
O depoimento de Antonio Palocci à Polícia Federal (PF) do dia 9 de agosto do ano passado, mas só agora divulgado, vale, evidentemente, pelos fatos que relata – mas, desses fatos, surgem vários retratos de caráter.
Não apenas o seu, o que é evidente, mas, sobretudo, os de Lula e Dilma (e também, ainda que com menor destaque, de Mantega e outros).
Palocci relata uma guerra entre Lula e Dilma pelo controle dos recursos da Petrobrás e da Sete Brasil, com o pano de fundo da eleição de 2014, quando Dilma temia que a candidatura de Lula atropelasse a sua.
Vejamos o seguinte trecho:
“… durante o crescimento da Operação Lava Jato, Dilma deu corda para o aprofundamento das investigações, uma vez que isso sufocaria e implicaria Lula;
“… por sua vez, Lula, em movimento reverso, relembrava que Dilma era a presidente do Conselho de Administração da estatal na época de grande parte dos fatos apurados, lembranças estas que fazia em diversas reuniões no Instituto na presença de dezenas de pessoas;
“… Lula construía assim sua narrativa, dando recados diretos à Dilma”.
Lula, diz Palocci, sempre foi um inventor de “narrativas”. Realmente, até hoje, depois de preso – com provas transbordantes – ele continua inventando “narrativas”.
Mas, continuemos com o depoimento de Palocci:
“… por fim, destaca que Luiz Inácio Lula da Silva tinha por hábito solicitar recursos em nome do Partido dos Trabalhadores, mas, na prática, era ele quem administrava a destinação das verbas;
“… desta maneira, Lula era quem autorizava e desautorizava quem seriam os beneficiários dos recursos”.
O que explica por que, a partir de um certo momento, os recursos mais pesados do PT estiveram concentrados em Palocci – e, depois, em Mantega. Ambos eram operadores de Lula.
O retrato que Palocci faz de Dilma parece, também, pertinente.
Nos momentos em que isso a beneficiava, ela rapidamente aderia à corrupção de Lula:
“… vale lembrar da reunião no Alvorada, possivelmente ocorrida em 2010, na qual Dilma se fez presente no momento em que Lula esclareceu que o projeto das sondas do pré-sal financiaria a campanha presidencial de 2010;
“… por lógica, Dilma anuía com a iniciativa do projeto ilícito de Lula”.
Para Palocci, a “lógica” consiste em se dar bem – daí essa atribuição de “lógica” à opção pela corrupção de Dilma. Infelizmente, o próprio destino de Palocci (e o de Dilma) não demonstra a lógica dessa opção.
[NOTA HP: Em sua carta de desfiliação do PT, em setembro de 2017, Palocci descreveu do seguinte modo a reunião com Lula no Palácio da Alvorada: “Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa história”.]
Mas, continuemos com o depoimento de Palocci:
“… Dilma, no momento dos conflitos, tentou asfixiar esse poder de Lula sobre os recursos do PT, visando, sobretudo, desencorajá-lo a concorrer à Presidência em 2014;
“… Dilma adotava um governo relativamente rígido e autorizava liberalidades para os momentos de financiamento eleitoral;
“… foi a própria Dilma quem disse: ‘nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição’;
“… em outras palavras, Dilma permitia que fossem feitas arrecadações ilícitas durante os períodos eleitorais”.
Uma das grandes figuras da História recente de nosso país, Ulysses Guimarães, tão vilipendiado pelo PT, disse, em seu discurso na promulgação da Constituição de 1988: “Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública” (v. Ulysses Guimarães: “Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube”).
Palocci, quanto a Dilma e Lula, não obedece a esse primeiro mandamento (como, aliás, em nada). Ele, realmente, acha uma grande diferença entre a moral de Lula e a de Dilma – provavelmente porque, na atual situação, ele mesmo tem que fazer alguma coisa para separar-se moralmente de Lula. Porém, talvez, do ponto de vista do superego – ou seja, dos remorsos morais – tenha alguma razão:
“… já Lula tinha outro tipo de moral. Para ele, o financiamento ilícito e contribuições empresariais vinculadas ou não a projetos não lhe causavam o menor constrangimento”.
