Em artigo, intitulado “EUA intensificam sua guerra ‘democrática’ pelo petróleo do Médio Oriente”, publicado no último domingo (5), no site The Siker, Michael Hudson (*) denuncia que Donald Trump já havia adiantado planos de retomar controle sobre o petróleo iraquiano. Segundo Hudson, o general Qassem Suleinami estava atrapalhando esses planos dos EUA. Segue o artigo de Michael Hudson.
EUA intensificam sua guerra “democrática” pelo petróleo do Médio Oriente
MICHAEL HUDSON
Os meios de comunicação estão evitando cuidadosamente o que está por trás da aparente loucura americana em assassinar o general da Guarda Revolucionária Islâmica Qassem Suleimani assim que iniciou o Ano Novo. A lógica por trás do assassinato foi uma aplicação da consagrada política global dos EUA e não apenas uma “loucura” da personalidade de Donald Trump ou por uma ação impulsiva. O assassinato do líder militar iraniano Suleimani foi na verdade um ato de guerra unilateral que viola o direito internacional, mas foi um passo lógico numa estratégia americana consagrada. Foi explicitamente autorizado pelo Senado na lei de financiamento do Pentágono aprovada no ano passado.
O assassinato destinava-se a intensificar a presença dos EUA no Iraque a fim de manter o controle das reservas de petróleo da região e apoiar as tropas Wahabi da Arábia Saudita (Isis, Al Quaeda no Iraque, Al Nusra e outras divisões que na verdade são a legião estrangeira da América) para apoiar o controle dos EUA sobre o petróleo do Oriente Próximo como um sustentáculo do US dólar. Isto é determinante para o entendimento da atual política dos EUA e a razão porque ela está em processo de escalada e não de abrandamento.
Participei de discussões sobre esta política quando ela foi formulada há quase cinquenta anos atrás, quando trabalhava no Hudson Instituto e frequentava reuniões na Casa Branca. Encontrava-me com generais em vários debates das forças armadas e com diplomatas nas Nações Unidas. Meu papel era de um economista especializado em balança de pagamentos. Fui especializado durante uma década na Chase Manhattan, na Arthur Andersen e em grupos de estudo da indústria de petróleo e de gastos militares. Estas foram duas das três principais dinâmicas da política externa e da diplomacia americanas. (A terceira preocupação era como travar uma guerra numa democracia em que os eleitores rejeitavam o alistamento após a Guerra do Vietnã.)
A mídia e a discussão pública têm desviado a atenção desta estratégia ao propalar especulações de que o presidente Trump fez isso, não para combater a (não) ameaça de impeachment como uma manobra, ou para apoiar impulsos israelenses por espaço vital (lebensraum) ou simplesmente para render a Casa Branca à síndrome do ódio neoconservador pelo Irã. O contexto real da ação dos neoconservadores foi a balança de pagamentos e o papel do petróleo e da energia como uma alavanca de longo prazo da diplomacia americana.
A DIMENSÃO DA BALANÇA DE PAGAMENTOS
O principal déficit da balança de pagamentos dos EUA tem sido os gastos militares no exterior. Todo o déficit de pagamentos, começando com a Guerra da Coreia em 1950-51 e estendendo-se pela Guerra do Vietname da década de 1960, foi o responsável por forçar a retirada do dólar do ouro em 1971. O problema enfrentado pelos estrategistas militares dos Estados Unidos era como continuar a manter as 800 bases militares dos EUA em todo o mundo e suportar tropas aliadas sem perder a alavancagem financeira dos EUA.
A solução acabou sendo substituir o ouro por títulos do Tesouro dos EUA (IOUs) como a base das reservas dos bancos centrais estrangeiros. Depois de 1971, os bancos centrais estrangeiros tinham pouca opção sobre o que fazer com a sua entrada contínua de dólares, excepto reciclá-los para a economia dos EUA através da compra de títulos do US Treasury.
O efeito dos gastos militares dos EUA no estrangeiro, portanto, não corroeu a taxa de câmbio do dólar e nem mesmo forçou o Tesouro e o Federal Reserve a aumentar taxas de juros para atrair divisas que compensassem as saídas de dólares na conta militar. De fato, os gastos militares estrangeiros dos EUA ajudaram a financiar o déficit do orçamento federal dos EUA.
