Um ano após um dos maiores apagões da história do país, que se arrastou ao longo de 22 dias, no Amapá, até hoje, a transmissora de energia, Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não pagaram as multas de R$9,3 milhões, estabelecidas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Nesses 22 dias, o cenário foi de caos, principalmente nos quatro primeiros, quando o blecaute era total e muita incerteza havia sobre o restabelecimento.
O apagão aconteceu, pois durante uma tempestade, uma subestação pegou fogo. Essa subestação é de responsabilidade da empresa privada Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE).
Segundo o relatório do ONS, uma série de falhas foram encontradas na rede de distribuição comandada pela LMTE. Na noite do início do apagão, houve um curto-circuito, seguido de explosão e de incêndio num primeiro transformador, o que sobrecarregou o segundo equipamento.
Somente dois transformadores estavam funcionando na subestação, porque o terceiro estava em manutenção desde dezembro de 2019. Ou seja, o sistema funcionava no limite, sem um transformador de “backup”, que poderia ser usado justamente em situações como essa, quando um dos transformadores principais não estivesse em operação, por estar pegando fogo, por exemplo.
Após o relatório do ONS, em fevereiro, deste ano, a Superintendência de Fiscalização dos Serviços de Eletricidade da Aneel determinou que a Linhas de Macapá Transmissora de Energia pagasse o valor de R$3,67 milhões pelo apagão.
A LMTE recorreu da multa, mas no último dia 26 de outubro, saiu a segunda decisão da agência reguladora negando o recurso. Agora, a concessionária terá que pagar a multa em até 20 dias depois da publicação da decisão.
Em maio, a Aneel também multou o ONS em R$5,7 milhões. Essa multa também não foi paga porque o Operador Nacional do Sistema também recorreu da decisão. O recurso ainda está em análise pela agência reguladora.
A Aneel multou o NOS, pois cabe a ele analisar, através de monitoramento, as condições de atendimento de energia aos Estados que fazem parte do SIN (Sistema Interligado Nacional), como é o caso da subestação de Macapá, mesmo sendo gerida por um consórcio privado.
O Amapá recebe energia de usinas localizadas em todo o território nacional, além das hidrelétricas lá instaladas e dentro do estado organiza a distribuição.
O estado é conectado ao SIN a partir da subestação Jurupari, que por meio de um sistema de transmissão formado por linhas de transmissão (pela subestação Laranjal e pela subestação Macapá [que pegou fogo]), até chegar ao sistema de distribuição, sob responsabilidade da CEA (Companhia Elétrica do Amapá), que foi privatizada em junho deste ano.
Tanto a transmissão quanto à distribuição de energia no estado foram privatizadas. A LMTE ganhou um leilão de 30 anos para operar as subestações, mas em 2008 foi adquirida pela espanhola Isolux.
No final de 2019, depois de entrar em recuperação judicial, a estrangeira vendeu a sua parte (85%) para a Geminy Energia, que passou a ser a controladora.
A CEA foi comprada pelo Grupo Equatorial Energia, que ainda não assumiu a gestão porque o processo da venda e troca de controle ainda está em andamento.
Serviço precário oferecido pelo setor privado
Enquanto a gestão privada demonstra sua incapacidade de gerir, o povo amapaense segue com faltas de luz diárias e o povo brasileiro vê o governo Bolsonaro impulsionando a privatização da Eletrobrás, para levar o sistema falho organizado pelo setor privado para todo o país.
O apagão no Amapá está longe de ter sido a única ocorrência, segundo Luiz Pingarilho, presidente do Procon-AP, semanalmente a população sofre com pelo menos um blecaute, que costuma durar horas. Esse exemplo de serviço é o mesmo que Bolsonaro planeja para todo o país com a privatização da Eletrobrás.
A má prestação de serviço na distribuição de energia comandada pelo setor privado, fez com que no ano passado, Edmário Rocha, proprietário de uma padaria na Zona Norte de Macapá, entrasse em desespero por perder massas e não poder continuar exercendo sua profissão, a qual ele já trabalha há mais de 20 anos,
“[Estou] indignado, nervoso, porque é inadmissível um estado passar por essa situação. Desculpe falar emocionado, isso é uma vergonha. Eu tô no quinto dia hoje sem dormir. Não venha dizer que alguém dorme, porque não dorme. Eu tô investindo num grupo gerador pra poder fazer pão pros meus clientes. Eu tô há 31 anos aqui e sofro calado com a população daqui”, falou, na época.
Um ano depois, o empresário afirma que o fornecimento do serviço ainda é falho na região onde atua, e que o medo de um novo apagão sempre chega quando a energia vai embora.
“Nós sempre estamos com medo [de um novo apagão]. Eu tenho um gerador, mas eu prefiro que tenha energia. Quando começa a chover, já vem na memória um novo apagão. Tem semana que não tem um dia que não falte energia aqui. Seja um minuto, uma hora, meia hora. Mas sempre falta energia. E sempre que ela vai e volta, nós temos prejuízo”, relatou.
“Eu espero que não aconteça novamente. Agora está completando um ano e é sempre perigoso. Quando dá uma chuva, os camaradas já ficam conversando: ‘ai meu Deus, já vai dar um apagão’, acrescentou.
Na época do apagão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) acionou o Ministério Público e a Polícia Federal e em julho deste ano, a PF concluiu o inquérito e indiciou três diretores da LMTE.
“A responsabilização foi em função do artigo 265 do Código Penal Brasileiro, devido ao transformador reserva (backup) que ficou sem manutenção por um ano”, disse a polícia federal.
“O indiciamento se deu em razão de a empresa ter sido omissa na manutenção do gerador reserva [transformador backup]. Este apresentou defeito e ficou inativo por um ano e sem passar por reparo pela LMTE. Constatou-se que, entre o fim de 2019 e a data do fato, foram feitas várias programações para reparo no gerador em questão, mas em nenhuma delas houve de fato correção do problema”, justificou a PF.
Risco de novo apagão
Um estudo feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão do Ministério de Minas e Energia, aponta que se medidas não forem tomadas, o Amapá corre o risco de sofrer um novo apagão como o que durou 22 dias. Segundo a EPE, três providências precisam ser tomadas.
A primeira é a criação de uma segunda Subestação até 2024/2025 para que a energia que é produzida no Amapá seja também distribuída aqui e que o Sistema de Tucuruí passe a funcionar como espécie de redundância dos sistemas de geração de energia elétrica do estado.
A segunda providencia é discutir distribuição de energia que agora foi privatizada. O intuito do diálogo é de saber quais os investimentos na modernização serão feitas neste processo. Uma terceira providencia é persistir na reparação dos danos do apagão. Há uma representação no Ministério Público Federal e que tramita e será pauta de audiência na Justiça Federal.
“A única responsabilização que ocorreu foi por parte da Aneel tempos depois, mas até agora sem nenhum tipo de penalização para a LMTE que foi a empresa causadora do apagão. O mais trágico é isso, que o apagão foi resultado de uma série de negligências da Aneel, do Ministério de Minas e Energia, e hoje ainda não há reparações dos danos por parte das ações que foram movidas por nós e pelo MFP”, disse Randolfe.
Para tratar sobre o andamento dos processos de indenização e reparação aos amapaenses pelo sinistro, o senador Randolfe anunciou que irá acionar a Aneel para apuração das interrupções de energia no Estado. O Amapá sofreu 5 apagões de energia em menos de um ano.“A situação da energia elétrica, além de lamentável, agora é inaceitável”, disse Randolfe.
MAIRA CAMPOS