O que vem a seguir é um retrato bastante exato do cidadão:
“… a única preocupação de Lula era preservar sua própria imagem, afastando-se deliberadamente dos momentos de ilicitudes e sistematicamente construindo versões que o isentavam de qualquer malfeito;
“… diante de pergunta que o colaborador fez a Lula durante o andamento da Operação Lava Jato: ‘por que você não pega o dinheiro de uma palestra e paga o seu triplex?’, respondeu ele: ‘um apartamento na praia não cabe em minha biografia’;
“… Lula, inclusive, sabia que ao manter distância das operações financeiras ilícitas, teria que suportar eventuais desvios, aproveitamentos pessoais e até enriquecimento de colaboradores próximos e pessoas de sua confiança que atuavam na área de arrecadação ilegal;
“… Lula sabia que esse era o preço necessário e razoável a se pagar;
“… para Lula, ao manter distância e fechar os olhos para ilicitudes, tapava também os olhos da Justiça para seus próprios bens”.
SETE BRASIL
Rememoremos o tema principal de Palocci nesse depoimento.
No final do governo Lula foi anunciada a constituição de uma empresa denominada “Sete Brasil”.
Era uma empresa meramente financeira – seu objetivo era captar dinheiro para pagar a estaleiros a fabricação de sondas de petróleo e depois alugá-las à Petrobrás.
Com contratos firmados no valor de US$ 82 bilhões (oitenta e dois bilhões de dólares), a empresa se proclamava “a maior empresa do mundo em sondas de águas ultraprofundas (por número de sondas), com 29 sondas de última geração em seu portfólio, e o maior player global de offshore drilling do mundo” (cf. Sete Brasil, Relatório da Administração, Exercício Social de 2012).
Tudo isso, sem construir – ou receber dos estaleiros – uma única sonda.
Essa empresa, durante algum tempo, nos pareceu incompreensível.
Por que a Petrobrás não poderia encomendar essas sondas diretamente?
Por que teria de alugá-las à Sete Brasil?
Mais incompreensível ainda foi a tentativa, em 2011, de transferir 49 petroleiros da Petrobrás para a Sete Brasil, uma empresa privada em que apenas 10% de seu capital pertencia à empresa estatal. Aliás, essa tentativa, faça-se justiça – independente de seus motivos -, foi frustrada por um veto expresso de Dilma Rousseff (v. Dilma veta a transferência de 49 navios da Petrobrás à Sete Brasil).
O visível era a tentativa de fazer uma armadura em torno da Petrobrás, algo bem característico do sr. Renato Duque, na época diretor de Serviços da Petrobrás, idealizador da Sete Brasil – e principal elemento do esquema de corrupção do PT dentro da Petrobrás.
Mas, na época, não nos ocorreu – nem a ninguém, exceto aos implicados – que o objetivo dessa “armadura” em torno da Petrobrás fosse roubar, receber propinas, assaltando a nossa maior, mais popular e mais estratégica empresa, pertencente ao povo brasileiro.
Tínhamos nossas desconfianças, assim como vários profissionais da Petrobrás, com quem conversamos, tinham as suas, mas… não se pode denunciar por desconfiança.
Tudo somente ficou claro com a Operação Lava Jato, que levou todos os diretores originais da Sete Brasil (João Carlos Ferraz, Pedro Barusco e Edson Musa) à cadeia – e à condenação por corrupção.
Todos eles, aliás, foram obrigados a devolver parte do que tinham roubado através das propinas que recebiam (somente Pedro Barusco devolveu US$ 98 milhões).
Resumindo o esquema: numa ponta foram formados estaleiros, pelas mesmas empreiteiras que assaltavam a Petrobrás através de contratos superfaturados e propinas para o PT, PMDB e PP (havia, além disso, nesse esquema, dois estaleiros estrangeiros).
