Ao receber na Casa Branca alunos sobreviventes, professores e familiares das vítimas do massacre na escola Marjory Stoneman Douglas – ocorrido na última quinta-feira (14) na Flórida – e ainda das tragédias em Columbine (1999) e de Sandy Hooks (2012), o presidente Donald Trump sugeriu nesta quarta-feira (21) que “professores e diretores” sejam autorizados a “portar armas dentro das escolas”.
A audiência foi convocada para dar a Trump a oportunidade de encenar – especialmente em ano eleitoral – que se preocupa com a ‘epidemia de massacres’ nas escolas e que está fazendo alguma coisa contra, ao mesmo tempo em que não abre mão da apologia do cartel do rifle sobre posse e uso irrestrito de armas, tão do agrado do seu eleitorado.
Na semana passada, um ex-aluno de 19 anos invadiu ensandecido a Marjory e matou a tiros de fuzil AR-15 semiautomático 14 estudantes e três funcionários, além de ferir 14. Desde o início do ano, já foram 18 chacinas em escolas nos EUA, em 13 estados.
“SUSTENTAR O FOGO”
“Muita gente será contra” [armar os professores] – admitiu Trump -, “mas muitos serão a favor. O bom é que haverá muita gente apoiando esta ideia”. O desatino na verdade já foi levado antes pela bancada da bala ao parlamento da Flórida, mas foi rechaçado pela Federação de Professores do estado. Na segunda-feira, manifestantes já haviam repudiado diante da Casa Branca a epidemia de massacres nas escolas e também cantaram “ei, ei, NRA (o cartel do rifle), quantos garotos você já matou hoje?”
Nem chega a ser propriamente uma surpresa que quem diz que “meu botão nuclear é maior”, também ache que vai barrar massacres a esmo, causados pela desagregação, desigualdade, brutalização, apologia da guerra e miséria espiritual da sociedade americana, “armando professores e diretores”.
Houve quem tentasse chamar Trump à razão. Como Mark Borden, que no ataque à escola Sandy Hooks perdeu um filho de cinco anos, e cuja esposa é professora. Ele lembrou que os professores já têm responsabilidades demais e “não podem ser sobrecarregados com lidar com psicopatas” e enfrentar alguém que ameaça as pessoas com um rifle. Também contra, o professor Brandon Thompson argumentou que os educadores estão sujeitos à instabilidade emocional e a usar de forma inadequada uma arma, e por isso se deveria manter a proibição atual a armas em escolas e campi.
“MI LAI DE VOLTA”
O massacre da escola Marjory é especialmente simbólico, por se tratar de um atirador com graves problemas mentais, condição já identificada e reiterada nas redes sociais, a quem faltou a assistência médica e social. Ainda assim, ele pôde, conforme a lei da Flórida, comprar um AR-15, arma de guerra, e reeditar numa escola, de forma quase ritual, os morticínios cometidos pelas tropas ianques no mundo inteiro, gratuitos, horripilantes, mas glorificados pela mídia e por Holywood. É Mi Lai de volta ao lar.
A cada novo massacre numa escola – ou num cinema, ou num show -, o establishment busca simplificar o problema, como se fosse – ou não – apenas o “controle de armas’. Mas o cineasta do “Tiros em Columbine”, Michael Moore, que abriu o debate sobre essas tragédias, já reiterou que “há as armas mas não é só as armas”. Ele comparou como há “um montão de armas no Canadá”, mas o número de homicídios é ínfimo. “A cultura canadense é muito similar à nossa, e no entanto as crianças não crescem com o desejo de matar umas às outras”.
Conforme compilação do Washington Post, desde o massacre de Columbine em 1999, 150 mil alunos das escolas primárias e secundárias dos EUA presenciaram um ataque a tiros no seu local de estudo e mais de 400 morreram. No mesmo período, os EUA bombardearam e mataram 10 mil civis na Iugoslávia; mataram meio milhão de crianças no bloqueio ao Iraque e mais de um milhão de civis posteriormente na invasão de 2003, além de Abu Graib, e mataram dezenas de milhares de civis com bombas e drones no Afeganistão. Bombardearam até à destruição a Líbia e assassinaram seu líder, Kadhafi. E mais: organizaram golpes e intervenções em dezenas de países, os mais notórios na Ucrânia, colocando no poder os nazistas, e na Síria, matando quase meio milhão e empurrando um milhão de refugiados para a Europa. Oficializaram a tortura e, com as sanções, tentaram matar pela fome milhões no mundo inteiro. Agora, falam em tornar “mais utilizáveis” as armas nucleares.
Andrew Pollack, que perdeu uma filha, Meadow, no massacre da Marjory, ainda acha que só depende de mais leis anti-armas. “Estou furioso. Deveria ter acontecido um único ataque a tiros em uma escola e deveríamos ter resolvido isso de uma vez”. “Vamos acabar com isso. Eu não vou parar enquanto não acabarmos com isso. Falo por ela porque não está mais aqui”.
A indignação vem se estendendo ao país inteiro e há uma marcha a Washington marcada pelos sobreviventes da Marjory no dia 24 de março. “Os estudantes são o que há de diferente desta vez”, afirmou Kate Kile, da entidade “Mães que Exigem Ação pelo Bom Senso nas Armas”, que se dedica há anos a deter a bancada da bala. Aonde isso vai dar preocupa a senadora democrata estadual da Flórida Lauren Book, que busca um entendimento “bipartidário”. “Há muito pouca margem de erro. Não há muito tempo. E eu acho que há alguns que são incendiários e querem lançar pedras e criar estragos porque têm suas próprias agendas”.
ANTONIO PIMENTA