A entrada na OCDE colocaria em cheque o protagonismo do Brasil entre países subdesenvolvidos, assim como sua participação no Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e no G77 mais a China, grupo de países em desenvolvimento
Depois que Maurício Macri foi apeado do governo argentino pelo bravo povo argentino, sendo substituído pelo peronista Alberto Fernández, Donald Trump mudou de posição e deixou de apoiar preferencialmente a entrada da Argentina para a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – (uma especie de clube de países ricos) e anunciou que o preferido agora é Jair Bolsonaro.
A notícia, divulgada na quarta-feira (15), deixou eufóricos os bolsonaristas que quase choraram quando os EUA excluíram o Brasil na última indicação feita em abril do ano passado. O documento endereçado pelos EUA ao secretário-geral da OCDE na época dizia apoiar apenas os pedidos de acesso da Argentina e da Romênia.
Bolsonaro já havia dado todos os sinais de que queria ser o maior puxa-saco de Trump da América do Sul. Ele terminou seu discurso na abertura da 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 24 de setembro, e foi rapidamente conduzido por seus assessores à “sala GA-200”, para dar uma tietada em Trump, que se encontrava lá.
Segundo os diplomatas que presenciaram o encontro, Bolsonaro entrou na sala e assim que avistou Trump, disse para ele: “I love you”. Como resposta, Bolsonaro recebeu de Trump um: “Que bom te ver de novo”. No início de agosto, Bolsonaro disse que estava “cada vez mais apaixonado por ele [Trump]”.
Quando o secretário de Estado dos EUA, Michael Pompeo excluiu o Brasil da indicação e apontou apenas a Argentina e a Romênia, apesar de toda a bajulação de Bolsonaro, os bolsonaristas entraram em profunda depressão. É que eles, Ernesto Araújo especialmente, tinham anunciado com estardalhaço que Trump iria apoiar Bolsonaro.
Eles estavam certos de que o Planalto, sendo ocupado por bajuladores de Trump, o Brasil passaria a ser o queridinho dos EUA. Na época da negativa, Guedes até tentou disfarçar a humilhação e procurou amenizar o fracasso diante da quebra da promessa de Trump. Disse que a Argentina estava “mais adiantada com a documentação”.
Apesar de toda essa euforia do governo, há uma série de desvantagens na entrada do Brasil no “clube dos ricos”. A primeira delas é que isso tiraria do país a condição conquistada de liderança dos países emergentes. Para o professor de Relações Internacionais e Direito da Ibmec, Vladimir Feijó, ao ser membro da OCDE, “o Brasil passa a ser o último dos primeiros em vez da lógica anterior, em que ele buscava ser um representante dos países em desenvolvimento”, disse.
Por outro lado, essa condição passa a limitar o diálogo brasileiro com as nações emergentes. A entrada na OCDE colocaria em risco o protagonismo do Brasil entre países subdesenvolvidos, assim como sua participação no Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e no G77 mais a China, grupo de países em desenvolvimento.
“É uma perda de décadas de construção de liderança através de uma lógica de construção (hemisfério) sul-sul, do Brasil com os países em desenvolvimento”, disse Feijó. O professor contesta a necessidade do Brasil entrar no órgão. “Os dados estatísticos e as políticas públicas dos países da OCDE não são sigilosos. Um país pode optar por adotar esses tipos de padrões e comportamentos sem ser um membro pleno”, explica.
Mesmo o surrado argumento dos bolsonaristas de que a entrada do Brasil na OCDE traria mais investimentos é questionada por especialistas. Eles apontam uma contradição nesta narrativa. Cinco das dez economias que mais atraem Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) no mundo, entre elas o Brasil e a China, não são membros da organização. O México foi o primeiro país da América Latina a entrar para a OCDE, em 1994, e não viu aumentarem os investimentos.
O que ele viu foi um “fortalecimento na fiscalização” sobre suas políticas econômicas. Ou seja, a OCDE passou a exigir mais arrocho sobre sua população. O Chile também é outro membro do “clube” que eles diziam que “deu certo”. O país era apresentado como grande exemplo sul americano e explodiu recentemente numa das maiores revoltas populares contra o arrocho social da região.
O Brasil já é membro associado de vários conselhos setoriais da OCDE e participa de diversos comitês da entidade, como o de agricultura e investimentos. A parceria foi iniciada em 1994. O país é signatário de 31 instrumentos legais da organização. Um deles é a Convenção de Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Internacionais, ratificada pelo Brasil em 2000.
Ou seja, o Brasil já adota uma série de medidas do órgão sem precisar se submeter às suas exigências. Foi acenar com a adesão formal e a OCDE já começou a pontar que o Brasil “precisará fazer esforços em relação às práticas de governança” para integrar a organização. E o governo Bolsonaro/Guedes, no afã de bajular Trump, já se anteciparam e anunciaram que abrem mão de todos os direitos do Brasil.
Em suma, a adesão pelo governo brasileiro à OCDE representará apenas uma mudança puramente ideológica na política externa, com adesão à hegemonia dos EUA, e implicações nas alianças com países em desenvolvimento. Tudo isso com altos custos.
Vladimir Feijó lembra ainda que “isso terá um custo adicional no nosso orçamento já que o Brasil também terá que contribuir financeiramente para a organização. Isso num momento que o governo corta gastos em saúde e educação”. O valor pago pelo Brasil será proporcional ao seu PIB. A contribuição anual obrigatória do México, por exemplo, é de cerca de US$ 5,5 milhões. Pode-se estimar que a do Brasil, com PIB maior, será superior à mexicana.
Histórico
Criada em 1948, a OCDE foi uma forma que os norte-americanos enxergaram de viabilizar o Plano Marshall, que tinha o intuito de garantir a hegemonia americana na Europa pós-guerra. A entrada em vigor do grupo ocorreu em 1965 e, aos poucos, foi recebendo parceiros e adeptos.
De acordo com a própria OCDE, os que hoje compõe o acordo respondem por 80% do comércio mundial. Com sede em Paris, ela reúne 35 países-membros, a maioria economias desenvolvidas, como Estados Unidos, Japão e países da União Europeia. apesar do ingresso de vários emergentes. Chile e México são os únicos representantes da América Latina.