Na outra ponta estava a Petrobrás, a fonte dos recursos – inclusive daqueles que a Sete Brasil obtinha com bancos públicos e privados; havia, além disso, duas outras fontes: o FGTS, que pertence aos trabalhadores brasileiros, e os fundos de pensão dos trabalhadores das estatais, reunidos no FI-Sondas.
O principal acionista era o BTG-Pactual, o banco de André Esteves, que Lula e o PT cevaram indecentemente (v. BTG Pactual, Sete Brasil e seus enlaces com o governo Dilma).
A Sete Brasil era uma indústria de propinas.
Somente na primeira auditoria, depois que a casa caiu, foram constatadas propinas que somavam US$ 224 milhões (224 milhões de dólares).
Um dos principais condenados, o diretor de Operações da Sete Brasil, Pedro Barusco (ex-gerente executivo de Renato Duque na Petrobrás), descreveu assim o esquema:
“… essa combinação envolveu o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto, o declarante [Pedro Barusco] e os agentes de cada um dos estaleiros, e estabeleceu que sobre o valor de cada contrato firmado entre a Sete Brasil e os estaleiros, deveria ser distribuído o percentual de 1%, posteriormente reduzido para 0,9%;
“… a divisão se dava da seguinte forma: 2/3 para João Vaccari; e 1/3 para a ‘Casa 1’ e ‘Casa 2’;
“… a ‘Casa 1’ referia-se a pagamentos de propina no âmbito da Petrobrás, especificamente para o Diretor de Serviços Renato Duque e Roberto Gonçalves, o qual substituiu o declarante na Gerência Executiva da Área de Engenharia;
“… a ‘Casa 2’ referia-se ao pagamento de propinas no âmbito da Sete Brasil, especificamente para o declarante [Pedro Barusco], João Carlos de Medeiros Ferraz, Presidente da empresa, e, posteriormente, também houve a inclusão de Eduardo Musa, Diretor de Participações da empresa.
“como eram muitas pessoas envolvidas e muitos estaleiros, para organizar o pagamento das propinas, foi estabelecido que as propinas destinadas a atender aos 2/3 de João Vaccari teriam sua origem nos contratos firmados entre a Sete Brasil e o Estaleiro Atlântico Sul [Camargo Corrêa e Queiroz Galvão], o Estaleiro Enseada do Paraguaçu [Odebrecht, OAS e UTC Engenharia], o Estaleiro Rio Grande [Engevix] e parte do Estaleiro Kepel Fels;
“… para atender ao pagamento de propina referente ao 1/3 da ‘Casa 1’ e ‘Casa 2’ os recursos teriam sua origem nos contratos firmados entre a Sete Brasil e outra parte do Estaleiro Kepel Fels e Estaleiro Jurong;
“… cada estaleiro tinha um representante ou operador que operacionalizava o pagamento das propinas;
“… no Estaleiro Atlântico Sul o operador era Ildefonso Colares, no Estaleiro Kepel Fels o operador era Zwi Zcorniky, no Estaleiro Jurong era Guilherme Esteves de Jesus” (cf. Termo de Declarações nº 01 de Pedro Barusco).
A questão de João Carlos Ferraz – que Dilma e Graça Foster queriam tirar da presidência da Sete Brasil – era, portanto, uma guerra pela propina.
A Sete Brasil era uma empresa de fancaria – tanto isso é verdade que, sendo uma empresa privada, Dilma e Graça Foster (e, antes, Lula) determinavam a diretoria e o presidente.
Rigorosamente, a Sete Brasil não existia fora do esquema de propina do PT em cima da Petrobrás.
Fizemos este resumo com o objetivo de facilitar o entendimento do depoimento de Palocci, cujos principais trechos – na realidade, quase todos – transcrevemos em seguida (C.L.).
