Na avaliação do MPE, ficou com provado que Bolsonaro cometeu crime de abuso do poder político. “Está caracterizado que o candidato à reeleição [Bolsonaro] se valeu da sua situação funcional de presidente da República para, mediante notícias que sabia ou deveria saber serem desavindas da verdade, obter a atenção e a adesão de eleitores”
O julgamento de Bolsonaro por abuso de poder político foi iniciado nesta quinta-feira (22), com a leitura do relatório feito pelo corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e relator do caso, ministro Benedito Gonçalves. Em seguida, o Ministério Público Eleitoral (MPE), os advogados do PDT, partido que propôs a ação, e de Bolsonaro se manifestaram.
O Ministério Público Eleitoral (MPE) reafirmou que Jair Bolsonaro cometeu o crime de abuso de poder político ao mentir sobre o processo eleitoral na reunião com embaixadores, transmitida pela TV Brasil, e se posicionou pela condenação do ex-presidente, que deve perder seus direitos políticos por oito anos.
O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gustavo Gonet, foi o último a falar na sessão e se manifestou pela condenação de Jair Bolsonaro e absolvição de Walter Braga Neto, que foi candidato a vice de Bolsonaro.
O julgamento voltará a ocorrer na terça (27) e na quinta-feira (29). O primeiro a votar será o ministro e relator do caso, Benedito Gonçalves. Em seguida, votarão os ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, a vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, e o ministro Nunes Marques. O último a votar será o presidente do TSE, Alexandre de Moraes.
RELATÓRIO
Durante duas horas o ministro Benedito Gonçalves leu o relatório da ação e fez um resumo do caso em que são relembrados as provas e os depoimentos colhidos ao longo do processo.
“A Procuradoria-Geral Eleitoral ofereceu parecer no qual opina pela parcial procedência da ação, a fim de que seja declarada a inelegibilidade somente de Jair Messias Bolsonaro em razão de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação, e pela ‘absolvição do candidato a Vice-Presidente a quem não se aponta participação no caso”, relatou.
O ministro destacou os argumentos que o levaram a incluir o decreto golpista, encontrado pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Segundo Gonçalves, há “correlação do discurso com a eleição e ao aspecto quantitativo da gravidade”.
Ele apontou que a proposta de alteração do resultado do pleito por Bolsonaro e seus aliados “densifica os argumentos que evidenciam a ocorrência de abuso de poder político tendente a promover descrédito a esta Justiça Eleitoral e ao processo eleitoral”.
“Constata-se, assim, a inequívoca correlação entre os fatos e documentos novos e a demanda estabilizada, uma vez que a iniciativa da parte autora converge com seu ônus de convencer que, na linha da narrativa apresentada na petição inicial, a reunião realizada com os embaixadores deve ser analisada como elemento da campanha eleitoral de 2022, dotado de gravidade suficiente para afetar a normalidade e a legitimidade das eleições e, assim, configurar abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação”, declarou o ministro do TSE.
A inclusão do decreto golpista foi pedida pelo PDT como mais uma prova das intenções de Bolsonaro contra as eleições.
Na leitura do relatório, Gonçalves relembrou as alegações tanto do PDT e de Bolsonaro ao longo do processo, as provas colhidas e os depoimentos feitos ao longo da ação. Ele apontou que a oitiva de Anderson Torres, por exemplo, foi colaborativa com o processo e o ex-ministro respondeu a todas as perguntas.
MPE: BOLSONARO COMETEU CRIME ELEITORAL
O MPE já tinha manifestado sua posição no processo, mas no julgamento pôde reforçar seus argumentos que levam à conclusão de que Jair Bolsonaro cometeu os crimes pelos quais está sendo acusado.
A defesa de Bolsonaro diz que a reunião não tinha caráter eleitoreiro, já que aconteceu antes do período eleitoral e foi feita com embaixadores estrangeiros, que sequer moram no Brasil.
