Até agosto, Museu só recebeu R$ 28.397,00 para funcionamento
Para quem não era rico, na década de 60 ou 70 do século XX, a Quinta da Boa Vista, no Rio, com o Museu Nacional, o Jardim Zoológico, o lago, os gramados e as árvores, era o melhor passeio no fim de semana.
E, se você estudava a alguns quarteirões, a Quinta era, muitas vezes, também o melhor passeio no meio da semana.
Não sei – mas não acredito – que isso tenha mudado, assim como vários bairros do subúrbio carioca não mudaram muito, apesar da selvageria que invadiu a vida dos cidadãos comuns, no Rio.
Que nos desculpem os leitores por começar este artigo com uma nota pessoal. Infelizmente, não há outro jeito – ou, pelo menos, nós não achamos esse outro jeito.
O prédio do Museu Nacional, no centro da Quinta da Boa Vista, era, no século XIX, a residência dos imperadores, o Palácio de São Cristóvão – antes, foi a residência do príncipe João, depois rei D. João VI, bem longe do lugar onde residia a sua senhora, Carlota Joaquina, que escondia-se em Botafogo.
Possivelmente, o leitor sabe de tudo isso. Mas não é para informar os fatos históricos que nós os mencionamos aqui – é, antes, para mostrar o que perdemos, não apenas culturalmente, mas emocionalmente, no último domingo.
O Museu Nacional era o museu mais popular do país – das múmias egípcias até o meteorito de Bendegó, passando pelos dinossauros, pelos artefatos e cantos indígenas, pelas memórias de régulos africanos, todo um acúmulo de 200 anos de pesquisas e coisas estimadas por gerações de seres humanos, estavam lá.
Na noite de domingo, quando o fogo consumia esses sinais da passagem do ser humano – e não somente dos seres humanos – sobre a Terra, um amigo, aqui do HP, comentou: “parece o incêndio da Biblioteca de Alexandria”.
Para nós, brasileiros, o Museu Nacional era, realmente, o equivalente da Biblioteca que um dos sucessores de Alexandre, o Grande, construiu na cidade erguida no delta do Nilo.
Logo, sua perda tem um aspecto irreparável, uma perda material que se expressa numa espécie de luto no coração de cada um deste país, até mesmo daqueles que jamais tiveram o prazer e a ventura de percorrer as salas do Museu Nacional.
Quantas vezes, no dia seguinte ao incêndio, ouvimos de pessoas que nem conhecem o Rio de Janeiro, a pergunta e a exclamação: “onde nós chegamos?!”, ou, talvez, “aonde nós vamos chegar!?”.
Porque todos sabem que foi um crime. E que todo crime tem culpados. Um crime demanda o julgamento e a punição daqueles que o cometeram.
Na nota em que anuncia a abertura de inquérito para apurar as causas e os responsáveis, diz o Ministério Público: “A drástica redução de investimentos já consumia o Museu Nacional. O congelamento dos orçamentos dos órgãos públicos, agravado em 2016 pela aprovação da Emenda Constitucional 95, já imobilizava o devido cuidado com o importantíssimo acervo e imóvel, irrecuperáveis”.
A Emenda Constitucional 95 é o congelamento de gastos públicos, por 20 anos, de Meirelles, Temer e outros bandidos, aprovada por um Congresso afundado nas investigações da Lava Jato.
O conteúdo dessa emenda fora proposto pelo governo Dilma, por seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa (v. HP 17/02/2016, Nelson Barbosa defende o limite permanente dos gastos públicos).
Na página 4, o leitor poderá ver os sucessivos cortes nas verbas para o Museu Nacional, desde 2013 – apesar do orçamento do Museu já ser ridiculamente baixo, foram cortados R$ 336 mil de 2013 a 2017.
Mas esse é o orçamento geral. A verba específica para funcionamento do Museu foi ainda mais atingida, com o criminoso valor (ou falta de valor) de 28 mil e 397 reais de janeiro a agosto deste ano.
A verba mensal para funcionamento do Museu Nacional, neste ano, foi, portanto, de 3 mil e 500 reais ou 3 salários mínimos e meio.
Na revista Forbes, encontramos uma lista de salários (ou, melhor, pró-labores) de indivíduos cujo papel social é, no mínimo, duvidoso – ou prejudicial.
O presidente do Itaú ganha 3 milhões e 409 mil reais por mês.
O presidente do Bradesco ganha 1 milhão e 329 mil reais por mês.
O presidente da Oi ganha 1 milhão e 292 mil reais por mês.
O presidente da Braskem, uma subsidiária da Odebrecht, ganha 1 milhão e 92 mil reais por mês.
Isso, sem contar as inúmeras vantagens que, no mínimo, triplicam esses ganhos (v. Forbes Brasil, 27/06/2018, Conheça o salário dos altos executivos de 18 empresas).
Somente da Petrobrás, os ladrões do cartel das empreiteiras mais os ladrões do PT, PMDB, PP, etc., roubaram R$ 42 bilhões, segundo perícia da Polícia Federal.
Mas esses mesmos elementos, que, com as multinacionais e bancos estrangeiros, mandam no governo, querem (ou queriam) que o Museu Nacional, com seus 20 milhões de itens colecionados ao longo de 200 anos, funcionasse com 3 mil e 500 reais por mês.
Aqui, resta a constatação: o neoliberalismo, o rentismo, é, antes de tudo, burro.
A sanha por ganhos parasitários, predatórios – isto é, financeiros – é inimiga da ciência, da arte e da história. É hostil a tudo o que é humano, sobretudo é hostil às manifestações mais elevadas do ser humano.
Daí, os serviçais que eles conseguem, para fazer a sua política, são gente muito estúpida, muito obtusa, muito boçal – os Lula, Dilma, Temer, Alckmin, Bolsonaro, Meirelles, etc.
Convenhamos, de onde surgiu esse Marun, ministro de alguma coisa, que declarou que a comoção do país com a destruição do Museu Nacional é coisa de “viúva apaixonada chorando”, e, em seguida, que o Museu pegou fogo porque “não existe possibilidade de termos um Orçamento eficiente enquanto tivermos uma Previdência cujo déficit tira dos cofres públicos R$ 1 bilhão por dia”?
Além do déficit ser falso e a cifra ser mentirosa, então, quer dizer que a culpa do incêndio foi dos aposentados?
De onde saiu tamanho imbecil?
Do mesmo lugar que saíram os outros: do bolso de alguns parasitas, tão antissociais quanto os seus lacaios.
O fogo que destruiu o Museu Nacional é, até agora, apesar de toda a devastação que há anos nos acomete e aflige, o fato mais simbólico, a condensação completa dessa desgraçada política – isso que alguns delicados chamam de “ajuste fiscal”.
Nada, como esse fogo, mostra a nação em perigo, quando o repositório mais antigo e mais popular de sua luta pelo conhecimento é incendiado.
Pois o Museu Nacional não “pegou fogo”.
Foi incendiado, como a Biblioteca de Alexandria.
Um crime contra o Brasil e contra a Humanidade.
A punição virá mais depressa do que creem alguns. E será severa.
CARLOS LOPES