AGENDA OCULTA
“… indagado sobre a realização de reunião, no dia 06/02/2012, entre Luiz Inácio Lula da Silva, Maria das Graças Silva Foster e José Sérgio Gabrielli de Azevedo, no Hospital Sírio Libanês [onde Lula estava internado], para submeter-se a uma cirurgia], esclareceu o colaborador [Palocci] que esse tipo de reunião era praticamente obrigatória para a futura posse de Graça na Petrobrás, dado que era o primeiro lance de um movimento de separação entre Dilma e Lula, já que a então Presidente tirava uma pessoa de confiança de Lula na Petrobrás e colocou uma pessoa de sua extrema confiança;
“… esse tipo de substituição não poderia ser feito sem a anuência de Lula;
“… Dilma, naquele momento, começava a completar a formatação de seu próprio Governo, tentando se afastar do controle de Lula;
“… deve ser relembrado que Gabrielli era íntimo de Lula, ao passo que Graça era íntima de Dilma;
“… não havia qualquer intimidade entre Lula e Graça e a relação entre Dilma e Gabrielli comportava permanentes atritos;
“… a reunião de 06/02/2012 significava que Lula aceitava a substituição, mesmo contrariado, e demonstrava a Graça que continuava a ser ele a pessoa que mandava na Petrobrás;
“… para Dilma, a nomeação de Graça significava a afirmação de seu novo governo e a preparação para o processo da reeleição presidencial;
“… esse ato também se revestia de um lado ilícito, uma vez que representava meios de Dilma inviabilizar o financiamento eleitoral dos projetos de Lula retornar à Presidência, ao passo que viabilizaria recursos para sua reeleição, deslocando as doações para o PT, onde contava com a lealdade pessoal de Rui Falcão, então presidente da sigla;
“… isso também pode ser comprovado pela primeira reunião que Graça faz com João Ferraz [presidente da Sete Brasil], na qual disse a ele que sabia de sua agenda oculta e que ela não aceitava isso;
“… quem contou isso ao colaborador foi o próprio João Ferraz, esclarecendo que ele possuía, sim, uma agenda oculta com o colaborador e seu grupo político;
“… por agenda oculta todos os envolvidos entendiam que, obviamente, se tratava das propinas envolvidas no projeto das sondas do pré-sal.”
PRESSÃO
“… vale lembrar da reunião no Alvorada, possivelmente ocorrida em 2010, na qual Dilma se fez presente no momento em que Lula esclareceu que o projeto das sondas do pré-sal financiaria a campanha presidencial de 2010;
“… por lógica, Dilma anuía com a iniciativa do projeto ilícito de Lula;
“… relativamente à atuação de Graça Foster na Sete Brasil, o colaborador esclarece que Ferraz relatou a Graça que ele comandava a empresa em acordo com seu apoio político;
“… o colaborador foi procurado por João Ferraz, que estava muito assustado com a postura de Graça, uma vez que havia entendido que seria demitido;
“… o colaborador esclareceu a situação política que revestia a postura de Graça, ou seja, que ela passaria a defender os interesses de Dilma e preterir as vontades de Lula;
“… o colaborador sugeriu a João Ferraz que procurasse Guido Mantega, que, na época, era um grande ‘coringa’, pois era Ministro da Fazenda de Dilma, íntimo de Lula, presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e também operador de propinas do partido;
“… mais tarde, Ferraz confirmou que esteve com Guido, tendo relatado que a conversa foi muito boa e que se sentia apoiado por ele, mas, no entanto, as pressões de Graça não cessavam;
“… naquele momento, iniciam-se frequentes encontros do colaborador com João Ferraz, com Luiz Inácio Lula da Silva, com André Esteves [presidente do BTG Pactual] e com João Vaccari;
“… os encontros tinham por temática a pressão de Dilma na Sete Brasil para retirá-la do controle de Lula;
“… recorda que, naquele primeiro momento, Lula chamou o colaborador e solicitou que ele resolvesse o problema, tendo respondido que aquilo era uma briga com Dilma, na qual o colaborador não se envolveria;
“… também recorda que Lula teve sucessivas reuniões com Graça, em 2012, para pressioná-la a dar andamento no processo de contratação dos navios-sondas do pré-sal, uma vez que ela havia suspendido o processo licitatório para efeitos de auditoria interna;
“… a postura de Graça irritava extremamente Lula;
“… Graça adotava um discurso de que estava sendo cuidadosa com o projeto;
“… à época, Ferraz passava a procurar o colaborador e também Lula para melhorar sua situação na Sete Brasil junto à Petrobrás”.