A Arábia Saudita e outros países do Médio Oriente (OPEP) rapidamente tornaram-se um pilar do dólar. Depois que estes países quadruplicaram o preço do petróleo (em retaliação pelos Estados Unidos quadruplicarem o preço das suas exportações de cereais, um dos pilares da balança comercial dos EUA), os bancos americanos foram inundados com um influxo de muitos depósitos estrangeiros – os quais foram emprestados ao países do Terceiro Mundo numa explosão de empréstimos podres que explodiu em 1972 com a insolvência do México e destruiu o crédito dos governos do Terceiro Mundo durante uma década, forçando-o a depender dos Estados Unidos via FMI e Banco Mundial).
Para coroar tudo, é claro, o que a Arábia Saudita não retém em ativos dolarizados com os seus ganhos na exportação de petróleo é gasto na compra de centenas de bilhões de dólares de armas exportadas pelos EUA. Isto torna a Arábia Saudita uma presa totalmente dependente do fornecimento de peças de reposição e reparações dos EUA. Essa situação permite que os Estados Unidos possam desligar o equipamento militar saudita a qualquer momento, caso os sauditas tentem atuar de modo independente da política externa dos EUA.
Portanto, manter o dólar como moeda de reserva mundial tornou-se um dos suportes principais dos gastos militares dos EUA. Os países estrangeiros não têm de pagar diretamente ao Pentágono por estes gastos. Eles simplesmente financiam o Tesouro e o sistema bancário dos EUA.
O medo do rompimento deste sistema foi uma das principais razões pelas quais os Estados Unidos atuaram contra a Líbia, cujas reservas estrangeiras eram mantidas em ouro, não em dólares, o que instava outros países africanos a seguirem o exemplo a fim de se libertarem da “Diplomacia do Dólar”. Hillary e Obama invadiram-na, agarraram seus estoques de ouro (ainda não temos ideia de quem acabou com esse ouro no valor de bilhões de dólares) e destruiu o governo da Líbia, seu sistema público de educação, sua infraestrutura pública e as demais políticas não-neoliberais.
A grande ameaça aos EUA é a desdolarização, pois a China, a Rússia e outros países procuram evitar a reciclagem de dólares. Sem a função do dólar como o veículo para a poupança mundial – com efeito, sem o papel do Pentágono em criar a dívida do Tesouro que é o veículo para as reservas dos bancos centrais do mundo – os EUA se veriam constrangidos militarmente e portanto diplomaticamente, como acontecia sob o padrão divisas-ouro.
Esta é a mesma estratégia que os EUA têm seguido na Síria e no Iraque. O Irã estava a ameaçar esta estratégia de dolarização e o seu esteio na diplomacia estadunidense do petróleo.
A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO COMO ESTEIO DA BALANÇA DE PAGAMENTOS DOS EUA E DA DIPLOMACIA ESTRANGEIRA
A balança comercial dos EUA é respaldada pelo petróleo e excedentes agrícolas. O petróleo é a chave, porque é importado por empresas americanas quase sem nenhum custo para a balança de pagamentos (os pagamentos acabam nas administrações da indústria do petróleo como lucros e pagamentos à gestão), ao passo que os lucros nas vendas das empresas petrolíferas dos EUA a outros países são remetidos para os Estados Unidos (via centros de evasão fiscal offshore, durante muitos anos a Libéria e o Panamá).
E, como observado acima, os países da OPEP foram instruídos a manter suas reservas oficiais na forma de títulos dos EUA (ações e títulos, bem como títulos de dívida do Tesouro, mas não a compra direta de empresas dos EUA consideradas economicamente importantes). Financeiramente, os países da OPEP são estados clientes da Área do Dólar.
A tentativa americana de manter essa situação explica a oposição dos EUA a quaisquer medidas de governos estrangeiros para reverter o aquecimento global [NR] e as alterações do clima causadas pela dependência mundial do petróleo, patrocinada pelos EUA. Quaisquer ações da Europa e de outros países que reduzisse a dependência das vendas de petróleo dos EUA e, portanto, a capacidade de os EUA controlarem a torneira global do petróleo como um meio de controle e coação, são encaradas como atos hostis.
