TST e MPT condenam pejotização e defendem papel da Justiça do Trabalho na proteção de direitos

Ministro Vieira de Mello Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Em audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, representantes da Justiça do Trabalho, do Ministério Público e de auditores-fiscais, defenderam que a prática da pejotização no mercado de trabalho fragiliza os direitos sociais, compromete o financiamento da Previdência e coloca em risco o futuro do país. Os participantes da audiência também criticaram julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre causas trabalhistas.

A audiência pública debateu o papel da Justiça nas novas relações trabalhistas, como questões relacionadas à “pejotização” e “uberização”, temas que estarão na pauta do STF nos próximos dias.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Vieira de Mello Filho, destacou que a pejotização deixa o trabalhador sem proteção, desamparado na velhice, na doença e em caso de acidente.

“Estamos falando de um fenômeno de grandes e coletivas proporções que afeta todo o sistema público de proteção social em suas múltiplas dimensões. A cidadania e os direitos humanos são atributos da pessoa, e não de empresas. Empresa não tem limite de jornada, não adoece, não tira férias, não se aposenta, não engravida. Estamos trocando direitos por uma liberdade ilusória”, destacou.

Vieira de Mello citou dados do Ministério do Trabalho e Emprego segundo os quais, cerca de 5,5 milhões de trabalhadores migraram do regime da CLT para a contratação como pessoa jurídica entre 2022 e 2025. “Essa mudança gerou perdas estimadas em R$ 70 bilhões para a Previdência Social, R$ 27 bilhões para o FGTS e R$ 8 bilhões para o Sistema S”, disse.

O ministro ressaltou que é competência da Justiça do Trabalho julgar conflitos decorrentes das novas relações de trabalho, e rebateu o argumento de que a flexibilização nos modelos de contratação contribui para gerar mais empregos.

“O que se pretende é que se torne facultativa a contratação pela CLT e se deixe a critério do empregador a escolha de uma ausência de regime, sob o entendimento de que isso gerará liberdade e aumentará o emprego. Mas lei nenhuma aumenta ou diminui emprego. O que gera emprego é crescimento econômico”, afirmou.

“O PJ é aquele que precifica, é aquele que escolhe o momento do trabalho dele, é aquele que oferece o trabalho dele. Eu quero saber se uma criança pedalando uma bicicleta é empreendedora. Porque ninguém está fiscalizando se tem uma criança pedalando uma bicicleta. E ninguém está registrando que tem 13.477 mortes de motoboys por ano neste país. E se juntarmos os últimos anos, nós chegamos a 36 mil. Eu tenho cansado de dizer: isso está acontecendo há mais de dez anos”, denunciou Mello Filho.

Para o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, desembargador Valdir Florindo, “qualquer decisão do Supremo Tribunal Federal sobre temas infraconstitucionais representa, sim, uma intromissão desautorizada e indesejável na competência de outros tribunais, inclusive tribunais superiores”.

“Nenhuma lei, nenhum contrato, nenhuma tecnologia pode situar o trabalhador abaixo do piso definido pelo artigo 7º da Constituição Federal. A essência das relações de trabalho não se altera pela vontade do legislador ou do julgador. Elas simplesmente existem, e, mais cedo ou mais tarde, a realidade se impõe”, afirmou o desembargador.

E questionou: “a propósito, indago, senhores, independentemente do que decida o Supremo Tribunal Federal, quando um juiz se deparar com uma fraude, o que ele deve fazer com ela, nesses casos? Escondê-la em uma gaveta com chave?”.

Rodrigo Castilho, do Ministério Público do Trabalho, ressaltou que o microempreendedor individual e o trabalhador de plataforma são empregados, só a forma de contratação é que muda. “São contratos feitos sob a forma de adesão, nos quais o trabalhador não tem a liberdade de discutir os termos. Portanto, precisam ser regulados”.

“É vendida ao trabalhador essa suposta liberdade. Mas, logo adiante, ele fica na mão. E adiante é o Estado que vai suprir suas necessidades com a Previdência, com a assistência social, se ele ficar numa situação delicada do ponto de vista econômico. Quer dizer, aí não é o mercado, é o Estado. Estado que eles querem tirar dessa regulação, dessa proteção, mas que, lá adiante, é quem precisará garantir a proteção efetiva”, salientou o deputado Alencar Santana (PT-SP).

De acordo com o diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), Tiago Ranieri, “a competência constitucional da Justiça do Trabalho é uma cláusula de proteção democrática, devendo ser preservada diante das novas formas de contratação surgidas em um cenário cada vez mais tecnológico e fragmentado”.

“Limitar a Justiça especializada significa fragilizar a tutela trabalhista e o acesso à justiça, especialmente nos casos em que o reconhecimento de vínculo depende da prova e da análise da realidade concreta”, afirmou.

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