
A privatização dos cemitérios não poderia ter sido um pesadelo maior para o cidadão paulistano, condena o deputado Simão Pedro
Em apenas um ano de privatização do serviço funerário da cidade de São Paulo, os resultados são catastróficos: três quedas de muros de cemitérios foram registradas, reclamações sobre aumento de preços, denúncias sobre falta de zeladoria até ossadas expostas, além da dificuldade de acesso à gratuidade são parte dos problemas enfrentados pela população.
“A privatização (dos cemitérios) não poderia ter sido um pesadelo maior para o cidadão paulistano. Os preços aumentaram até 11 vezes do praticado antes de privatizado e, além disso, os serviços ao público pioraram”, diz à Hora do Povo o deputado estadual Simão Pedro (PT/SP) sobre a gestão privada dos cemitérios na cidade de São Paulo.
“As denúncias são de todo tipo: resistência a fazer enterros gratuitos para os que não têm renda; venda obrigatória da tanatopraxia (técnica para conservar e preparar o corpo para os rituais fúnebres) com ameaça, caso não seja feita, de o caixão ficar lacrado”, denuncia o parlamentar.
Com base em valores de janeiro de 2024, os preços mais baixos para sepultar um ente querido no município de São Paulo vão de R$ 3.250 a R$ 4.613,25, a depender da empresa que presta o serviço. Até o início do março do ano passado, antes da privatização, era possível pagar R$ 289,35, segundo dados do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), publicados pelo Brasil de Fato. Ainda de acordo com o levantamento, esse valor incluía também caixão, carro para enterro, carro para remoção, enfeite floral, paramentos, mesa de condolência, véu, velas, velório, taxa de sepultamento e fundo impermeável.
“Exumações em período restrito, o que obriga um novo enterro (inumação) cobrando novamente por tal serviço; desconhecimento da localização dos corpos a serem exumados”, engrossam o número de problemas envolvendo o serviço privado, cita Simão Pedro. “tem questão de direitos humanos”.
“Esse é um serviço de natureza pública essencial, pois o amparo ao luto jamais deveria ter sido objeto da sanha dos lucros. Também tem questão de direitos humanos, pois o controle e registro das mortes é questão da democracia e segurança nacional e estando na mão de empresas privadas a questão de desaparecimento de corpos pode se tornar incontrolável, tal como acontece em países e locais onde o serviço desta natureza está privatizado”, observa o parlamentar.

DANO AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Durante a entrevista ao HP, o deputado paulista também manifestou preocupação com os danos ao patrimônio histórico que a gestão privada dos cemitérios paulistanos vem ocasionando, uma vez que alguns deles são abertos à visitação pública. “Apesar de ser uma questão municipal, também estamos atentos em relação ao patrimônio histórico em alguns cemitérios municipais, como o da Consolação. Para tanto estamos dialogando com o IPHAN”, explica. “Alguns (cemitérios) são considerados museus a céu aberto, e seu patrimônio está sendo completamente dilapidado e sem segurança. É um escárnio com a história paulista e brasileira”, critica.
O Cemitério da Consolação, na região central da cidade, foi um dos que teve o muro parcialmente destruído durante as chuvas neste mês. A queda deixou parte dos jazigos exposta. Também o do Araçá na zona Oeste, e o da Vila Formosa, região Leste, esse último o maior da América Latina, são outros dois cemitérios que tiveram os muros danificados por conta dos temporais.
“Em conjunto com o mandato do vereador Hélio Rodrigues protocolamos uma representação junto ao MP (Ministério Público) para apurar as irregularidades nos cemitérios por conta da privatização”, informa Simão Pedro. “Um dos casos específicos é o da colocação de ossadas humanas sem cobertura, largadas ao céu aberto. A ação ainda está no MP que está apurando e está sob responsabilidade da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social. O vereador Carlos Gianazzi também está envolvido neste trabalho conjunto”, informa o parlamentar.
“Ainda tem a questão de saúde pública onde existe um convênio entre o serviço funerário e a Secretaria da Saúde Municipal para o controle epidemiológico das mortes que ocorrem no município. Isso proporciona diretrizes para a secretaria planejar e agir. Este serviço também está sendo prejudicado. Ou seja, a privatização só trouxe transtornos para os munícipes”, finaliza Simão Pedro.
DESCASO COM FAMILIARES
Situações bizarras e grotescas têm sido protagonizadas pelas concessionárias. Segundo relato da família de Tadeu B. ao portal Metrópoles, foram pagos R$ 6,9 mil pelos serviços de transporte do corpo, velório e cremação de seu pai em maio de 2023 no cemitério da Vila Alpina, na zona leste de São Paulo. A cerimônia seria às 16h e a cremação às 20h. Eram 17h10 quando, diante do atraso de mais de uma hora para a entrega do início da solenidade, familiares descobriram que o corpo estava sendo transportado diretamente para o crematório.
Os parentes tiveram que interceptar o veículo que transportava o ente e fazê-lo voltar para um velório tardio e bem mais curto que o previsto. Interpelada pela Justiça, a Velar, empresa contratada para prestar o serviço, alegou que “não houve nenhum prejuízo ou dano aos autores”. O juiz responsável pelo caso extinguiu o processo sem decidir sobre seu mérito porque entendeu que a defesa da família escolheu a via errada para movê-lo.
Outro caso é o de Carlos G., também citado pelo Metrópoles. Ele perdeu a mãe em abril de 2023. Contratou o velório e sua cremação também no cemitério da Vila Alpina. Quando o caixão chegou à cerimônia, ele estranhou. Não conseguia ver o seu rosto, mesmo apontando uma lanterna de celular dentro do invólucro. Ao abrir a tampa, a encontrou em um saco preto, semelhante ao de lixo. Informou também que a mãe não recebeu qualquer tratamento estético para o velório. Nem sequer as flores encomendadas chegaram.
Uma ação foi movida contra a Consolare, que administra outros cemitérios, mas, neste caso, foi apenas contratada para tratar e transportar o corpo, além de pôr enfeites e flores. “A ré simplesmente negligenciou e tratou aquele ente querido como se fosse um indigente”, diz a defesa da família, sobre o serviço da Consolare.
A empresa alegou à Justiça que foi contratado um modelo de cremação em que o corpo permanece no saco plástico, com caixão fechado e sem ornamentos. Afirmou ainda que a família sabia das condições e assinou o contrato autorizando esse tipo de serviço. O caso ainda não foi julgado.
JOSI SOUSA