O petróleo também explica a oposição dos EUA às exportações de combustíveis da Rússia via [o oleoduto] Nordstream. Os estrategistas dos EUA querem tratar a energia como um monopólio nacional dos EUA. Outros países podem se beneficiar, da mesma maneira que a Arábia Saudita tem feito – enviando seus excedentes para a economia dos EUA – mas não para suportar o seu próprio crescimento econômico e sua diplomacia. O controle do petróleo implica, portanto, apoio ao continuado aquecimento global [NR] como parte inerente da estratégia dos EUA.
COMO UMA NAÇÃO “DEMOCRÁTICA” PODE TRAVAR GUERRA
A Guerra do Vietname mostrou que as democracias modernas não podem montar exércitos para qualquer grande conflito militar, porque isto exigiria um alistamento de seus cidadãos. Isto levaria qualquer governo que tentasse tal projeto a ser votado para fora do poder. E sem tropas não é possível invadir um país para conquistá-lo.
O corolário desta percepção é que as democracias têm apenas duas opções quando se trata de estratégia militar: Elas só podem empregar poder aéreo, bombardeando os oponentes; ou elas podem criar uma “legião estrangeira”, ou seja, contratar mercenários ou apoiar governos estrangeiros que providenciem este serviço militar.
Aqui, mais uma vez, a Arábia Saudita desempenha um papel decisivo, através do seu controle dos Wahabi Sunita [wahabi é a religião oficial da Arábia Saudita], transformados em terroristas jihadistas, dispostos a sabotar, bombardear, assassinar, explodir e combater qualquer alvo designado como um inimigo do “Islão”, o eufemismo para a atuação da Arábia Saudita como estado cliente dos EUA. [a religião realmente não é a chave; não sei de nenhum ISIS ou ataque Wahabi semelhante a alvos israelenses.]
Os Estados Unidos precisam que os sauditas forneçam ou financiem wahabistas loucos. Assim, além de desempenharem um papel chave na balança de pagamentos dos EUA pela reciclagem dos seus ganhos com a exportação de petróleo em ações, títulos e outros investimentos nos EUA, a Arábia Saudita fornece mão-de-obra apoiando os membros Wahabi da legião estrangeira americana, o ISIS e Al-Nusra/Al Qaeda. O terrorismo tornou-se o modo “democrático” da política militar dos EUA.
O que torna a guerra do petróleo da América no Médio Oriente “democrática” é que esta é a única espécie de guerra que uma democracia pode travar – uma guerra aérea, seguida por um exército terrorista odioso que dispensa as “democracias” de colocar em campo o seu próprio exército no mundo de hoje. O corolário é que o terrorismo se tornou o modo “democrático” de fazer a guerra.
Do ponto de vista dos EUA, o que é uma “democracia”? No vocabulário orwelliano, significa qualquer país que apoie a política externa dos EUA. Bolívia e Honduras tornaram-se “democracias” desde seus golpes, juntamente com o Brasil. O Chile, sob Pinochet era uma democracia de livre mercado no estilo Chicago. O mesmo acontecia com o Irã sob o xá e a Rússia sob Yeltsin – mas não a partir do momento que elegeu o presidente Vladimir Putin, tal como a China sob o presidente Xi.
O antônimo de “democracia” é “terrorista”. É assim que eles tratam uma nação disposta a combater para se tornar independente da “democracia” neoliberal dos EUA. Isto não inclui os exércitos por procuração dos EUA.
O PAPEL DO IRÃ COMO INIMIGO DOS NORTE-AMERICANOS
O que obstaculiza a dolarização, o petróleo e a estratégia militar dos EUA? Obviamente, a Rússia e a China têm sido visadas como inimigos estratégicos de longo prazo por buscarem suas próprias políticas econômicas e diplomacia independentes. Mas além desses países, o Irã está na mira dos Estados Unidos há quase setenta anos.
O ódio americano ao Irã começa com sua tentativa de controlar sua própria produção, exportações e ganhos de petróleo. Isso remonta a 1953, quando Mossadegh [Mohammad Mosaddegh foi primeiro-ministro do Irão entre 1951 e 1953] foi derrubado porque pretendia soberania interna sobre o petróleo da Anglo-Persian.
