
Quem enriqueceu foi os EUA. Geraldo Alckmin lembrou que “de dez produtos que eles mais exportam, oito, a alíquota é zero”. E disse mais, que a tarifa média final de todos os produtos americanos é 2,7%
Donald Trump chegou ao poder no fim do ano passado e início deste ano anunciando como meta de seu governo tornar os EUA grande novamente (MAGA, na sigla em inglês).
Ficou evidente para todo mundo que esse slogan revela claramente que a economia americana está mergulhada numa crise e em franco declínio. O problema é que Trump quer colocar a culpa por essa decadência nos outros e não no fato de que os EUA se transformaram numa economia parasitária, improdutiva e sem indústria.
ÍMPETO DOENTIO
Dizer que o Brasil ficou rico cobrando tarifas dos Estados Unidos, como ele fez em entrevista à Time Magazine nesta sexta-feira (25), além de ser uma mentira deslavada e cínica – típica de Trump – é mais um exemplo desse ímpeto doentio e arrogante do novo ocupante da Casa Branca em atacar os outros para esconder as causas reais do declínio americano. Os EUA viraram o paraíso da agiotagem e os especuladores atualmente estão dentro da Casa Branca.
O planeta inteiro sabe que os EUA inundaram o mundo com dólares e já não produzem mais nem uma fração do que faziam há 50 anos. Importam tudo. Seu déficit comercial com o mundo já passa de um trilhão de dólares.
O déficit de balanço de pagamentos vai pelo mesmo caminho. A dívida pública, também trilionária, já assusta os compradores que se afastam de seus títulos. Principalmente depois das ameaças feitas pelo principal assessor econômico de Trump, Stephen Miran, de congelar os títulos por 100 anos. As famílias e as empresas americanas também seguem devendo muito mais do que sua capacidade de pagamento. Este é o resultado da desastrada crença neoliberal.
CASSINO E JOGATINA
Enfim, os rentistas e a elite neoliberal americana preferiram investir no cassino e na jogatina com derivativos e papéis podres à produção industrial. Sua indústria foi literalmente destruída. Hoje os valores desses derivativos e desses papéis, segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS), são seis a sete vezes maiores do que seu Produto Interno Bruto. O que havia de produção no país foi deslocada para outros países, principalmente Ásia, Canadá e México.
As privatizações dos serviços públicos e da infraestrutura jogaram nas costas dos trabalhadores americanos os custos com Educação, Saúde, Transporte, etc, tornando a mão de obra dos EUA cara e inviabilizando a produção interna. Esta é a causa mais de fundo de sua crise. Os monopólios americanos, em busca do lucro máximo, foram para países onde há os chamados “salários indiretos”, assumidos pelo Estado, e que barateiam a mão de obra.
E esta insistência de Trump em manter os mantras e dogmas neoliberais – principalmente a jogatina mundial com o dólar sem lastro e o arrocho salarial interno – também é o motivo pelo qual diversos especialistas, entre eles, Michel Hudson e Richard Wolf, apontam que a guerra de tarifas do “bufão laranja” não conseguirá reconstruir sua indústria e só trará mais inflação e desemprego. Até porque, ele não está rompendo com o neoliberalismo, pelo contrário, ele quer mais privatizações e mais arrocho.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que apresenta déficit comercial com os EUA. Por isso, inventar que o país “sobrevive” e “ficou rico” com tarifas impostas aos EUA mais parece uma provocação do que qualquer outra coisa. Desde Collor e o plano real, com a valorização artificial da moeda, o Brasil escancarou a sua economia aos produtos e serviços dos EUA.
TARIFAS DO BRASIL SÃO BAIXAS
O próprio vice-presidente Geraldo Alckmin lembrou que “de dez produtos que eles [os EUA] mais exportam para o Brasil, oito, a alíquota é zero”. E disse mais, que a tarifa média final de todos os produtos americanos é 2,7%.
Os EUA estão tarifando o mundo, como se fossem os outros países os culpados pela draga na produção americana. Aliás, ele diz isso textualmente. Ataca o mundo todo, e a China em particular, com tarifas que chegam a 245%, para punir os países que se “aproveitaram” dos EUA.
Há muito tempo os EUA vivem de bolhas artificiais e de valorização do capital sem produção de bens internamente. Seus trabalhadores e sua classe média assistem ao estrangulamento de sua renda. Depende em quase tudo da China, e a “culpa, para Trump, é dos chineses. E, agora do Brasil também.
Impossível convencer alguém dessa versão. No caso da China ainda vai, pois há déficit comercial, mas com o Brasil, com quem os EUA tem superávit, é ainda mais ridículo. Em dez anos os Estados Unidos faturaram R$ 315 bilhões em superávits com o Brasil.
PLANO É AFASTAR A CHINA
Não se pode levar a sério essas afirmações de Trump. Não no sentido de que haja mesmo, como é alegado pelo bufão da Casa Branca, qualquer trama do mundo contra os EUA. É necessário que se faça a leitura correta do que está por trás dessas afirmações. Ele chantageia o mundo todo, afinal, tem o poder do dólar como moeda mundial – bases espalhadas pelo mundo – e depois abre “negociações” onde a exigência que ele faz é que os países rompam relações com a China.
Esse é o plano do país que está perdendo a hegemonia mundial para os chineses. O Brasil, que vem há décadas sendo espoliado pelos EUA, tem a oportunidade, num momento como este, em que o mundo vive mudanças avassaladoras, de se livrar dessa dominação e se integrar plenamente no mundo multipolar que se forma rapidamente na atualidade.
As ameaças de Trump contra o Brasil devem ser vistas como sinal de fraqueza e não de força. Eles estão em crise. E, sempre que os países que dominam o Brasil entram em crise, abrem-se espaços para o nosso crescimento. Foi assim com a crise de 1929 e o colapso da dominação inglesa. Agora é a vez dos EUA se afundarem e, como em 30, é hora de seguir o grande destino traçado por Getúlio.
SÉRGIO CRUZ