NOS DOIS LADOS
“… no mesmo momento, cabe esclarecer qual era a posição de André Esteves naquele cenário;
“… antes da nomeação de Graça, foi o colaborador o responsável por aproximar João Ferraz de André Esteves, a pedido do banqueiro;
“… isso ocorreu possivelmente em 2011; recorda de ter promovido um jantar na casa de André Esteves para a aproximação;
“… recorda que, em 2012, após a nomeação de Graça Foster, André Esteves adotava uma postura bastante dissimulada junto aos dois grupos políticos do PT que se formavam, encabeçados por Lula e Dilma;
“… junto a Graça Foster, André Esteves tinha a conduta de aceitar sua posição de demitir João Ferraz da presidência da Sete Brasil;
“… ao mesmo tempo que André Esteves buscava se aliar aos interesses da Petrobrás e, assim, controlar conjuntamente a Sete Brasil, André Esteves também desejava agradar os interesses de Luiz Inácio Lula da Silva;
“… por tal motivo, junto a Lula, André Esteves defendia a permanência e o fortalecimento de Ferraz no controle da Sete Brasil;
“… a partir daquele momento, é André Esteves o responsável por levar João Ferraz a Lula;
“… isso visava estreitar o comando de Lula na Sete Brasil, bem como fortalecer a posição de Ferraz na presidência da empresa”.
EXPIAÇÃO
“… quando as investigações da Operação Lava Jato alcançaram os crimes envolvendo o projeto da Sete Brasil, em período de quinze dias, Lula convocou o colaborador por duas vezes e o testou afirmando que havia sido ele, Palocci, o responsável por aproximar Lula de João Ferraz;
“… essa prática de Lula de construir versões já foi destacada pelo colaborador no Termo de Colaboração n° 01;”
[NOTA HP: Naquele depoimento, Palocci declarou: “era comum Lula, em ambientes restritos, reclamar e até esbravejar sobre assuntos ilícitos que chegavam a ele e que tinham ocorrido por sua decisão; a intenção de Lula era clara no sentido de testar os interlocutores sobre seu grau de conhecimento e o impacto de sua negativa” (cf. PF, Termo de Colaboração n° 01 de Antonio Palocci, p. 5, 13/04/2018).]
“… o colaborador refutou a Lula, nas duas oportunidades, a atribuição da aproximação entre ele e Ferraz, afirmando que tanto ele, Lula, quanto o colaborador, sabiam que o responsável pela aproximação havia sido André Esteves”.
DEMISSÃO
“… João Ferraz ainda conseguiu se sustentar na presidência da Sete Brasil por mais dois anos;
“… indagado especificamente sobre a demissão de João Ferraz da Sete Brasil, o colaborador recorda que temia ser considerado bode expiatório, uma vez que se sentia imobilizado na briga que acontecia entre os dois ‘grandes’: Dilma e Lula;
“… por tal motivo, o colaborador foi até a residência de André Esteves, que, junto com a Petrobrás, eram os donos do dinheiro da Sete Brasil, para afirmar que não possuía mais qualquer participação no projeto da Sete Brasil, tanto na parte lícita, quanto no controle de arrecadação ilícita para as finalidades eleitorais;
“… com essa conduta, o colaborador desejava que André Esteves não utilizasse mais seu nome nos assuntos envolvendo Sete Brasil;
“… se recorda que a visita a André Esteves provavelmente ocorreu cerca de 15 a 20 dias antes da efetiva demissão de João Ferraz da Sete Brasil;
“… o colaborador fez questão de advertir André Esteves de que não falava em nome de Lula, e sim em nome dele próprio, ou seja, que Lula não havia liberado a demissão de João Ferraz;
“… se recorda o colaborador, ainda, que em determinado momento da briga política entre Lula e Dilma, André Esteves solicitou ao colaborador que comunicasse João Ferraz que caso ele se demitisse voluntariamente e sem maiores brigas, André Esteves lhe oferecia um cargo e cuidaria financeiramente de seu futuro;
“… o colaborador se recorda de ter levado tal proposição a Ferraz, mas ele a refutou prontamente, uma vez que se sentia fortalecido pelo apoio de Lula;
