A “Revisão da Postura Nuclear” (NPR) do governo Trump, que planeja criar uma nova classe de ogivas nucleares “mais usáveis”, de suposta “baixa potência”, ao mesmo tempo em que ameaça com ataques nucleares países não nucleares, parece sair das cenas do filme “Dr. Strangelove”, a comédia de humor negro de Stanley Kubrick de 1964, sobre o terror nuclear durante a Guerra Fria, em que um general ianque endoida e resolve lançar um ataque à então União Soviética.
Na época, o roteirista não pensou na declaração “eu tenho um botão nuclear maior que o seu”. É a vida superando a arte. Trump assumiu como seu o plano de US$ 1,2 trilhão em 30 anos de Obama para “atualizar” o arsenal nuclear dos EUA e já há rumores sobre retomada de testes.
Conforme o documento, o Pentágono acredita que é possível iniciar uma assim chamada guerra nuclear “limitada” em busca de seus “interesses nacionais”. Concepção rechaçada pelo ex-assessor especial para controle de armas e não proliferação do governo Obama, Jon Wolfsthal, que a considerou baseada no “excepcionalismo” – aquela delirante crença de que os EUA estão acima dos demais países.
“Minha maior crítica da Revisão de Postura Nuclear: diz que estados nucleares não deveriam nem pensar em usar armas nucleares contra nós primeiro porque a escalada não poderia ser controlada, mas assevera que nós podemos usar ogivas nucleares primeiro e então controlar a escalada”, salientou Wolfsthal, chamando a atenção para a “inconsistência”. Segundo ele, a versão final da NPR é bem melhor – ou menos pior – do que o documento original.
Conforme a NPR, foi tomada a decisão de modificar o míssil lançado por submarino Trident D5 para incluir apenas uma parte da ogiva original. Além de desnecessária, Wolfsthal considerou a ideia uma estupidez. “Nós gastamos US$ 5 bilhões por submarino para torná-lo invisível e colocamos muitas ogivas em cada submarino e, portanto, o que eles querem fazer é pegar um míssil, colocar uma pequena ogiva e lançá-la primeiro, então o submarino fica vulnerável a ataque russo”, assinalou.
Ao expandir o escopo de situações em que os EUA responderiam com força nuclear a ataques não-nucleares, o que o NPR faz é ampliar as ameaças de Washington aos países que não se submetem a seu domínio. No caso, o pretexto seria “baixas em massa, danos a infraestrutura crítica e até ciberataques”. Ataque nuclear a nações não-nucleares significa simplesmente esvaziar totalmente os princípios essenciais da não-proliferação (e empurrar todos os países que possam a estruturar o quanto antes suas forças de dissuasão nuclear).
A intensificação das ameaças de guerra nuclear espelhadas pela NPR de Trump tem como pretexto o reforço, pela Rússia e China, dos seus arsenais nucleares, conforme o Pentágono, assim como países como Coreia Popular e Irã.
A Rússia também é mentirosamente dita violar a proibição de 1987 de mísseis de cruzeiro intermediários disparados de terra. Também projetam sobre a Rússia seus próprios planos com ogivas nucleares “usáveis”. Conforme o diretor da Federação dos Cientistas Americanos, Hans Kristensen, “não acho que nenhum adversário – certamente não a Rússia – apostaria que se fizessem algo com armas nucleares de baixa potência, que nós não responderíamos”.
ALEGAÇAO INSANA
Nos think tanks ligados ao Pentágono, também não cessa a apologia da viabilidade de “vencer” uma guerra nuclear, o que nesse insana alegação teria se tornado possível devido à redução do número de lançadores sob os tratados de controle de armas e ainda ao desenvolvimento dos sistemas antimísseis.
Assim, nessa alucinada proposição, o Primeiro Ataque nuclear destruiria a maioria das defesas nucleares da Rússia, e quanto esta tentasse retaliar com o que sobrasse, seus transportadores de ogivas seriam abatidos pelos antimísseis instalados nas suas fronteiras e pelos instalados nas frotas americanas no Mediterrâneo e no Pacífico.
Refletindo esse acirramento do risco de guerra nuclear trazido pela malsinada Doutrina Trump, o “Relógio do Dia do Juízo Final” acaba de ser adiantado em 30 segundos, para dois minutos antes da meia-noite, o mais próximo do apocalipse desde a II Guerra Mundial. O “Relógio” foi criado pelo comitê de diretores do Boletim de Cientistas Atômicos dos EUA em 1947, com a analogia onde a Humanidade está “a minutos para a meia-noite”, onde a meia-noite representa a destruição por uma guerra nuclear.
ANTONIO PIMENTA
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