Apostando em sua odienta estratégia eleitoral de fazer dos imigrantes os bodes expiatórios de todos os males nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump anunciou que vai manter em detenção indefinida as famílias de imigrantes capturadas na fronteira, crianças incluídas, e ainda ameaçou revogar a 14ª Emenda à Constituição, para tirar dos filhos de imigrantes que nasçam em solo americano a condição de cidadãos.
Em suma, o “enviem-nos de volta” é de fato seu slogan oficial de campanha.
Incapaz de abafar a desaceleração na economia – que muitos já acreditam que irá à recessão -, impasse na sua guerra comercial contra o mundo, crescente oposição interna e queda nas pesquisas, Trump tenta empurrar a eleição para o tema “é o muro, estúpido” e se manter na Casa Branca apelando abertamente para a xenofobia e o racismo.
O interino no comando do Homeland (segurança interna) e dos campos de concentração de imigrantes, Kevin McAleenan, disse na maior desfaçatez, em defesa da investida de Trump, que “uma criança não será mais um passe livre nos EUA para os pais”.
A medida do regime Trump contra as famílias e as crianças anularia o atual limite de 20 dias estabelecido pelos tribunais para proteger o bem-estar das crianças, conhecido como o Acordo de Flores.
Isso permitirá ao governo manter indefinidamente em detenção menores capturados, algo que o regime Trump vem tentando desde o ano passado, depois que uma decisão judicial suspendeu a separação das crianças de seus pais – eram milhares -, após escândalo que chamou a atenção do mundo e causou protestos no país inteiro.
McAleenan admitiu que o objetivo é cassar o acordo de Flores em vigor desde 1997, que, segundo Trump, promove a migração ao supostamente passar a ideia de que os indocumentados que viajam com crianças serão liberados se forem pegos na fronteira.
O arbítrio foi imediatamente repudiado pelas entidades de defesa das liberdades civis e dos imigrantes. Peter Schey, presidente do Centro de Direitos Humanos e Direito Constitucional, que encabeçou a conquista do Acordo de Flores, denunciou que esta medida traz à luz “a cruel indiferença à saúde, segurança e vida das crianças detidas”.
A Anistia Internacional postou: “isso é mais do que cruel. Está além da lógica e da humanidade”. A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) já afirmou que irá à Justiça contra o novo acinte de Trump.
“A negligência e o abuso cruel e constante de crianças migrantes detidas pela ICE (Agência de Imigração e Alfândega) do governo Trump comprovam, sem sombra de dúvida, que as proteções de Flores nunca foram tão críticas quanto hoje”, afirmou o advogado de imigração David Leopold, da America’s Voice.
SEM ESCOVA DE DENTE
A diretora do Comitê Internacional de Resgate (IRC), Jenn Piatt, denunciou que o governo Trump – que argumentou “que as crianças sequer merecem uma escova de dente” nos centros de detenção – busca com a medida “minar as proteções mínimas garantidas por Flores”.
A advogada e ativista advertiu que a cassação do acordo de Flores “só exacerbará as condições perigosas nos centros de detenção revelados recentemente pelo Inspetor-Geral do Homeland”. “Buscar asilo é legal, e ninguém – muito menos crianças – deve ser punido por fazê-lo”.
“O governo precisa de uma aula de história. Flores foi posto em prática porque o governo rotineiramente demonstrou que era incapaz de tratar as crianças imigrantes em detenção, mesmo remotamente bem”, assinalou a dirigente do IRC. Durante décadas no país, crianças imigrantes foram “submetidas a detenções prolongadas com adultos e criminosos não relacionados, simplesmente por buscarem segurança”, denunciou.
AMEAÇA À 14ª EMENDA
Horas depois, Trump – sem ter poder para fazer isso sozinho – ameaçou retirar o direito à cidadania de filhos de imigrantes nascidos nos EUA, que é assegurado pela 14ª Emenda à Constituição.
Em um surto incontido de xenofobia – ainda mais se tratando de um descendente de imigrante – Trump anunciou que estava “olhando para isso [a cidadania inata] muito à sério”.
Continuando, o biliardário disse que “você tem um bebê em nossa terra – ande pela fronteira, tenha um bebê, parabéns, o bebê agora é um cidadão americano. É, francamente, ridículo”.
A cláusula de cidadania inata da 14ª Emenda rejeitou a concepção de que direitos e cidadania derivam de sangue, raça ou status social privilegiado. Foi conquistada e inserida na Constituição em resposta à abjeta e covarde decisão da Suprema Corte de 1857, Dred Scott v. Sandford, que determinou que as pessoas de ascendência africana não eram cidadãos e não tinham direitos democráticos, não importando quanto tempo eles e seus antepassados tivessem vivido nos Estados Unidos.
Como a eleição é no ano que vem, Trump tem tido muita pressa em exacerbar o racismo e chauvinismo de seu eleitorado, que está aceso para pegar o culpado pelo buraco em que estão afundados, depois de décadas de neoliberalismo, desindustrialização e guerras trilionárias, tudo coroado pelo crash de 2008 e o resgate de Wall Street por Obama. Claro, os culpados não são os magnatas, são os horríveis mexicanos, assevera o louro presidente.
POBRE, NUNCA
Antes da decisão de estender às crianças a detenção indefinida da sua política de ‘tolerância zero’, Trump praticamente proibiu a concessão de cidadania a imigrantes pobres ou que imigrantes da América Central possam pedir asilo (cláusula do ‘terceiro país’), negou o direito de asilo aos imigrantes que fogem da perseguição com base em seu status de família – caso das mulheres que fogem da violência doméstica -, e realizou os maiores ataques em uma década a fábricas de processamento de aves no Mississipi.
Mas sempre pode piorar, em se tratando de Trump.
Comunicado da Alfândega e da Patrulha da Fronteira informou que o governo federal dos EUA não vacinará os migrantes antes da temporada de gripe deste ano, apesar de um grupo de médicos ligados a Harvard e Johns Hopkins ter escrito carta ao Congresso norte-americano no início do mês, exigindo uma investigação sobre as condições de saúde nas instalações na fronteira. A taxa de mortalidade de crianças por influenza nos centros de detenção é dez vez maior do que a das crianças norte-americanas.
VAI EMPLACAR?
Se a infâmia vai colar, fica para ser confirmado em novembro do ano que vem. Mas pesquisa realizada em agosto pelo Pew Research Center revelou que 82% dos norte-americanos apoiam melhores condições para os detidos em busca de asilo, enquanto 72% apoiam que pessoas sem documentos tenham o direito de se tornarem cidadãos. Setenta e três por cento dizem que os imigrantes são “tão honestos e trabalhadores quanto os cidadãos americanos”.
Segundo artigo da Reuters de julho, que acredita que “os apelos de Trump aos medos dos brancos sobre raça” poderão em 2020 ter dificuldade maior para emplacar.
Conforme o artigo, o apoio aos imigrantes está aumentando entre todos os americanos. Mudança que é particularmente acentuada entre os brancos. Em comparação com pesquisa de janeiro de 2015 Reuters/IPSOS sobre a questão, agora os entrevistados brancos se mostraram “19 pontos percentuais mais favoráveis a um caminho para a cidadania de imigrantes ilegais e 4 pontos menos favoráveis ao aumento das deportações”, registrou a Reuters.
ANTONIO PIMENTA