já há um movimento de estocagem de produtos básicos, por medo da alta nos preços e desabastecimento.
Analistas apontam que no tarifaço desencadeado no primeiro mandato de Trump, 90% das tarifas foram repassadas para as empresas e os consumidores norte-americanos. Estimativa do efeito do tarifaço no preço do Iphone Pro Max considerou que o preço subirá de US$ 1599 para 2300.
No cálculo da Trade Partnership Worldwide, as corporações norte-americanas terão um custo diário entre US$ 1 bi e US$ 2 bi em decorrência do tarifaço. O impasse que será gerado pelo tarifaço também paralisará investimentos, já que não há mais confiança sobre o que o governo Trump pode tirar da cartola de uma hora para outra. Haverá, ainda, perda de mercados por boicotes de consumidores estrangeiros.
Nesse quadro de disputa, as Big Techs norte-americanas também podem se tornar um alvo preferencial de retaliações, como, a propósito, a União Europeia ameaça fazer. Questão já apontada também pela The Economist, que lembrou que nos serviços os EUA têm o maior superávit do planeta, US$ 1,1 trilhão.
Só na exportação de produtos digitais (Netflix, Facebook, Google), há um superávit de US$ 600 bilhões, segundo o economista César Hidalgo, da Tolouse School of Economics. A exportação dos EUA de publicidade digital e computação na nuvem em 2024 foi de respectivamente USS$ 260 bi e US$ 184 bi, mais que a exportação de petróleo e refinados, o maior item.
NA MÃO GRANDE
Para Trump, assim como ele pode ameaçar tomar o Canal do Panamá, o Canadá e a Groenlândia na mão grande, também pode decretar um patamar de sobretarifas que é o maior em um século, e que busca cavar mais fundo do que o do desastre das tarifas Smoot-Hawley da crise de 1929.
O que supostamente permitiria “reindustrializar os EUA”, depois de uma desindustrialização imposta ao mundo inteiro via neoliberalismo, globalização e hiperfinanceirização, no período glorioso do Consenso de Washington e do “fim da história”. Com os monopólios norte-americanos fazendo a farra deslocando fábricas a rodo para o ultramar em busca de salários de fome, em paralelo com a privataria e a extorsão generalizada.
O que, como se sabe, após quatro décadas de guerras eternas e desvario “unilateral”, deixou o país nessa triste condição que, na cabeça dele, exige o “Make America Great Again”, dado o já indisfarçável declínio.
Daí essa insanidade de a “maior superpotência da história da Humanidade”, “o país mais rico”, a “cidadela iluminada” na colina (da branquitude), agora, pela boca de Trump, alegar que foi o mundo inteiro saqueou os EUA, aliás, a hiperpotência unipolar única e incomparável.
Um pouco mais lúcido, seu vice, JD Vance, admitiu que deu chabu na pilhagem, era para os povos do Sul Global ficarem produzindo coisas elementares, mas eles deram a volta por cima, dominaram a alta tecnologia – e o meio milênio do Ocidente está com as horas contadas.
À Newsweek, Joseph Foudy, professor da Stern School of Business da NYU, questionou a coerência da estratégia de Trump. “Estamos essencialmente brigando com todos os principais países do mundo”, disse Foudy. “Mesmo que acabemos fechando acordos, o nível de acrimônia e o sinal de que os EUA não são mais um parceiro confiável de longo prazo enfraquecem nossa posição.”
“NATUREZA CHANTAGISTA”
O Ministério do Comércio chinês salientou que a imposição pelos EUA das assim chamadas “tarifas recíprocas” sobre a China é “completamente infundada e uma típica prática de intimidação unilateral”.
“A ameaça dos EUA de escalar as tarifas sobre a China é um erro sobre erro e expõe novamente a natureza chantagista dos EUA. A China nunca aceitará isso. Se os EUA insistir nesse caminho, a China lutará até o fim”.
O unilateralismo e a intimidação econômica têm sido “amplamente rejeitados pela comunidade internacional”, reafirmou o porta-voz da diplomacia chinesa, Lin Jian.
“Priorizar o ‘Estados Unidos primeiro’ [o lema político de Trump], em detrimento das normas internacionais, prejudica a estabilidade da produção e da cadeia de suprimentos global, afetando seriamente a recuperação econômica mundial”, ele concluiu.