O golpe da CIA-MI6 substituiu-o pelo flexível Xá [Xá Mohammad Reza Pahlevi], que impôs um estado policial para impedir a independência iraniana da política dos EUA. Os únicos lugares físicos livres da polícia eram as mesquitas. Isso fez da República Islâmica o caminho de menor resistência para a derrocada do xá e a reafirmação da soberania iraniana.
Os Estados Unidos chegaram a termos com a independência petrolífera da OPEP em 1974, mas o antagonismo em relação ao Irã estende-se a considerações demográficas e religiosas. O apoio iraniano à sua população xiita e ao Iraque e outros países – enfatizando o apoio aos pobres e a políticas quase-socialistas em vez do neoliberalismo – tornou-o o principal rival religioso do sectarismo sunita da Arábia Saudita e do seu papel como legião estrangeira americana dos Wahabi.
Os EUA opuseram-se ao general Suleimani, acima de tudo, porque ele estava combatendo contra o ISIS e outros terroristas apoiados pelos EUA na tentativa de tomar a Síria e substituir o regime de Assad [Bashar al-Assad] por um conjunto de líderes locais acomodados com os EUA – o velho estratagema britânico “dividir e conquistar”. Na ocasião, Suleimani havia cooperado com tropas americanas no combate contra grupos do ISIS que ficaram “sem controle”, o que significa sem controle dos EUA. Mas todas as indicações são de que ele estava no Iraque para trabalhar com o governo que procurava recuperar o controle dos campos de petróleo que o presidente Trump jactou-se em alta voz de capturar.
Já no início de 2018, o presidente Trump pediu ao Iraque que reembolsasse os EUA pelo custo de “salvar sua democracia” pela derrubada de Saddam. O reembolso era para assumir a forma de Petróleo Iraquiano. Mais recentemente, em 2019, o presidente Trump perguntou: por que não simplesmente agarrar o petróleo iraquiano. O gigantesco campo petrolífero tornou-se o prêmio da guerra do petróleo de Bush-Cheney após o 11 de Setembro. “‘Foi em geral uma reunião muito comum e discreta”, disse a o site “Axios” uma fonte que estava na sala. E então, no final, Trump diz algo provocante, com um sorriso afetado no rosto e diz: ‘Então, o que vamos fazer acerca do petróleo?'”
O artigo da Axios acrescenta: “Na reunião de Março, o primeiro-ministro iraquiano respondeu: ‘O que quer dizer isso?’ segundo a fonte na sala. E Trump diz: ‘Bem, fizemos muito, fizemos muito por lá, gastamos trilhões por lá e muitas pessoas têm falado sobre o petróleo’ “.
A ideia de Trump de que os EUA deveriam “obter algo” de volta os seus gastos militares na destruição das economias iraquiana e síria reflete simplesmente a política dos EUA.
No final de Outubro de 2019, o New York Times informou que: “Nos últimos dias, Trump estabeleceu as reservas de petróleo da Síria como uma nova lógica que pareceu inverter o curso de não enviar centenas de tropas adicionais para o país devastado pela guerra.
Ele declarou que os Estados Unidos “asseguraram” campos de petróleo no nordeste caótico do país e sugeriu que a captura do principal recurso natural do país justifica que os EUA ampliem ainda mais sua presença militar ali. ‘Tomamos e garantimo-lo’, disse Trump sobre o petróleo da Síria durante declarações na Casa Branca no domingo, depois de anunciar a morte do líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi.” Um funcionário da CIA lembrou ao jornalista que tomar o petróleo do Iraque era uma promessa da campanha de Trump.
Isso explica a invasão do Iraque por petróleo em 2003, e novamente este ano, como o presidente Trump disse: “Por que simplesmente não tomamos o petróleo deles?” Também explica o ataque Obama-Hillary à Líbia – não apenas pelo seu petróleo, mas pelo fato da Líbia investir suas reservas estrangeiras em ouro ao invés de reciclar suas receitas excedentes de petróleo em títulos do Tesouro dos EUA – e, é claro, por promover um estado socialista laico.
Explica porque os neoconservadores dos EUA temiam o plano de Soleimani de ajudar o Iraque a reafirmar o controle sobre seu petróleo e a resistir aos ataques terroristas ao Iraque apoiados pelos EUA e pela Arábia Saudita. Foi isso que tornou o seu assassinato um impulso imediato.