“… não dúvida de que André Esteves tenha insistido, por si ou por terceiros, em convencer Ferraz a aceitar a proposta;
“… em relação ao momento da demissão de Ferraz, o colaborador também sabe que, na mesma época de sua visita a André Esteves, Lula convocou Graça Foster e informou que Ferraz deveria ser mantido no cargo;
“… a contragosto, Graça havia concordado em manter Ferraz;
“… o encontro pode ter ocorrido no Instituto Lula, mas também no Hotel Sofitel, na Rua Sena Madureira em São Paulo/SP, local em que Lula costumava despachar às sextas-feiras;
“… Lula também tinha encontros com Graça Foster em um hotel no Rio de Janeiro/RJ;
“… após se certificar com Graça Foster da permanência de Ferraz, Lula encaminhou João Vaccari ao Rio de Janeiro/RJ para comunicar a Ferraz de que ele continuaria na Sete Brasil;
“… no entanto, após André Esteves ter recebido a visita do colaborador, André Esteves tratou com Graça Foster para que efetivamente ocorresse a demissão de João Ferraz;
“… na visão do colaborador, André Esteves sentiu que, com a comunicação do colaborador de que ele, Palocci, não operaria mais o esquema de Sete Brasil, André Esteves tinha o aval para que João Ferraz não permanecesse mais no comando da empresa;
“… essa foi uma maneira que André Esteves teve de acordar com Graça Foster a demissão de João Ferraz sem que houvesse a necessidade de tratar disso com Lula, uma vez que o colaborador já havia lhe comunicado que não operaria mais o esquema da Sete Brasil, e, portanto, não se opunha à demissão de Ferraz;
“… relativamente ao encontro de Vaccari com Ferraz, sabe que quando Vaccari comunicou a ele da sua permanência na Sete Brasil, Ferraz lhe disse que acabava de ter tomado ciência que estava demitido da presidência da empresa;
“… chamou a atenção a velocidade com que Ferraz foi demitido após o colaborador ter visitado André Esteves;
“… atribui isso à oportunidade que o encontro o colaborador e o banqueiro gerou para André convencer Graça de que havia o aval político para a retirada de Ferraz do comando da Sete Brasil;
“… indagado se a aceitação de Graça Foster em demitir Ferraz após período de dois anos em que tentou fazê-lo mas, por pressão de Lula, acabou mantendo-o no cargo, teria se motivado em algum outro acordo adicional que ela poderia ter feito com André Esteves, respondeu que é provável que André Esteves tenha tratado de outros negócios com Graça, mas não saberia especificar;
“… efetivamente chamou a atenção do colaborador a velocidade de demissão”.
CONDUTAS
“… em relação a outros aspectos envolvendo o período destacado, o colaborador se recorda que, em 2012, muitos atritos ocorridos entre Lula e Dilma se davam em reuniões nas quais também eram tratadas maneiras de barrar a responsabilidade do partido no Mensalão;
“… a maioria dessas reuniões ocorria em São Paulo/SP, na sede da Presidência da República no prédio do Banco do Brasil na Avenida Paulista;
“… também se recorda que, na época em que Ferraz desejava obter apoio para permanecer no cargo, ele entregou ao colaborador, em duas oportunidades, planilhas de pagamentos efetuados pela Sete Brasil aos estaleiros;
“… isso tinha por finalidade que se viabilizasse a arrecadação de propinas juntos aos estaleiros, uma vez que já haviam sido remunerados pelo andamento das obras;
“… o colaborador se lembra de ter entregado as planilhas a Vaccari por intermédio de Branislav Kontic;
“… em relação à ruptura entre Lula e Dilma, o colaborador esclarece e resume três aspectos de condutas adotadas por Dilma.
“O primeiro dizia respeito ao fato de que, com a nomeação de Graça Foster, Dilma visava retirar os recursos de financiamento eleitoral de Lula e, assim, desencorajá-lo a tentar retornar à Presidência em 2014.