Para o diretor do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros da Universidade Renmin, Wang Wen, “se for uma questão de quem aguenta mais dor, a China não vai perder. Os Estados Unidos precisam mais da China do que a China dos Estados Unidos. As fábricas chinesas fabricam componentes que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Outros países comprarão produtos da China e os revenderão aos Estados Unidos”.
GUERRAS E CORTE DE IMPOSTOS DE RICAÇOS EXPLICAM OS DÉFICITS CRÔNICOS
A arenga mentirosa de Trump de que o mundo inteiro “está roubando os EUA” foi desmascarada pelo respeitado economista norte-americano Jeffrey Sachs. “O déficit comercial americano é o resultado de déficits orçamentários cronicamente grandes resultantes de cortes de impostos para os ricos, combinados com trilhões de dólares desperdiçados em guerras inúteis”, ele destacou.
Em 2024, os EUA exportaram US$ 4,8 trilhões em bens e serviços e importaram US$ 5,9 trilhões em bens e serviços, levando a um déficit em conta corrente de US$ 1,1 trilhão, assinalou Sachs. “Esse déficit de US$ 1,1 trilhão é a diferença entre os gastos totais dos Estados Unidos em 2024 (US$ 30,1 trilhões) e a renda nacional dos Estados Unidos (US$ 29,0 trilhões). Os Estados Unidos gastam mais do que ganham e tomam emprestado do resto do mundo a diferença, apontou.
Por sua vez, o déficit orçamentário está atualmente em torno de US $ 2 trilhões de dólares, ou cerca de 6% da renda nacional dos EUA. Portanto, não há como a balança comercial dos EUA não estar em desequilíbrio crônico.
Mas, observa Sachs, o déficit orçamentário não se deve aos salários dos funcionários públicos, que estão sendo demitidos arbitrariamente, ou aos gastos do governo com P&D, dos quais depende a prosperidade futura, mas “sim à combinação de cortes de impostos para os ricos e gastos imprudentes nas guerras perpétuas dos Estados Unidos. Financiamento dos EUA para as guerras ininterruptas de Israel, as 750 bases militares americanas no exterior, a inchada CIA e outras agências de inteligência e pagamentos de juros sobre a crescente dívida federal”.
CONSUMO INTERNO DA CHINA PARA COMPENSAR RISCOS TARIFÁRIOS
O jornal China Daily assinalou, citando economistas, que o forte potencial de consumo interno da China e as estratégias de investimento concentradas nas pessoas estão bem posicionadas para combater os riscos apresentados pelos aumentos de tarifas.
“Embora a economia da China enfrente desafios, o céu não está caindo”, disse Chen Wenling, ex-economista-chefe do Centro de Intercâmbio Econômico Internacional da China, que afirmou que a economia “permanece robusta e capaz de enfrentar tempestades”.
“A economia da China tem mantido uma trajetória de crescimento estável nas últimas décadas, e sua enorme escala econômica tem servido como um poderoso amortecedor contra pressões externas”, disse Chen.
Este ano, o país asiático está redobrando os esforços para impulsionar a demanda interna, tanto nos gastos do consumidor quanto no investimento real, para sustentar seu crescimento. Os formuladores de políticas estabeleceram a relação entre déficit e PIB no nível mais alto já registrado.
Ao colocar a demanda interna em primeiro lugar, a China pode criar um modelo de crescimento econômico mais estável e autossustentável que seja menos vulnerável aos fluxos comerciais globais voláteis, disse Chen.
Li Daokui, diretor do Centro Acadêmico de Pensamento e Prática da Economia Chinesa da Universidade Tsinghua, previu que a taxa de crescimento econômico anual da China em 2025 “certamente será mais rápida do que no ano passado”.
“Várias vezes, vimos que todos os esforços das nações ocidentais para erguer barreiras comerciais, impor bloqueios tecnológicos ou empregar outros meios de pressão contra a China falharam consistentemente em atingir os objetivos desejados”, lembrou Li, que citou o sistema operacional da Huawei, o HarmonyOS, e a startup de inteligência artificial DeepSeek, como exemplos. Longe de impedir o progresso chinês, as pressões externas catalisaram um aumento na autossuficiência e na inovação interna.