Em uma chantagem explícita, o presidente dos EUA, Donald Trump, ofereceu-se para incluir o fim da perseguição à diretora financeira da Huawei, Meng Wangzhou, nas “negociações” do que chamou de “o maior acordo comercial com a China” e prontificou-se a intervir junto ao Departamento de Justiça dos EUA, de onde partiu o pedido de extradição, caninamente acatado pelo Canadá.
“Se eu acho que é bom para o país, se eu acho que é bom para o que será certamente o maior acordo comercial já feito – o que é uma coisa muito importante, o que é bom para a segurança nacional – eu certamente intervirei se achar necessário”, disse Trump em entrevista à Reuters.
“Bem, é possível que muitas coisas diferentes aconteçam. Também é possível que seja parte das negociações (comerciais). Mas falaremos com o Departamento de Justiça, falaremos com a China, teremos muitas pessoas envolvidas”, asseverou Trump.
Meng foi literalmente sequestrada pela polícia canadense e retirada do voo de conexão em Vancouver, quando se dirigia de Hong Kong até o México, a pedido de Washington, exatamente no mesmo dia em que Trump se reuniu com o presidente chinês Xi Jinping durante a cúpula do G20 em Buenos Aires.
Ela só foi solta 11 dias depois, sob fiança, e terá de aguardar no Canadá o julgamento do pedido de extradição. Sua libertação só ocorreu após o governo chinês denunciar “a violação dos direitos humanos da cidadã chinesa”, exigir sua “imediata libertação”, ou que o Canadá “aguentasse as consequências”. Até agora, Washington não apresentou qualquer prova das acusações que faz contra Meng.
As famosas “fontes” americanas juram que na ceia com Xi em Buenos Aires, Trump não sabia de nada, mas ao lado dele estava seu secretário de segurança nacional, John Bolton, que sabia do andamento da operação. O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, também no G20, estava a par de tudo. A notícia da prisão só foi divulgada quatro dias depois.
As alegações de Washington são que a Huawei – e Meng – violaram as sanções dos EUA contra o Irã – isto é, leis americanas aplicadas extraterritorialmente de forma ilegal -, ludibriando os bancos, o que constituiria uma “fraude”. Se fosse extraditada e condenada pela “conspiração para enganar bancos”, ela estaria sujeita a pena de até 30 anos.
Ao ser indagado se gostaria de ver a executiva da Huawei extraditada para os EUA, cinicamente Trump disse que queria ver primeiro o que “os chineses pedem”. Ele acrescentou, ainda, que considera preocupantes as acusações contra a empresa gigante chinesa – que acaba de desbancar a Apple como a número dois em venda de celulares.
Se isso já não fosse o bastante, a Huawei também já é a maior empresa do mundo em infraestrutura para telecomunicações e está liderando a criação das redes de alta velocidade 5G. Essas redes são consideradas a base para o desenvolvimento dos carros autônomos, da “Indústria 4.0” e para mais aplicações da Inteligência Artificial e Big Data.
Por incrível coincidência, imediatamente após a prisão de Meng, operadoras de países vassalos ou ocupados pelos EUA, como Japão, Grã Bretanha, Austrália e Nova Zelândia, anunciaram que não iriam adotar a tecnologia chinesa, sob o pretexto de que poderia ter ‘portas do fundo’ que ameaçassem a ‘segurança’.
Se supostamente ter ‘porta dos fundos’ nos equipamentos de alta tecnologia realmente estivesse sendo um empecilho, desde as revelações de Edward Snowden sobre o grampeamento do planeta inteiro pela NSA, as corporações norte-americanas já não venderiam um fone de ouvido.
A mais recente provocação contra a China serve também para mostrar que as razões para a atual guerra comercial desencadeada por Trump vão bem além do déficit comercial e das tarifas.
Washington tenta impedir que, com o programa “Made in China 1925”, o país que é hoje considerado a ‘fábrica do mundo’ se torne um campeão do desenvolvimento da alta tecnologia. E, claro, aqueles amigos todos de Trump em Wall Street consideram que a abertura do sistema financeiro chinês aos banksters ianques é um direito concedido por graça divina, que não deve mais ser adiado.
A primeira audiência de extradição foi fixada para 6 de fevereiro. Os Estados Unidos têm 60 dias a partir da detenção de Meng, em 1° de dezembro, para proporcionar toda a documentação necessária ao procedimento.