“O segundo aspecto com a nomeação de Graça referia-se à mudança do modelo de financiamento do PT, o qual deveria voltar a se centrar mais nos interesses do partido e deixar de estar sob controle de Lula. Dessa forma, Dilma teria maior acesso aos recursos.
“O terceiro aspecto refere-se a fatos já narrados em Termo de Colaboração específico sobre a construção da UHE Belo Monte.
“Recorda o colaborador que, no período de 2012, durante o início dos conflitos entre Lula e Dilma, Vaccari foi ao encontro do colaborador solicitar autorização para cobrança de recursos de propina em razão da construção da UHE Belo Monte, uma vez que não havia recebido recursos de Otávio Azevedo;
“… se lembra o colaborador de ter comunicado à Vaccari que, por orientação de Dilma, não se devia cobrar aquelas propinas;
“… isso foi relatado a Lula, o qual se irritou profundamente e disse que trataria do assunto com Dilma;
“… posteriormente, obteve retorno de Vaccari de que Lula havia conseguido liberação de Dilma para as cobranças, mas que Dilma havia advertido de que também havia tratado do assunto com Rui Falcão e que a arrecadação dos recursos deveria atender aos interesses do PT, ficando claro ao colaborador que ela não desejava que os recursos ficassem sob o controle de Lula”.
CORDA
“… a respeito da ruptura entre Lula e Dilma, recorda o colaborador que, durante o crescimento da Operação Lava Jato, Dilma deu corda para o aprofundamento das investigações, uma vez que isso sufocaria e implicaria Lula;
“… por sua vez, Lula, em movimento reverso, relembrava que Dilma era a presidente do Conselho de Administração da estatal na época de grande parte dos fatos apurados, lembranças estas que fazia em diversas reuniões no Instituto na presença de dezenas de pessoas;
“… Lula construía assim sua narrativa, dando recados diretos à Dilma;
“… por fim, destaca que Luiz Inácio Lula da Silva tinha por hábito solicitar recursos em nome do Partido dos Trabalhadores, mas, na prática, era ele quem administrava a destinação das verbas;
“… desta maneira, Lula era quem autorizava e desautorizava quem seriam os beneficiários dos recursos;
“… Dilma, no momento dos conflitos, tentou asfixiar esse poder de Lula sobre os recursos do PT, visando, sobretudo, desencorajá-lo a concorrer à Presidência de 2014;
“… Dilma não é isenta de eventuais ilegalidades e erros, mas sua prioridade era a renovação de seu governo, incluído aí o financiamento necessário para isso, o qual delegou ao PT;
“… Dilma adotava um governo relativamente rígido e autorizava liberalidades para os momentos de financiamento eleitoral;
“… foi a própria Dilma quem disse: “nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição“;
“… em outras palavras, Dilma permitia que fossem feitas arrecadações ilícitas durante os períodos eleitorais”.
IMAGEM
“… já Lula tinha outro tipo de moral. Para ele, o financiamento ilícito e contribuições empresariais vinculadas ou não a projetos não lhe causavam o menor constrangimento;
“… a única preocupação de Lula era preservar sua própria imagem, afastando-se deliberadamente dos momentos de ilicitudes e sistematicamente construindo versões que o isentavam de qualquer malfeito;
“… diante de pergunta que o colaborador fez a Lula durante o andamento da Operação Lava Jato: ‘por que você não pega o dinheiro de uma palestra e paga o seu triplex?’, respondeu ele: ‘um apartamento na praia não cabe em minha biografia’;
“… Lula, inclusive, sabia que ao manter distância das operações financeiras ilícitas, teria que suportar eventuais desvios, aproveitamentos pessoais e até enriquecimento de colaboradores próximos e pessoas de sua confiança que atuavam na área de arrecadação ilegal;
“… Lula sabia que esse era o preço necessário e razoável a se pagar;
“… para Lula, ao manter distância e fechar os olhos para ilicitudes, tapava também os olhos da Justiça para seus próprios bens”.