
No afã de perseguir imigrantes, o regime Trump montou uma universidade falsa, sob auspício do serviço de imigração norte-americano (ICE), e depois de atrair incautos para a arapuca e cobrar milhares de dólares de mensalidade, as vítimas – que chegaram ao país com vistos legítimos – vêm sendo processadas e ameaçadas de expulsão dos EUA.
Desde janeiro, mais de 250 estudantes universitários, principalmente indianos, foram deportados e muitos outros enfrentam processos de expulsão.
A falsa universidade, que atendia pelo nome de Universidade de Farmington, exibia aval do Departamento de Assuntos Regulatórios e de Licenciamento do estado de Michigan e da Comissão de Credenciamento de Escolas e Faculdades Profissionais. Também tinha aval do Programa de Intercâmbio de Estudantes para receber estudantes estrangeiros.
Em janeiro, a operação implodiu, após o jornal Detroit Free Press denunciar o esquema, e o escândalo se propagou a outros jornais. A bem da verdade, não era propriamente uma criação dos aloprados de Trump, porque no governo Obama os caça-imigrantes já tinham inventado uma faculdade fake em Nova Jérsei, estourada em 2016.
‘FALSOS POSITIVOS’
Em suma, os agentes da lei estimulavam e organizavam o que seria uma fraude da lei, supostamente para “prender e deportar estrangeiros que tinham entrado nos EUA com visto de estudante e depois permaneceram ilegalmente”.
O FBI, aliás, costuma fazer coisa parecida, atrai desajustados para sua malha, traça planos para cometerem desatinos, ensina a cometê-los e depois dá ordem de prisão aos “terroristas”. Ajuda na estatística de “eficácia” e garante as verbas fluindo. São os “falsos positivos”.
Em janeiro, quando a bandalheira veio à tona, oito supostos recrutadores da escola, na verdade, funcionários de Tio Sam, foram acusados de conspiração para cometer crimes. Só esses oito haviam atraído pelo menos 600 estudantes.
Embora sempre possa haver alguns que efetivamente hajam tentado burlar a lei para permanecer nos EUA, não há porque não achar que esses estudantes simplesmente acreditassem que era um caminho legítimo para a legalização da permanência e trabalho nos EUA. Ainda mais tendo de pagar US$ 12.000 ou até mais.
“EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL ÚNICA”
Como descreveu a BBC, a Universidade de Farmington se apresentou “como uma instituição nova, rigorosa e seleta, mas global”. Tinha uma presença ativa nas redes sociais e dizia ter como objetivo “proporcionar a estudantes de todo o mundo uma experiência educacional única”.
Talvez a única verdade de toda a fraude estivesse nessa promessa de proporcionar às vítimas “uma experiência educacional única”.
Para enredar os estudantes, não esqueceram sequer de inventar um emblema e um slogan “Scientia et Labor” para sua fraude de universidade. Ainda, os programas acadêmicos oferecidos tinham todas as certificações e autorizações relevantes.
A operação foi condenada pela senadora e pré-candidata à presidência pelos democratas, Elizabeth Warren, que a considerou “cruel e atroz”.
“Esses estudantes apenas sonharam em obter uma educação superior de alta qualidade que os Estados Unidos poderiam oferecer. A ICE os enganou só para deportá-los”, escreveu no Twitter.
Já a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez repudiou o uso de dinheiro público para “aprisionar e deportar estudantes”, em vez de criar mecanismos para investigar “contratos corruptos ou encarceramento em massa”.
ARAPUCA
Conforme os documentos exibidos à Justiça, muitos estudantes haviam se matriculado na arapuca por meio de um programa chamado Formação Prática Curricular (CPT, na sigla em inglês) que permite trabalhar nos EUA. Dado que aparentemente a “instituição” atendia todos os requisitos exigidos, não havia porque os alunos matriculados não acharem que poderiam continuar vivendo legalmente em solo norte-americano.
O que foi observado pelo site Vox, que admitiu a existência de estudantes que não sabiam que estavam violando as normas de visto, já que a universidade tinha legitimidade e contava com todas as credenciais oficiais relevantes.
Também pelo The New York Time, que registrou a opinião do advogado especializado em imigração, Ravi Mannan, de que embora houvesse “alguns” estudantes que soubessem que a universidade seria somente um biombo para manter o status de imigrante, “outros acreditavam que estavam se matriculando em um programa acadêmico legítimo com preço mais acessível”.
Para Mannan, os métodos usados pelo governo para induzir os estudantes a ingressarem na falsa faculdade são “muito questionáveis e problemáticos”.
O governo da Índia, que tem um grande número de cidadãos entre os presos e deportados na operação, divulgou um comunicado pedindo a libertação imediata dos estudantes. A embaixada indiana em Washington até mesmo criou uma linha de telefone para que os estudantes envolvidos possam solicitar assistência consular.
CENTENAS DE MILHARES DE DÓLARES SURRUPIADOS
Para os advogados de defesa, o governo norte-americano se aproveitou de “pessoas vulneráveis que só queriam manter o status migratório” nos EUA, além de ter tomado dessas pessoas milhares de dólares na maior sem cerimônia.
Um dos pontos mais indefensáveis da operação é aonde foram parar as centenas de milhares de dólares pagos pelas vítimas à arapuca forjada pelos secretas da imigração. Conforme a mídia, os custos médios de um curso da graduação eram de US$ 1.000 por mês. O que subia para US$ 2.500 por mês na pós-graduação.
Mas a promotoria alega que até aqui nenhum acusado ou entidade interpelou judicialmente o governo norte-americano por cobrar dos estudantes pela operação fictícia.
Um argumento cínico: na hora da ameaça de deportação, que acusado vai dizer, ‘ei, cadê aquela grana da mensalidade?’
Até porque o pretexto do serviço de imigração é que os estudantes “sabiam” que a escola era uma fraude e que “optaram” por se registrar para permanecer legalmente.
Ao final e ao cabo, parece que o procurador federal Mathew Schneider, que está atuando na perseguição aos estudantes atingidos pela fraude, acabou dizendo, embora não fosse essa exatamente sua intenção, que o “bem-intencionado programa de visto de estudante internacional também pode ser explorado de jeito abusivo”. Se a fraude forjada pelo regime Trump e seus secretas da imigração não for esse “jeito abusivo”, então o que seria?