Casa Branca impôs nome e governo brasileiro engoliu, abrindo mão de seu candidato. Tradição de 60 anos de presidências latino-americanas do órgão foi rompida
A posição do governo brasileiro na eleição do novo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) neste fim de semana não é só anti-América Latina e pró-America do Norte. Ela é pura adesão a Trump.
O nome do cubano-americano Mauricio Claver-Carone, apoiado pelo Planalto, representa o trumpismo mais retrógrado e obscurantista. Carone esteve à frente do programa América Cresce e é um agente ativo da Casa Branca em sua luta desesperada contra a hegemonia econômica da China.
O episódio do telefonema de Guedes a Steven Mnuchin para falar da eleição revela bem a que nível chegaram as relações entre os Brasil e EUA depois que Bolsonaro chegou ao Planalto.
Em junho Paulo Guedes liga para o secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, para informar o nome do empresário Rodrigo Xavier, indicado por ele para o cargo. Pelo rodízio tradicional entre países latino-americanos, o Brasil tinha grande chance na disputa.
A resposta do americano foi lacônica. “A questão já está decidida. O indicado será Mauricio Claver-Carone”. Guedes calou-se e, imediatamente, Bolsonaro abriu mão do nome brasileiro e passou a apoiar a indicação de Trump.
“A questão já está decidida. O indicado será Mauricio Claver-Carone”, disse o Secretário do Tesouro dos EUA
Desde que foi fundado, fruto de gestões do presidente Juscelino Kubitschek, em 1959, o presidente do BID, que tem sede em Washington, é um latino-americano.
“O acordo de fundação no BID se deu nesse ambiente de Guerra Fria. O Brasil usou de maneira inteligente sua relação com os EUA e foi uma vitória para a região. Ficou acertado que a sede seria em Washington e o presidente sempre latino-americano”, afirmou Claudio Puty, ex-secretário Internacional do Ministério do Planejamento e professor da Universidade Federal do Pará.
Claudio Puty, que foi representante do Brasil no BID, acredita que a eleição de Claver-Carone, único candidato registrado para a eleição deste sábado, confirma que o Brasil abriu mão de sua liderança. “Desmontamos todas as instituições de articulação regional”, disse ele.
Para o professor, o enfraquecimento da posição brasileira é anterior ao governo Bolsonaro, já que “os governos do PT tampouco apresentaram um candidato brasileiro para ocupar a presidência”. Em sua opinião, o que está ocorrendo agora é um agravamento da situação.
A decisão de Bolsonaro de apoiar o nome de um norte-americano para o cargo rompe uma tradição de 60 anos do BID e consolida o seu alinhamento automático com os Estados Unidos de Donald Trump. Significa também a renúncia por parte do governo brasileiro a qualquer tipo de liderança regional.
A decisão brasileira, além de ser prejudicial ao Brasil, enfraquece ainda mais o seu peso no Mercosul. O reconhecimento por parte dos EUA passou a ser prioritário na política externa do Brasil. Nenhuma articulação com os europeus foi feita pelo Brasil.
“O BID é muito importante como âmbito onde são definidas regras de investimentos para toda a região. Pode ajudar os americanos na disputa com os chineses”, opinou Feliciano de Sá Guimarães, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
O Mercosul unido teria conseguido impedir a eleição de Claver-Carone. Um dos temores que existe entre funcionários e autoridades do BID é justamente que a instituição se transforme numa ferramenta de política externa do governo Trump em sua guerra contra a China.
A eleição do BID é neste sábado (12). Os EUA têm 30% dos votos, enquanto o Brasil tem 11%, o segundo maior participante. Para vencer, é preciso alcançar a maioria dos votos e ter 15 dos 26 apoios regionais.
Caso seguisse a habitual rotação com presidentes de países que ainda não presidiram o BID, candidatos do Brasil ou da Argentina seriam os com mais chance de receber apoio significativo na disputa deste ano.
O Brasil pretendia disputar mas foi enquadrado por Trump. O presidente americano, mais uma vez, indicou que seus interesses são muito mais importantes do que qualquer tipo de aliança com outros países.
O mandato do presidente do BID é de cinco anos e, portanto, a linha-dura de Carone permaneceria à frente da instituição mesmo que Trump não seja reeleito em novembro.