
Na invasão do parlamento os adeptos da revolução colorida levavam cartazes em inglês com palavras de ordem com toda pinta de fabricadas no exterior tais como “Wake Up” e “Youth Against Corruption”
Um protesto no Nepal na segunda-feira contra o bloqueio das plataformas de mídia social determinado pelo governo para que cumprissem a obrigação de se registrarem no país, aliás, já cumprida, por exemplo, pelo TikTok, degenerou num caos violento que se estendeu pela terça-feira (9), com manifestantes invadindo o parlamento e com cartazes em inglês “Wake Up” e “Youth Against Corruption”, renúncia do primeiro-ministro Khadga Prasad Sharma Oli e cenas de fascismo explícito, com casas de dirigentes políticos sendo saqueadas e queimadas, o gabinete do presidente incendiado, e delegacias depredadas. Nos protestos da assim chamada “Geração Z”, já morreram 22 pessoas e centenas ficaram feridas.
Manifestantes vandalizaram a residência do presidente do partido Congresso Nepalês, Sher Bahadur Deuba, em Katmandu, relata ainda o The Himalayan Times. Também foram incineradas as sedes do Partido Comunista do Nepal (Centro Maoísta), no governo, e do Partido Comunista do Nepal (ML).
O atual governo do Nepal é encabeçado pelo Partido Comunista do Nepal (Centro Maoísta) mais os social-democratas do Partido do Congresso; o Partido Comunista do Nepal (ML) está na oposição.
Uma cena foi particularmente nauseante: uma turba invadiu a casa do ex-primeiro-ministro Jhalanath Khanal e a incendiou com a esposa dele, Rajyalaxmi Chitrakar, trancada dentro. Ela foi levada às pressas para um hospital em estado crítico, mas morreu devido às queimaduras, segundo a publicação nepalesa Khabar Hub. Vídeos publicados nas redes sociais a mostraram deitada no chão, com queimaduras no corpo, sendo ajudada por socorristas.
Os vândalos atearam fogo ao gabinete do presidente Ram Chandra Paudel, que precisou ser evacuado, de helicóptero, pelos militares. Mais tarde, o primeiro-ministro Khadga Prasad Sharma Oli comunicou ao presidente sua renúncia, para que o país possa “dar novos passos em direção a uma solução política e à resolução dos problemas”.
Uma agência de notícias asiática divulgou um vídeo mostrando manifestantes nepaleses comemorando a renúncia do premiê Oli dançando nas ruínas de sua residência enquanto o prédio pegava fogo.
Entre as plataformas que se recusaram a cumprir o ordem legal, estão Facebook, Whatsapp, Rumble e X. O atual governo do Nepal é encabeçado pelos comunistas do Partido Comunistas do Nepal (Centro Maoísta), e inclui os comunistas do PCN (ML) e os social-democratas do Partido do Congresso.
Aliás, é difícil imaginar uma “ação espontânea” de caça, de casa em casa, dos líderes do atual governo.
Na terça-feira a suspensão das mídias sociais foi revogada, segundo a Reuters. “Agora elas agora estão operacionais”, disse o porta-voz do Gabinete e Ministro das Comunicações e Tecnologia da Informação, Prithvi Subba Gurung.
Narendra Modi, o primeiro-ministro da Índia, país com laços milenares com o Nepal, dirigiu uma mensagem em que chamou a violência no Nepal de “cortar o coração” e se disse “angustiado que tantos jovens hajam perdido suas vidas. A estabilidade, paz e prosperidade do Nepal são de utmost importância para nós. Eu apelo humildemente para todos os meus irmãos e irmãs no Nepal para que apóiem a paz”.
COMO EM BANGLADESH
À RT, o analista estratégico global Shashi Asthana, ex-Chefe de Infantaria do Exército Indiano, disse que a mesma situação ocorrida no Nepal, quando uma multidão repentinamente se torna violenta, foi observada em países vizinhos, como Sri Lanka e Bangladesh. “É muito cedo para dizer se há mão estrangeira envolvida e em que medida. Mas o fato é que é difícil acreditar que um protesto tão grande seja apenas indígena e que os problemas sejam exclusivamente locais”, disse ele.