Os políticos americanos desacreditaram-se ao começarem a sua condenação de Trump dizendo, como fez Elizabeth Warren, [senadora democrata e pré-candidata à Casa Branca em 2020] quão “má” pessoa era Soleimani, como ele havia matado tropas americanas ao planejar a defesa iraquiana e outras políticas que tentavam repelir a invasão dos EUA para agarrar o seu petróleo. Ela estava simplesmente a papaguear a descrição de Soleimani como um monstro feita pela mídia americana, desviando a atenção da questão política que explica porque ele foi assassinado agora.
A CONTRA-ESTRATÉGIA DOS EUA PARA A DIPLOMACIA DO PETRÓLEO, DO DÓLAR E DO AQUECIMENTO GLOBAL
Esta estratégia continuará até que países estrangeiros a rejeitem. Se a Europa e outras regiões não o fizerem, sofrerão as consequências desta estratégia dos EUA na forma de uma guerra crescente patrocinada pelos EUA por meio do terrorismo, do fluxo de refugiados e da aceleração do aquecimento global [NR] e de condições climáticas extremas.
A Rússia, a China e seus aliados já lideram o caminho da desdolarização como meio de conter a política militar global dos EUA. Mas todo mundo agora está a especular sobre qual deveria ser a resposta do Irã.
A pretensão – ou mais precisamente, o diversionismo – da mídia norte-americana no fim-de-semana foi descrever os Estados Unidos como estando sob ataque iminente. O presidente da municipalidade de Blasio posicionou policias em cruzamentos importantes para nos informar o quão iminente é o terrorismo iraniano – como se fosse o Irã, não a Arábia Saudita, que montou o 11 de Setembro, e como se o Irã tivesse de fato efetuado alguma ação contundente contra os Estados Unidos. A mídia e os tertulianos da televisão saturaram o público com advertências de terrorismo islâmico. Os âncoras da televisão estão simplesmente a especular onde será mais provável o ataque do Irã.
A mensagem é que o assassinato do general Soleimani foi para nos proteger. Como Donald Trump e vários porta-vozes militares disseram, ele havia matado americanos – e agora eles devem estar a planejar um ataque enorme que ferirá e matará muito mais americanos inocentes. Esta posição tornou-se a postura da América no mundo: fraca e ameaçada, exigindo uma forte defesa – na forma de um forte ataque.
Mas qual é o interesse real do Irã? Se é realmente minar a estratégia do dólar e do petróleo, a primeira política deve ser a retirada das forças militares dos EUA do Oriente Próximo, incluindo a ocupação americana dos seus campos de petróleo. Acontece que o ato precipitado do presidente Trump agiu como um catalisador, provocando exatamente o oposto do que ele queria.
Em 5 de Janeiro, o parlamento iraquiano reuniu-se para insistir em que os Estados Unidos saíssem. O general Soleimani era um convidado, não um invasor iraniano. São as tropas americanas que estão no Iraque em violação do direito internacional. Se eles partirem, Trump e os neoconservadores perdem o controle do petróleo – e também da sua capacidade de interferir na defesa mútua iraniano-iraquiana-síria-libanesa.
Para além do Iraque, surge a Arábia Saudita. Tornou-se o Grande Satanás, o defensor do extremismo wahabista, a legião terrorista dos exércitos mercenários dos EUA que lutam para manter o controle das reservas de petróleo e de divisa estrangeira do Oriente Próximo, a causa do grande êxodo de refugiados para a Turquia, Europa e para onde mais puderem fugir das armas e do dinheiro fornecidos pelos apoiadores americanos do Isis, da Al Qaeda no Iraque e das suas legiões aliadas sauditas wahabistas.
O ideal lógico, em princípio, seria destruir o poder saudita. Esse poder jaz nos seus campos de petróleo. Eles já foram atacados por modestas bombas iemenitas. Se os neoconservadores americanos ameaçarem seriamente o Irã, a sua resposta seria o bombardeio e a destruição por atacado dos campos de petróleo sauditas, juntamente com os do Kuwait e xeques aliados do Oriente Próximo. Isto acabaria com o apoio saudita aos terroristas wahabistas, bem como ao dólar americano.
