O confronto sobre o orçamento da Itália entre o governo de Roma e Bruxelas entrou em novo estágio, com a Comissão Europeia oficialmente declarando-o em “descumprimento particularmente grave” dos compromissos assumidos – isto é, do arrocho imposto por Berlim – e ameaçando com sanções de até 0,5% do PIB italiano. A CE anunciou ainda a abertura de um processo por “gastos excessivos com relação à dívida” contra o governo italiano, o que poderia levar a bilhões de euros em multas.
No próximo sábado (24), o presidente da CE, Jean-Claude Juncker, se reunirá com o primeiro-ministro italiano Giuseppe Comte, na tentativa de um acordo, e a questão também irá a exame na reunião do Eurogrupo em 3 de dezembro. O orçamento italiano deverá ser votado ainda em dezembro, em Roma. A Itália é a terceira maior economia da zona do euro.
Para cumprir com os compromissos da campanha que o elegeu, o governo 5 Estrelas-Liga apresentou em julho à União Europeia uma proposta de orçamento para 2019, com 2,4% do PIB de déficit e que aumentava em oito décimos o déficit estrutural, ao invés do corte em seis décimos prometido pelo governo que as urnas depuseram. Na prática, no lugar do déficit orçamentário que Remzi havia garantido (1,2%), vai ter o dobro, permitindo aumentar gastos sociais, aposentadorias e investimentos.
A CE já havia rejeitado o orçamento, mas o governo italiano rechaçou o arrocho requerido, alertando que era imprescindível tirar a Itália de uma longa década de crise e estagnação. “O governo está consciente de haver eleito uma direção da política orçamentária que não está em linha com as normas do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Foi uma decisão difícil, mas necessária à luz do persistente atraso na recuperação”, assinalou o ministro italiano de Finanças, Giovanni Tria.
“Com o que o governo italiano colocou sobre a mesa, vemos o risco de o país mergulhar na instabilidade”, ameaçou o vice-presidente da CE, Valdis Dombrovskis, depois que o novo governo recusou a prioridade em pagar os bancos e reduzir a dívida.
O anúncio da CE foi recebido com ironia pelo vice-primeiro-ministro, Matteo Salvini, da Liga: “ficamos esperando uma carta de Papai Noel”. Ele considerou “desrespeitosas” eventuais multas contra Roma. De acordo com a mídia, o movimento 5 Estrelas ainda tenta algum tipo de acerto, que debele a crise. A ameaça da UE instigou especuladores a apostarem contra os endividados bancos italianos e os títulos da dívida italiana.
A imposição da CE é ainda mais drástica, tendo em vista que o orçamento é uma das decisões mais soberanas de uma nação, e que em maio do próximo ano haverá eleições ao parlamento europeu, ou seja, ameaçando empurrar mais gente para o lado dos eurocéticos, os que rechaçam a prisão dos povos em que a União Europeia se tornou.
Coube a um comissário [ministro] francês, Pierre Moscovici, ser o feitor da UE no caso de Roma. A brecha orçamentária de quase um ponto e meio do PIB é “um desvio sem precedentes na aplicação do Pacto de Estabilidade” – isto é, no arrocho de Merkel -, afirmou, acrescentando que “estamos diante de um momento grave e duro”. Quanto a “não haver precedentes”, sempre que a Alemanha e a França, em momentos anteriores, violaram as próprias normas que estabeleceram, a burocracia de Bruxelas sempre achou um bandaid para tapar a ferida.
A.P.