O ex-primeiro-ministro Sher Bahadur Deuba e sua esposa, a atual ministra das Relações Exteriores Arzu Rana Deuba, foram violentamente atacados em sua casa por um grupo de manifestantes.
Um vídeo mostra alguém só de cueca sendo arrastado por um bando pela rua e espancado. Perseguido por um bando, o ministro das Finanças, Bishnu Paudel, sofreu chutes, conseguiu correr e depois foi resgatado por populares.
Outro vídeo mostra o ex-primeiro-ministro nepalês Sher Bahadur Deuba, com o rosto sangrando, sentado na grama após ser resgatado pelas autoridades, depois que um grupo invadiu a casa dele e o espancou.
Manifestantes no Nepal atacaram o gabinete do procurador-geral e o Tribunal Distrital de Katmandu, removendo arquivos e queimando-os, de acordo com relatos.
Manifestantes vandalizaram a residência do presidente do Congresso nepalês, Sher Bahadur Deuba, em Katmandu, relata ainda o The Himalayan Times .
Manifestantes atearam fogo no Aeroporto Internacional Gutam Buddha, no município de Bhairahawa, após invadirem e vandalizarem as instalações, relata o The Kathmandu Post. Os manifestantes também teriam incendiado quatro veículos do governo e danificado vários veículos de segurança no aeroporto.
Outra turba invadiu a prisão na cidade ocidental de Dhangadhi, relata o India Today, e centenas de prisioneiros escaparam. O que se repetiu na cidade nepalesa de Lalitpur, com 1500 presos escapando depois que os guardas abandonaram seus postos.
Em outro episódio, três policiais foram brutalmente assassinados por manifestantes após se renderem, informou a mídia local. Primeiro, os manifestantes incendiaram a delegacia e depois arrastaram os policiais para a rua. Apesar de deporem as armas, os três foram espancados até a morte.
Até aqui não foi explicitado a que se refere a acusação dos manifestantes de “corrupção”, além dos cartazes sobre os “nepo kids”, os filhos dos políticos. Manifestantes acusam a polícia de ter usado munição real contra os que tentaram invadir o parlamento na segunda-feira.
TOQUE DE RECOLHER
O presidente Ram Chandra Paudel anunciou que o Gabinete de Oli continuará a funcionar até que um novo conselho de ministros seja formado, conforme a Constituição. O Exército nepalês anunciou que a partir das 22h, horário local, desta terça-feira, está assumindo a segurança para restaurar a calma no país.
O Chefe do Estado-Maior do Exército nepalês, Ashok Raj Sigdel, instou os líderes dos protestos a buscarem uma solução pacífica por meio do diálogo. “É um dever comum de todos normalizar a difícil situação atual e salvaguardar os interesses supremos da nação”, ele assinalou em vídeo. Ele também expressou seu profundo pesar pelos danos à propriedade pública durante os distúrbios e ofereceu suas condolências às famílias das vítimas, de acordo com a mídia local.
Segundo o Times of Índia, a indignação no Nepal seria “contra o sistema político como um todo”, com os manifestantes culpando os três principais partidos políticos do país – dois deles comunistas e um social-democrata – “pela corrupção generalizada, nepotismo e problemas econômicos” e exigindo um “governo de cidadãos [escolhidos a dedo entre os espancadores e piromaníacos], seguido de eleições”.
“A questão de quem lideraria tal governo de cidadãos e o que acontecerá com a Constituição do Nepal de 2015 é delicada. Os manifestantes querem repudiar completamente a Constituição, que foi redigida após muito suor e trabalho, compromissos políticos significativos e acomodação dos interesses dos diversos grupos étnicos, regiões e ideologias do Nepal? Estarão eles dispostos a voltar no tempo e reverter as conquistas arduamente conquistadas pelo Nepal após a guerra civil e o fim da monarquia?”, questionou a publicação.
A prevalecerem essas turbas, seria o segundo país do sul da Ásia com vínculos profundos com a Índia em que, quase do nada, brota uma revolução colorida, como visto não faz tanto tempo, em Bangladesh, e por alegações análogas. Nos últimos tempos, a Índia tem reiterado seus vínculos aos BRICS e ao multilateralismo, apesar das pressões do governo Trump.