Uma tal atuação seria, sem dúvida, coordenada com um apelo a que os palestinos e outros trabalhadores estrangeiros na Arábia Saudita se levantassem e expulsassem a monarquia e seus milhares de vassalos familiares.
Além da Arábia Saudita, o Irã e outros defensores de uma ruptura diplomática multilateral com o unilateralismo neoliberal e neoconservador dos EUA deveriam pressionar a Europa a retirar-se da OTAN, na medida em que esta organização funciona principalmente como uma ferramenta militar centrada nos EUA na sua diplomacia do dólar e do petróleo e, portanto, opondo-se às políticas de mudança climática [NR] e de confrontação militar que ameaçam tornar a Europa parte do turbilhão dos EUA.
Finalmente, o que podem fazer os opositores à guerra dos EUA para resistir à tentativa de destruir qualquer parte do mundo que resista à autocracia neoliberal dos EUA? Esta foi a resposta mais decepcionante ao longo do fim-de-semana. Eles estão a debater. Não foi útil para Warren, Buttigieg e outros acusarem Trump de agir precipitadamente, sem pensar nas consequências das suas ações.
Esta abordagem evita o reconhecimento de que a sua ação na verdade tinha uma lógica – trace uma linha na areia, para dizer que sim, a América IRÁ à guerra, combaterá o Irã, fará qualquer coisa para defender seu controle do petróleo do Oriente Próximo e ditará à OPEP a política dos bancos centrais, defenderá suas legiões do ISIS como se qualquer oposição a esta política fosse um ataque aos próprios Estados Unidos.
Posso entender a resposta emocional ou ainda novos pedidos de impeachment de Donald Trump. Mas isso é uma óbvia não-solução, em parte porque tem sido obviamente um movimento partidário do Partido Democrata. Mais importante é a falsa e egoísta acusação de que o presidente Trump ultrapassou seu limite constitucional ao cometer um ato de guerra contra o Irã ao assassinar Soleimani.
O Congresso endossou o assassínio cometido por Trump e é totalmente culpado por ter aprovado o orçamento do Pentágono com a remoção pelo Senado da emenda à Lei de Autorização de Defesa Nacional de 2019 que Bernie Sanders, Tom Udall e Ro Khanna haviam inserido na versão da Câmara dos Deputados, explicitamente não autorizando o Pentágono a travar guerra contra o Irã ou assassinar seus responsáveis.
Quando este orçamento foi enviado ao Senado, a Casa Branca e o Pentágono (também conhecido como complexo militar-industrial e neoconservadores) removeram aquela restrição. Era uma bandeira vermelha anunciando que o Pentágono e a Casa Branca realmente pretendiam fazer guerra contra o Irã e/ou assassinar seus responsáveis. Faltou ao Congresso coragem para discutir este ponto no primeiro plano das discussões públicas.
Por trás de tudo isso está o ato do 11 de Setembro de inspiração saudita, que retira o único poder do Congresso de travar guerra – sua Autorização para o Uso da Força Militar, de 2002 (2002 Authorization for Use of Military Force), tirada da gaveta ostensivamente contra a Al Qaeda, mas na verdade o primeiro passo no longo apoio dos Estados Unidos ao próprio grupo que foi responsável pelo 11 de Setembro, os sequestradores sauditas de aviões.
A questão é: como fazer com que os políticos do mundo – EUA, Europa e Ásia – vejam como a política americana de tudo ou nada está a ameaçar novas ondas de guerra, refugiados, interrupção do comércio de petróleo no Estreito de Ormuz e, finalmente, global aquecimento [NR] e dolarização neoliberal impostas a todos os países.
É um sinal de quão pouco poder existe nas Nações Unidas o fato de que não haja nenhum país a clamar por um novo julgamento de crimes de guerra no estilo de Nuremberg, nenhuma ameaça de retirada da NATO ou mesmo de evitar manter reservas sob a forma de dinheiro emprestado ao Tesouro dos EUA para financiar o orçamento militar dos EUA.
(*) Michael Hudson é economista norte-americano, professor de economia na Universidade do Missouri do Kansas e pesquisador do Levy Economics Institute do Bard College
Artigo publicado originalmente em The Saker