O MPE rejeita essa argumentação e demonstra que Jair Bolsonaro mirava os eleitores brasileiros ao transmitir o encontro na TV Brasil e em suas redes sociais. A reunião ter um “tom oficial” com a presença dos embaixadores “induzia o cidadão a conferir ainda maior verossimilhança às acusações infundadas” contra o sistema eleitoral.
“Conclusão dos autos conduzem que o evento foi deformado em instrumento de manobra eleitoreira, traduzindo em desvio de finalidade”, afirmou o vice-procurador-geral eleitoral.
Gonet repeliu a versão de que a fala de Bolsonaro no encontro estava protegida pela liberdade de expressão. “Um discurso dessa ordem não compõe o domínio normativo da liberdade de expressão”, disse.
No encontro, Bolsonaro voltou a repetir que as eleições de 2018 foram fraudadas em seu desfavor, que o sistema eleitoral brasileiro não era auditável e que a contagem de votos era feita por uma empresa terceirizada. Todos esses pontos foram desmentidos pelo TSE.
“O discurso despertava apoio à posição do presidente da República [Bolsonaro] como candidato acossado por sinistras engrenagens típicas da espécie política à que ele seria estranho”, rebateu o MPE.
“Todo o discurso procurou discutir a errada impressão de que o processo de votação é obscuro, aparelhado para manipulação de resultado e para forjar uma vitória para o adversário [Lula]”, continuou.
“A reunião para propagar notícias falsas e conclusões falaciosas não respondeu a razões de Estado. O intuito foi apenas e nitidamente eleitoreiro”, afirmou o vice-procurador-geral eleitoral
Na avaliação do MPE, “está caracterizado que o candidato à reeleição [Bolsonaro] se valeu da sua situação funcional de presidente da República para, mediante notícias que sabia ou deveria saber serem desavindas da verdade, obter a atenção e a adesão de eleitores. Está caracterizado o uso da função pública para benefício eleitoral indevido”.
Gonet ressaltou que todos os pontos necessários para a caracterização de abuso de poder político estão presentes no processo. “Foi comprovado também uso indevido dos meios de comunicação”, disse.
“O discurso ganhou difusão nacional por meio de sistemas de televionamento público federal e por meio de reprodução nas redes sociais do investigado. O discurso, portanto, também se dirigiu ao conjunto dos eleitores brasileiros”.
BOLSONARO ATACOU A DEMOCRACIA
Além de buscar vantagem eleitoral com a reunião e a transmissão feita na TV Brasil e nas redes sociais, Jair Bolsonaro buscou atacar a democracia ao mentir sobre o processo eleitoral.
“Relançar aos cidadãos proposições que abalam a legitimidade do pelito eleitoral às vésperas da sua realização, que já haviam sido desmentidas, sem a exposição de novas bases que as fundamente, não é contribuir para o progresso das estruturas da democracia, mas é degradá-la ardilosamente pela destruição da confiança de que o sistema depende”, sublinhou Paulo Gustavo Gonet.
“A reunião aconteceu exclusivamente para que fossem ouvidas palavras de desconfiança e descrédito com relação ao sistema eleitoral gerido pelo TSE, com sugestões ainda desmerecedoras lançadas a integrantes da corte”.
As acusações feitas por Bolsonaro já tinham sido desmentidas pelo TSE. Por isso, “não há como acolher o argumento de que o presidente estaria exercendo o direito de liberdade de expressão movido pelo propósito de promover melhorias no sistema eleitoral”.
O Ministério Público Eleitoral afirmou que “não cabe dar socorro à assertivas propositadamente desencontradas da realidade”.
Os atos antidemocráticos de Bolsonaro se revestem de gravidade porque “a desconfiança quanto à fidelidade do resultado apurado à efetiva manifestação de vontade do eleitor é causa de estremecimento do apoio popular à própria existência de eleições”.
Leia aqui a íntegra do relatório do ministro Benedito Gonçalves