
Diplomata sul-africano denuncia que, para fechar acordo comercial, Washington exige de nós “a redução da soberania em determinadas questões”
Um importante diplomata sul-africano disse na terça-feira (29) que o governo Trump estava usando a ameaça de tarifaço de 30% para exigir da África do Sul a revogação das políticas de ação afirmativas, com as quais o país busca atenuar a herança maldita do apartheid e dominação colonial sobre a maioria negra da população, registrou a agência de notícias britânica Reuters.
O tarifaço também é ostensivamente usado como aríete contra a ação da África do Sul de levar Israel à Corte Internacional de Justiça por genocídio em Gaza.
“Claramente, o que nos preocupa é exigir de nós a redução da soberania em determinadas questões para obter esse acordo (comercial)”, disse Zane Dangor, diretor-geral do Departamento de Relações Internacionais e Cooperação. Ele acrescentou que não poderia entrar em detalhes devido a um acordo de confidencialidade.
Em um seminário em Johannesburgo, Dangor disse que seus homólogos dos EUA haviam deixado claro nas reuniões “que há certas coisas que eles esperam da África do Sul, e a BEE estava no topo da agenda”.
As leis BEE do país, criticadas por Trump, oferecem incentivos para que as empresas contratem e promovam pessoas negras e, em alguns casos, exigem uma determinada porcentagem de acionistas negros para a obtenção de licenças.
Com o governo Trump atulhado de rebentos do regime do apartheid na África do Sul, como os bilionários das Big Techs Elon Musk e Peter Thiel, a Casa Branca envolveu-se na proteção às viúvas do racismo, chegando até mesmo a expulsar o embaixador sul-africano, cujo posto segue vago.
Em maio, ao ser recebido na Casa Branca o presidente Ramaphosa, acompanhado de seus ministros brancos do governo de união nacional, desmentiu na maior elegância essas alegações sobre o “genocídio de agricultores brancos”. Inclusive Trump andou oferecendo asilo aos “perseguidos”, enquanto deporta dos EUA gente de cor a rodo. Em suma, o regime Trump tenta usar o tarifaço para açular o racismo na África do Sul e adiar a reforma agrária.
No que depender da África do Sul, haverá negociação – embora a principal exportação sul-africana para os EUA, automóveis, esteja sob a tarifa geral para o setor de 25%. Os EUA são o segundo maior parceiro comercial bilateral da África do Sul, depois da China.
A contraproposta sul-africana prevê US$ 19 bilhões em dez anos para a compra de GNL dos EUA, simplificação das regras para importação de aves norte-americanas e investimento de US$ 3,3 bilhões em indústrias dos EUA, como a mineração. A África do Sul também quer isentar certos setores de tarifas, como a construção naval e o comércio agrícola contra-sazonal, informou o Ministério do Comércio.
O Ministro do Comércio, Indústria e Concorrência, Parks Tau, reiterou que a África do Sul continua comprometida com a conclusão do acordo comercial com os EUA, e aguardando o retorno de “nossos colegas americanos sobre o status final do nosso acordo-quadro.” Segundo ele, a África do Sul não está em uma posição única, já que os EUA “tentam finalizar as negociações com cerca de 185 países ao redor do mundo até sexta-feira”.
Ouvido pelo jornal Citizen, de Johannesburgo, o empresário Donald MacKay questionou se alguém, incluindo Donald Trump, sabe o que acontecerá “na sexta-feira”. Ele disse que provavelmente depende de como Trump se sentirá quando acordar. Ele acha que a tarifa para a África do Sul permanecerá em 30%.
“Espero estar errado, mas não me parece óbvio que haja algo que estejamos oferecendo em troca que preocupe Trump. Ele quer coisas que não têm nada a ver com comércio, como demonstra sua decisão de impor uma tarifa de 50% sobre produtos do Brasil porque o governo não quiz impedir o processo contra o ex-presidente e amigo de Trump, Jair Bolsonaro.”
O acadêmico Ernst van Biljon disse que “recuar não é opção” e convocou os exportadores sul-africanos a diversificarem mercados e estratégias de cadeias de suprimento, inclusive expandindo para as regiões de rápido crescimento da Ásia e do Oriente Médio, acelerando o valor acrescido na fonte para evitar tarifas sobre matéria prima e investindo em ferramentas digitais de cadeias de suprimento para construir flexibilidade e eficiência de custo.
Ele chamou, ainda, a um maior engajamento com o mercado comum africano em constituição (AfCFTA) e alianças mais fortes através dos BRICS. “Se agirmos de forma decisiva, esta crise poderá se tornar um catalisador para reestruturar nossa estratégia comercial e torná-la mais resiliente. Mas o relógio está contando.”